Renata Mangualde Felizardo
A vinculação da cláusula compromissória arbitral nas companhias
Após a inclusão na lei de S.A. da possibilidade de o estatuto social instituir a arbitragem como forma de solucionar as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os minoritários (art. 109, §3º, da lei 6.404/76, inserido pela lei 10.303/01), surgiu intenso debate na doutrina sobre quais seriam as pessoas que estariam sujeitas a essa cláusula compromissória arbitral.
A lei de arbitragem (lei 9.307/96) estabelece que a cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, diferentemente da regra geral dos contratos que prescinde desse requisito formal. Isso porque a legitimidade da competência atribuída ao árbitro, equivalente à renúncia à jurisdição estatal, repousa, sobretudo, na vontade das partes, que deve ser clara e expressa.
Quando a cláusula compromissória é inserida no estatuto social na constituição da sociedade não há dúvida de que vincula todos os acionistas fundadores, que assim expressaram a sua vontade. Já no caso de ingresso de novo acionista, há divergência na doutrina: parte entende que, ao adquirir ações da companhia, o novo acionista adere automaticamente ao estatuto social, concordando tacitamente com todos os seus termos e condições, incluindo a cláusula compromissória, uma vez que não lhe é dado escolher os direitos e obrigações a que estará sujeito. Outra parte defende que o acionista que não tenha expressamente aderido, por escrito, à cláusula compromissória estatutária, não estaria sujeito a seus efeitos, já que a renúncia ao direito constitucional de ingressar em juízo não poderia ser presumida, dependendo sempre de expressa manifestação volitiva.
A questão é mais polêmica quando se trata de deliberação para alterar o estatuto social para incluir a cláusula compromissória. Todos os acionistas estariam automaticamente sujeitos à arbitragem, inclusive os dissidentes? Nesse caso, os entendimentos são os mais variados. Parte dos juristas que se manifestaram sobre a matéria entende que a vinculação à cláusula compromissória exige sempre a manifestação volitiva expressa, por escrito, em documento apartado. Outros sustentam que a deliberação vincula automaticamente os acionistas que votaram favoravelmente, os que se abstiveram e os que não compareceram à assembléia.
Se o acionista votou em sentido contrário, registrando expressamente sua discordância, há manifestações no sentido de que não haveria como obrigá-lo a algo que voluntariamente não quis contratar, dado que o fundamento da arbitragem repousa exatamente na autonomia da vontade. O tratamento jurídico desse tipo de cláusula não poderia ser o mesmo conferido às demais disposições do estatuto social que vinculam obrigatoriamente todos os acionistas, inclusive os dissidentes. Há, de outro lado, doutrinadores que defendem a prevalência, em qualquer situação, da deliberação majoritária que aprova inserção de cláusula compromissória estatutária, restando ao acionista dissidente acatar a deliberação, por imposição da vontade da maioria, ou retirar-se da sociedade.
O problema é que a nossa lei de S. A. não prevê a possibilidade de direito de recesso em tal hipótese, ao contrário do que acontece no direito italiano. Naquele sistema, a cláusula compromissória vincula todos os acionistas, exceto aqueles que expressaram a intenção de se retirarem da sociedade, presumindo-se que os acionistas remanescentes não divergiram da alteração do estatuto estando, portanto, sujeitos à cláusula compromissória.
A despeito de a experiência vir demonstrando as vantagens da adoção da arbitragem como meio alternativo de solução de controvérsias, sobretudo na área societária, ainda não há consenso sobre os limites subjetivos da vinculação da cláusula compromissória, questão que deve ser amadurecida a fim de que possa ser conciliada a preservação da vontade das partes com a utilização segura da arbitragem.
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* Renata Mangualde Felizardo integra a equipe do escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados
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