Márcia Hoffmann do Amaral e Silva Turri
Mulher, mãe e juíza... Ou não necessariamente nessa ordem.
Fui juíza antes de ser mãe. Achei que daria conta de tudo, numa boa. Desconfiei que não seria uma mãe tradicional, todavia, já na primeira gravidez, quando enjoei definitivamente do Rinaldo De Lamare e passei a devorar Winnicott. Por que ligar para questiúnculas como banhos, fraldas e papinhas quando refletir sobre a função do holding era tão mais interessante? Encantada com minha leitura winnicottiana, dei muito colo para as minhas filhas, deixei-as dormir na minha cama (minha interpretação comodista dos desdobramentos do holding), não tirava os olhos delas. Afinal, cuidar para que os legumes da sopa fossem sempre variados não devia ser assim tão importante, né?
Lá pelas tantas, queria desesperadamente voltar a trabalhar. E, ao voltar, chorava desesperadamente por ter deixado meu bebê num berçário. Nenhuma das duas deu a menor bola para a minha infelicidade, elas adoravam o berçário. Como adoram a escola até hoje, inclusive o curso de férias (onde deixar duas crianças em janeiro e julho quando mamãe tem que trabalhar?). Culpa? Claro, nunca deixei de me sentir culpada. Que mulher não se sente? Trabalhar e ser mãe significa suportar certa medida de conflitos e de culpa. Culpa que sempre creditei à minha herança judaico-cristã e que a literatura psicanalítica não conseguiu aplacar: o discurso freudiano não contribuiu, com efeito, para tornar a mãe a grande responsável pela saúde psíquica da criança? O que fazer, então, quando a juíza, exaurida pelas sentenças em 45 dias, relatórios a cada 30 dias, conclusão em 24 horas, preferência de idosos entre idosos, antigos entre idosos, idosos entre doentes... Se dá conta de que não é a mãe winnicottiana, atenta a todas as necessidades das filhas, absolutamente devotada? Cortar os pulsos?
A sensação é de estar fora do lugar. Nunca ouvi uma criança dizer que seu pai trabalha "fora". Quem trabalha "fora" é a mãe. "Fora" é fora de casa, referência do lugar feminino por séculos. Sensação esquisita em tempos pós-modernos, até porque costumam dizer, por aí, que podemos (e devemos) ter êxito como profissional, mulher, mãe, dona-de-casa, acadêmica, diretora associativa... Ufa! Dizem que podemos (e devemos), em suma, matar um leão por dia e ainda estarmos lindas, cheirosas e com as unhas bem feitas. Já me vi cogitando se minha avó não era mais feliz. Mas não há como retroceder. O gostinho da independência é muito bom. Só que o pagamento pela independência conquistada por vezes implica não conseguir impor limites, não saber dizer "basta". Lacan fala dessa característica da mulher: "não há limites às concessões que cada uma faz por um homem". Acrescento: e pelos filhos. E por tantos outros: jurisdicionados miseráveis, idosos, doentes, viúvos, órfãos... Com frequência, cuidamos tanto dos outros que nos esquecemos de nós mesmas. Freud diria que as mais felizes seriam aquelas capazes de amar e trabalhar. Mas Freud era homem. Fácil demais.
Já disse que escrever, para mim, é quase compulsão. Acho que é por isso que ultrapassei tanto as 10 linhas que me haviam sido pedidas. Mas ainda tenho tanto a escrever!... Sobre estudos que dizem que a melhor mãe é a mãe feliz, realizada e confiante. Sobre os dados estatísticos que demonstram (se bem que se possa provar qualquer coisa com a estatística) que o fato de a mãe trabalhar fora melhora o desempenho cognitivo da criança. E por aí vai. Mas um depoimento há de ser como uma dissertação de mestrado, que, como disse uma grande amiga minha, a gente não termina: abandona.
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* Márcia Hoffmann do Amaral e Silva Turri, juíza federal, duas filhas lindas: Fernanda, de 8 anos, e Ana Luísa, de 6.
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