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A lição dos naufrágios

O advogado e diretor do Instituto de Estudos Marítimos comenta a questão da segurança no setor de cruzeiros. Para ele "já é tempo de desenvolvermos mecanismos legais mais eficazes para regular o setor".

20/1/2012

André Benevides de Carvalho

A lição dos naufrágios

Enquanto se aproxima o centenário do naufrágio mais famoso da história, o do RMS Titanic, a notícia do acidente envolvendo o navio de cruzeiros Costa Concordia reafirma a importância da proteção da vida humana no mar.

No início do século passado o crescente número de imigrantes fez com que as companhias disputassem a atenção deste público mediante o lançamento de navios cada vez maiores e velozes.

Com o desastre do RMS Titanic em abril de 1912, ficou evidente que as regras de segurança não haviam evoluído na mesma velocidade que a tecnologia. A utilização do rádio telegráfico, mesmo de limitado alcance, não era obrigatória, assim como um simples sistema de alto–falantes.

Para que fossem identificadas as causas da tragédia foram criadas duas comissões investigativas: uma na Inglaterra sob o comando do Board of Trade, órgão responsável pela normatização e fiscalização dos navios da marinha mercante inglesa e outra no Senado americano.

O relatório do comitê da Board of Trade apontou uma série de "enganos" fazendo, afinal, recomendações como a inclusão de câmaras estanques nos projetos futuros de engenharia, a obrigação de botes salva-vidas fechados, realização de treinamentos para operação destes botes, a instalação de sistemas de aviso, entre outras.

Ficou claro então que os padrões de segurança estavam totalmente defasados, de modo que o Reino Unido propôs a realização de uma conferência para o desenvolvimento de um regulamento internacional. Assim, a primeira Convenção Internacional sobre a Salvaguarda da Vida Humana no Mar – SOLAS, foi aprovada em 20 de janeiro de 1914, sendo revisada posteriormente nos anos de 1929 e 1948.

A partir da modernização e padronização das regras de segurança pela Convenção SOLAS em 1960 adotou-se a premissa de que a SOLAS deveria ser atualizada regularmente. Na SOLAS 1974, além da incorporação de todas as emendas aprovadas até aquela data, criou-se um novo processo de emenda à norma, um sistema de aceitação tácita de modo a que o texto pudesse ser atualizado num prazo determinado.

A Convenção SOLAS foi novamente emendada em dezembro de 2006, ocasião em que introduziu novos padrões de segurança, mediante a alteração dos capítulos II-1 e II-2, como por exemplo, a quantidade de dano que um navio pode suportar de acordo com as bases do projeto e ainda retornar com segurança ao porto. Foram incluídas outras alterações no capítulo II-2 e no International Code for Fire Safety Systems (FSS Code) para aprimorar os sistemas de proteção das cabines com varanda dos navios de cruzeiro. Estas emendas são uma reação ao incêndio do navio de cruzeiro Star Princess ocorrido em 2006 durante uma viagem pelo Caribe, incêndio este iniciado em uma varanda e que se espalhou por diversos decks do navio.

No arcabouço legal vigente, em complemento à SOLAS, o Código Internacional para o Gerenciamento da Operação Segura de Navios e para a Prevenção da Poluição -ISM Code, estabeleceu um padrão internacional para a operação e gerenciamento seguros pelo staff dos navios. Esta norma, em seu item 5.1, fixa o dever da Companhia de definir e documentar a responsabilidade do comandante. Procedimentos internos como este são atestados através de Certificados emitidos por classificadoras como Bureau Veritas e o Registro Italiano Navale– RINA (responsável pela certificação da companhia COSTA CROCIERE e do navio ora sinistrado).

Já a International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for SeafarersSTCW, de 1978, rege a emissão de certificados de qualificação para o pessoal de bordo, e é bem conhecida dos brasileiros que buscam emprego nos navios de cruzeiro.

Embora regras venham sendo paulatinamente incorporadas à legislação pátria, no exterior já contribuíram para a aposentadoria dos últimos transatlânticos famosos como o Queen Elizabeth 2 e o France (Norway). Esta é a aurora dos navios de cruzeiro no formato hoje conhecido; mais largos e com menos calado, e que navegam por águas mais rasas, acessando com facilidade praias e ilhas.

A semelhança dos naufrágios do Costa Concordia e do navio Sea Diamond, sinistrado em 2007 na Grécia, devem servir de alerta para que as companhias de navegação e autoridades adotem medidas muito mais rigorosas.

Enquanto recente decisão do Conselho da Comunidade Europeia de 12 de dezembro de 2011, definiu a acessão desta Comunidade ao Protocolo de 2002 da Convenção de Atenas - norma internacional relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, torna-se evidente que a questão não está restrita ao campo de estudo consumerista.

Já é tempo de desenvolvermos mecanismos legais mais eficazes para regular o setor de cruzeiros, inclusive avaliando-se a oportunidade de adesão à Convenção de Atenas.

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* André Benevides de Carvalho é advogado, professor e diretor do Instituto de Estudos Marítimos

 

 

 

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