Almir Pazzianotto Pinto
A informatização do processo
Observo que nos encontramos diante de desafios distintos, mas interrelacionados: (1º) informatização do aparelho judicial; (2º) digitalização de processos arquivados e em andamento; (3º) reflexos nos julgamentos; (4º) segurança e garantia de privacidade.
Quando presidente do TST, preocupado com o anacronismo dos métodos tradicionais, providenciei para que gabinetes de ministros e salas de sessões fossem equipados com microcomputadores. As eficientes ferramentas permitiram fossem lançadas, na memória dos discos rígidos, propostas de votos relativos aos feitos em pauta, para serem lidas, debatidas, e julgadas durante as sessões. Parte do que era manuscrito ou feito mecanicamente passou a ser digitalizado, amenizando as tarefas de magistrados, assessores, secretárias e taquígrafas.
O que está em curso, no Judiciário, é algo mais arrojado. Trata-se da maciça substituição do papel pela linguagem virtual, da petição inicial à sentença.
É sabido que a informatização exige ferramental delicado, sofisticado e de alto custo. As compras, no setor público, obedecem à lei 8.666/93, que tem, como uma das balizas, o menor preço, critério de discutível validade quando se adquirem computadores. Por outro lado, é sabido que equipamentos eletrônicos envelhecem prematuramente. Veja-se o que sucede com câmeras fotográficas e telefones celulares. Aquilo que era de última geração, no espaço de meses estará ultrapassado. Máquinas tidas como obsoletas serão doadas ou sucatadas e, até onde conheço do Poder Judiciário, a constante atualização enfrentará óbices orçamentários que dependerão da abertura de créditos suplementares. Para eficiente operação do sistema, o TST ver-se-á obrigado a supervisionar e alimentar Tribunais Regionais, de Roraima ao Rio Grande do Sul, responsáveis por cerca de 1.500 varas do trabalho.
O ingresso na era da informatização exigirá que assentos materializados em autos encapados, registrados, rubricados, datados, carimbados, assinados, passem ao espaço virtual (que não existe como realidade, mas sim como potência ou faculdade, segundo o Michaelis), para serem armazenados em equipamentos cuja confiabilidade está por ser testada. Documentos em papel duram décadas, ou séculos; ignora-se, porém, como reagirão registros eletrônicos frente ao correr dos anos.
Processos existem de todos os tipos e tamanhos. Alguns em um tomo; outros que se estendem por alentados volumes. O pedido inicial é ponto de partida para o imprevisível, no que diz respeito a tempo e desfecho. Implantada a nova tecnologia, consultá-los exigirá do procurador que se poste diante da tela do computador e passe a rolar, para baixo e para cima, parágrafos e páginas, com sacrifício da coluna, articulações, visão, memória, na consulta a petições, documentos, argumentos, despachos e decisões.
Convido o leitor a refletir sobre a angústia de advogado que estudou em compêndios de doutrina e jurisprudência, e redige, com paciência de artesão, na preciosa Olivetti, para dominar a celeridade inerente ao processo virtual. Ainda que se empenhe na decifração dos enigmas do micro, e das charadas da internet, dele passou-se a exigir que abandone o contato manual com o processo, para conviver com aparelhagem que não domina, e com a qual não guarda intimidade. Sendo ele "indispensável à administração da justiça", como prescreve a Constituição, a transição ordenada pelo Judiciário deve avaliar o trauma pelo qual passará, se trabalha isolado, e os honorários que recebe mal lhe permitem sustentar a família e pequeno escritório. O Brasil não se resume a colossais organizações, dotadas de poderosa infraestrutura. Há que se lembrar dos menores, incumbidos da defesa de pessoas de minguados recursos financeiros.
Deixei, para a conclusão, problemas de alta relevância, contra os quais, até onde sei, não se dispõem de meios infalíveis de proteção. Falo da criminosa inoculação de vírus, e do invasor ou "hacker". Como proteger as partes e o Judiciário contra a intromissão de elementos que, infringindo o direito à privacidade, estarão empenhados em contaminar programas, desvendar identidades, divulgar questões discutidas, valores em jogo, teor de sentenças?
Salvo excepcionais casos em que deve prevalecer o segredo de justiça, a ação judicial é de natureza pública. Não significa, contudo, que deve ser exposta ao conhecimento de quem nela não tem interesse. O TST, aliás, veda a divulgação dos nomes de reclamantes, receando causar-lhes dificuldades de obtenção de novo emprego.
Testar a eficácia da informatização em Varas do Trabalho isoladas é necessário, mas pouco e insuficiente. Os resultados finais dar-se-ão a conhecer quando o Judiciário operar em rede, com o uso de idêntica formatação e linguagem, em conexão com os demais tribunais e a imprensa oficial.
A tecnologia da informação deve ser bem recebida, como eficiente auxiliar para a celeridade dos feitos. Que a transição se faça, contudo, sem rompantes autoritários, mas com prudência e respeito aos advogados que enfrentam dificuldades para assimilar a nova tecnologia. Afinal, informatizar não trará, por si só, solução para problemas de lentidão, impunidade, e corrupção, que hoje ameaçam a imagem do Poder.
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