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Interceptação telefônica como meio secundário de investigação

Os advogados apontam que as legislações que fundamentam a prática da interceptação telefônica têm eficácia limitada. Os criminalistas esmiúçam o assunto e afirmam que é necessário regulamentar o uso desse meio de investigação para que o Estado não ultrapasse os direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

12/1/2012

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Gabriel Haddad Teixeira

Interceptação telefônica como meio secundário de investigação

Em nome de um suposto interesse público tem-se consolidado cada vez mais a interceptação telefônica como instrumento a favor da persecução penal estatal. Esta prática de investigação implica em um conflito de garantias fundamentais: de um lado o direito ao sigilo das conversas telefônicas, à intimidade e ao silêncio; e do outro o direito à segurança pública que impõe ao Estado um ônus de atuar.

Neste contexto, torna-se inevitável o questionamento acerca da legitimidade deste instrumento em um Estado de Direito. Do ponto de vista teórico-dogmático esta prática se apresenta perfeitamente legítima. Porquanto, como se sabe, uma garantia fundamental não é absoluta em sua essência, sendo perfeitamente possível que no caso concreto ocorram colisões. E assim, surge a necessidade de se ponderar esses direitos e garantias fundamentais eventualmente em conflito.

Portanto, a indagação acerca da adequação da interceptação telefônica equivale à contestação dos parâmetros estabelecidos para ponderação destes direitos fundamentais. A interceptação telefônica será legítima quando se verificar que esses parâmetros são suficientes para harmonizar o conflito, de maneira a assegurar a cada direito, o máximo de efetividade possível. Em assim sendo, o questionamento se volta para os critérios estabelecidos na lei bem como na jurisprudência brasileira. 1

A interceptação telefônica encontra seu fundamento primeiro na Constituição Federal. Ao estabelecer o direito fundamental ao sigilo, o texto constitucional ressalvou a possibilidade de mitigação deste direito, que se faz por meio da interceptação telefônica. É também na constituição que se encontra as primeiras restrições a essa prática de investigação. Conforme o artigo 5º, inciso XII, da Carta Magna 2, a interceptação telefônica só será possível mediante ordem judicial e para os fins de investigação criminal ou instrução penal criminal. A par dessas limitações, a Constituição também impõe o ônus da regulamentação por meio de lei.

Neste contexto, verifica-se que a referida norma constitucional possui uma eficácia limitada. Pois, enquanto não houver lei infraconstitucional regulamentando sua forma e as hipóteses de seu cabimento, a interceptação telefônica não será possível. Ressalta-se que do contrário – permitindo a interceptação à margem da regulamentação prevista na Constituição – dar-se-ia demasiado poder ao Estado, que dificilmente se movimentaria no sentido de editar uma lei para limitar sua própria atuação.

No mesmo sentido, encontra-se a jurisprudência do STF que de forma expressa declara ilegal a interceptação telefônica diante da ausência de lei reguladora.

HABEAS-CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ART. 357, PÁR. ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE ENTORPECENTES): VIOLAÇÃO DO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO.

1. O art. 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, art. 5º, LVI). b) O art. 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (art. 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas.

[...] 3

A primeira regulamentação em nível infraconstitucional se deu através do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 – ou seja, anterior ao texto constitucional. O referido código não foi recepcionado pela carta de 1988, logo se tornou insuficiente para regular a questão desde então. Esta incumbência foi preenchida com a edição da lei ordinária 9.296 de 1996.

O texto da aludida lei é relativamente pequeno e vago. Os limites delineados pela lei se aproximam do mínimo necessário para garantir o exercício da persecução penal em conformidade com o direito fundamental ao sigilo. A primeira imprecisão que se destaca é a ausência de um conceito concreto de interceptação telefônica 4.

Este vazio é preenchido pela jurisprudência e pela doutrina que a definem como sendo a obtenção de dados (seja apenas a escuta, seja a gravação) sem a autorização de nenhum dos participantes. Deste modo, diferencia-se a interpretação telefônica da gravação clandestina (ou ambiental) 5. Pois esta é realizada – direta ou indiretamente – por um dos participantes 6.

Outra diferença importante é o caráter lícito da conduta. A gravação clandestina não é tipificada como crime, visto que – ausente qualquer causa legal de sigilo, ou qualquer outro imperativo de reserva – não se verifica prima face nenhuma violência a qualquer bem jurídico. E, em sendo assim, pode ser admitida como meio de prova.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS OUTROS: CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO DO CONTEÚDO DO DIÁLOGO. PRECEDENTES.

1. A gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição.

2. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação. Precedentes.

3. Agravo regimental desprovido. 7

Estabelecido o sentido de interceptação telefônica, retorna-se a análise de sua legitimidade diante dos parâmetros estabelecidos na referida lei. A primeira marca observada no texto legal é a destinação deste meio de prova. Reiterando o que já fora expresso na Constituição, o artigo 1º da lei 9.296/1996 igualmente restringe seu uso apenas à investigação criminal e à instrução processual penal. O que, no contexto de um Estado garantidor de direitos, se faz imprescindível.

Todavia, tem-se consolidado na jurisprudência do STF o uso da interceptação telefônica como prova emprestada em processos administrativos disciplinares (PAD). Ainda que fundado em argumentos legítimos, tal entendimento é uma nítida afronta à determinação constitucional, pois a interceptação telefônica é expressamente apresentada pela Constituição como uma exceção cabível somente em estreitas situações - investigação criminal ou instrução penal processual.

PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Documentos. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedentes. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas. 8

Ainda mais grave, é a recente posição da jurisprudência no sentido de admitir a produção da interceptação telefônica em sede de procedimentos cíveis. Trata-se da posição do Superior Tribunal de Justiça não conheceu de um habeas corpus preventivo cuja essência vindicava salvo conduto para que o gerente de uma determinada empresa de telefonia pudesse não cumprir ordem judicial que determinava a execução de uma interceptação de comunicação telefônica.

Conforme notícia publicada no STJ 9, um juiz de direito de uma vara de família do Mato Grosso do Sul foi quem expediu a ordem para que a interceptação fosse realizada. A referida decisão estaria fundamentada na suposta presença de indícios da prática do crime previsto no artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo a interceptação das comunicações telefônicas, neste caso concreto o único meio viável para a obtenção de eventuais prova.

Trata-se de um manifesto erro procedimental, que viola frontalmente os direitos e garantias individuais expressos no texto constitucional. Isto porque, ainda que os fundamentos da decisão se esforcem em demonstrar o preenchimento dos requisitos para o deferimento da interceptação telefônica, verifica-se que se trata de um procedimento cível. E, conforme é cediço, a persecução penal – seja em qual fase for – é inapropriada para um juízo destinado as questões de natureza civil.

Contudo, esta não parece ter sido a maior preocupação do STJ quando do julgamento anunciado. Conforme se verifica na notícia vinculada, a decisão da corte teria se fundado na impossibilidade de se analisar em sede de Habeas Corpus, a validade da ordem judicial do juízo cível mineiro, uma vez que não foi demonstrando pelo paciente nenhuma afronta ao seu direito de ir e vir.

Entende-se que o caso em tela deveria ser tratado como questão de ordem pública – pois, evidente a incompetência absoluta do juízo cível para exercer jurisdição na seara criminal. O não conhecimento da ordem de habeas implica na obrigação de cumprimento de ordem judicial manifestamente nula, o que traz sérios prejuízos para os envolvidos a empresa de telefonia, além de enfraquecer a credibilidade do sistema como um todo. Ademais, no que tange a questão central da interceptação telefônica, verifica-se que o referido julgado enfraquece sobremaneira os limites impostos na lei tanto em nível constitucional, quanto infraconstitucional.

Em defesa da proteção da pessoa, entende-se que qualquer interpretação que exponha a interceptação telefônica como regra, sobretudo fora daquelas primeiras circunstâncias prescritas no texto fundamental, deve ser descartada. Neste contexto, verifica-se que a decisão aventada, no que tange a interceptação telefônica, não apenas ratifica essa violação como também serve de fundamento para sustentar outras decisões no mesmo sentido. E assim, representa um perigo não apenas no caso concreto, mas também na proteção em abstrato do indivíduo.

Outro ponto delicado é o modelo escolhido para a fixação dos limites formais expressos no artigo 2º da lei em tela. Ao estabelecer esses parâmetros, o aludido texto escolhe por delimita algumas circunstâncias nas quais não se admite a interceptação telefônica. Ora, em se tratando de uma excepcionalidade, era de se esperar o oposto – que se determinassem quais as ocasiões especiais em que se poderia afastar a regra de proteção ao sigilo. 10

Assim, preferiu-se impossibilitar a interceptação sempre que: 1) não houver indícios razoáveis de autoria ou participação; 2) outro meio de produção de prova se mostrar viável; e 3) trata-se de crime punido com pena máxima de detenção. Nota-se que esta escolha do legislador não nos permite uma visão pronta e concreta do universo onde a interceptação telefônica é reconhecida como legítima. Isto porque – além da já apontada inadequação do método – o texto é elaborado de maneira confusa, abrindo um vasto pátio para manobras hermenêuticas, enfraquecendo assim o direito fundamental ao sigilo e as demais garantias envolvidas.

Apesar de suas impropriedades formais, verifica-se que quanto ao conteúdo, a lei regulamentadora se esforça em manter a interceptação telefônica como meio de investigação suplementar. Isso se faz mais perceptível, sobretudo nas duas primeiras circunstâncias estabelecidas no texto legal que impõem a necessidade de uma investigação inteligente e perspicaz – portanto, menos danosa ao investigado – pois não se pode permitir que a persecução penal se faça à custa de garantias fundamentais. 11

Esta preocupação tem se manifestado no entendimento da jurisprudência, que reconhece a nulidade das provas colhidas através de interceptação telefônica colhida em situações em uma investigação menos danosa se faz igualmente efetiva, exaltando a excepcionalidade da interceptação telefônica:

[...]

IV. Para a determinação da quebra do sigilo telefônico dos investigados, mister se faz a demonstração, dentre outros requisitos, da presença de razoáveis indícios de autoria em face deles. Inteligência do artigo 2º, I da Lei 9.296/1996.

V. A presença de denúncia anônima e de matérias jornalísticas indicando a possível participação dos investigados na empreitada criminosa é suficiente para o preenchimento desse requisito.

VI. É certo que elementos desse jaez devem ser vistos com relativo valor, porém, não se pode negar que, juntos, podem constituir indícios razoáveis de autoria de delitos.

VII. Outro requisito indispensável para a autorização do meio de prova em questão é a demonstração de sua indispensabilidade, isto é, que ele seja o único meio capaz de ensejar a produção de provas. Inteligência do artigo 2º, II da Lei 9.296/1996.

VIII. Havendo o Juízo de 1º Grau deferido a gravosa medida unicamente em razão da gravidade da conduta dos acusados, do poderio da organização criminosa e da complexidade dos fatos sob apuração, porém, sem demonstrar, diante de elementos concretos, qual seria o nexo dessas circunstâncias com a impossibilidade de colheita de provas por outros meios, mostra-se inviável o reconhecimento de sua legalidade.

IX. Ademais, as interceptações deferidas no caso que ora se examina não precederam de qualquer outra diligência, havendo a medida sido utilizada como a origem das investigações, isto é, empregada a exceção como se fosse a regra.

[...] 12

Entretanto, verifica-se que nem sempre tais regras são observadas, já se tem consolidado na jurisprudência ocasiões em que a interceptação telefônica é deferida – independentemente de investigação prévia – pois seria apresentada como único meio de prova, conforme se extrai do seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ÚNICO MEIO DE PROVA VIÁVEL. PRÉVIA INVESTIGAÇÃO. DESNECESSIDADE. INDÍCIOS DE PARTICIPAÇÃO NO CRIME SURGIDOS DURANTE O PERÍODO DE MONITORAMENTO. PRESCINDIBILIDADE DE DEGRAVAÇÃO DE TODAS AS CONVERSAS. INOCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Na espécie, a interceptação telefônica era o único meio viável à investigação dos crimes levados ao conhecimento da Polícia Federal, mormente se se levar em conta que as negociações das vantagens indevidas solicitadas pelo investigado se davam eminentemente por telefone.

2. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. Precedentes.

3. O monitoramento do terminal telefônico da paciente se deu no contexto de gravações telefônicas autorizadas judicialmente, em que houve menção de pagamento de determinada porcentagem a ela, o que consiste em indício de sua participação na empreitada criminosa.

4. O Estado não deve quedar-se inerte ao ter conhecimento da prática de outros delitos no curso de interceptação telefônica legalmente autorizada.

5. É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os ora Pacientes, pois basta que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal. Precedentes.

6. Writ denegado. 13

Esta arriscada flexibilização é demasiadamente subjetiva. Pois, conforme se verifica nesses julgados, a impossibilidade de produção de prova por meio diverso é amplo e abstrato. Para que tal entendimento fosse aceitável em um contexto de garantia de direitos, faz-se necessário uma definição precisa e pontal das causas em que há a impossibilidade de produção de outros meios de prova. E ainda assim, tal questão continua delicada, pois não é razoável crer em um crime cujo único vestígio seja uma conversa telefônica.

Outra limitação que se verifica é quanto à espécie de crime na qual é cabível a interceptação telefônica. Conforme se infere do texto legal, somente será possível a quebra do sigilo quando o crime investigado for punido com reclusão. Trata-se, portanto, de mais uma manifestação da norma no sentido de consolidar a excepcionalidade deste meio de prova.

Admite a jurisprudência, o uso da prova decorrente da interceptação telefônica em crimes punidos com detenção conexos àquele que fundamentou o pedido. Conforme se infere do julgado a seguir exposto, esta situação apresenta-se perfeitamente razoável diante da dinâmica processual, uma vez que se trata de crimes conexos, não verificando assim a violação arbitrária de garantias fundamentais.

HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO.

[...]

5. Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção.

Habeas corpus indeferido. 14

O alcance temporal da interceptação telefônica também é um ponto importante. Nos termos da lei, o pedido de interceptação é deferido para um prazo de até 15 dias, podendo – quando verificado a indispensabilidade desta prova – ser prorrogável por igual período. Contudo, não se fixou nenhum número limite de prorrogações. Chamado a se manifestar quanto a questão, o STF firmou jurisprudência no sentido de entender possível sucessíveis prorrogações desde que se verifiquem firmes os pressupostos que fundamentaram a decretação da interceptação.

EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação. Precedente. Recurso a que se nega provimento.15

Em linhas gerais, a prorrogação das interceptações das comunicações telefônicas exige que a autoridade responsável pelo processo exerça a jurisdição com motivação. Não basta autorizar por autorizar, sem que haja justificativa plausível para tanto. Ou seja, é nula a decisão por falta de indicação da chamada "causa provável", consistente em suporte fático idôneo para a medida de exceção, na medida em que a mera fundamentação genérica é insuficiente pata a prorrogação da quebra dos sigilos telefônicos.

XIII. Consoante recente orientação adotada por esta 6ª Turma (HC 76.686/PR), existem três interpretações possíveis para a prorrogação: 1ª) máximo de trinta dias (quinze prorrogáveis uma vez por igual período, consoante redação literal do artigo 5º da Lei 9.296/1996); 2ª) de sessenta dias (prazo máximo possível para a medida em caso de decretação de Estado de Defesa, cf. artigo 136, §2º da Carta Política de 1988); ou 3ª) pelo prazo necessário à elucidação das investigações, desde que ele não exceda o princípio da razoabilidade e, necessariamente, a imperiosidade das sucessivas prorrogações seja exaustivamente fundamentada.

XIV. A motivação utilizada em 1ª Instância para as sucessivas prorrogações careceu, in casu, da necessária fundamentação com base em elementos concretos que demonstrassem sua imperiosidade, o que maculou o razoável.

XV. Ademais, as sucessivas prorrogações (quinze, sem contar a decisão que deferiu a medida originariamente) contiveram, sempre, fundamentações idênticas, todas elas desprovidas de embasamento concreto. 16

Contudo, diante do caráter altamente invasivo deste meio de prova, não é plausível acreditar que uma interceptação telefônica tida como necessária não alcançara seu objetivo primeiro em um decurso de 30 dias. Assim, é preciso se ter bastante cuidado para que a interceptação telefônica não seja usada como um meio cômodo de identificar eventuais corréus ou participes. E, este debate passa sem dúvida pela fixação de um limite temporal adequado.

Por derradeiro, conclui-se que a interceptação como medida de exceção se apresenta como legítima no contexto de um Estado de Direito. Por certo, o sigilo da conversa telefônica não é absoluto, uma vez que o próprio ordenamento jurídico prevê a exceção da interceptação telefônica. Todavia, é preciso assegurar que o direito à intimidade – no qual se fixa o sigilo das comunicações telefônicas – não será violado ao arbítrio ou comodismo do Estado. E por isso, faz-se mister o estabelecimento de parâmetros firmes.

De modo geral, verifica-se que os critérios estabelecidos no conjunto normativo (Constituição e lei 9.296/1996) evidenciam essa preocupação em limitar o uso da interceptação telefônica, mantendo-a – apesar de algumas imprecisões – como meio secundário de prova. Entretanto, estes limites são flexibilizados pela atuação do judiciário. Porquanto, observa-se que o judiciário por vezes ultrapassa – em defesa da eficácia da investigação penal – os limites impostos pelo texto legal.

Contudo, a persecução penal eficaz deve ser consolidada sobre a base de uma investigação inteligente. E assim, não se pode permitir, que o Estado – almejando uma maior eficácia – exerça uma investigação por demais invasiva à custa de direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

__________

1 STREECK, Lenio Luiz. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 85.

2 Art. 5º, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

3 HC 72588, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/1996, DJ 04-08-2000 PP-00003 EMENT VOL-01998-02 PP-00289 RTJ VOL-00174-02 PP-00491

4 RANGEL, Ricardo Melchior de Barros. A prova ilícita e a interceptação telefônica no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 52.

5 A doutrina mais especializada traz uma diferenciação mais precisa, separando por vezes as espécies de gravação. Contudo, tal especificação não se faz de toda necessário para o objetivo almejado pelo presente texto.

6 SILVIA, Cesar Dario Mariano da. Provas ilícitas: princípio da proporcionalidade: interceptação e gravação telefônica: busca e apreensão: sigilo e segredo: confissão. São Paulo: Altlas, 2010, p 32.

7 AI 560223 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe-079 DIVULG 28-04-2011 PUBLIC 29-04-2011 EMENT VOL-02511-01 PP-00097 LEXSTF v. 33, n. 388, 2011, p. 35-40

8 Pet 3683 QO, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2008, DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-05 PP-01012 RMDPPP v. 5, n. 28, 2009, p. 102-104

9 STJ. Em situações excepcionais, é possível interceptação telefônica em investigação de natureza civil. Disponível em: <_https3a_ _engine.wsp3f_tmp.area="398&tmp.texto=103043" publicacao="" portal_stj="" www.stj.jus.br="">. Acesso em: 4 nov. 2011.

10 Neste contexto, seria mais aconselhável uma redação que exaltasse a excepcionalidade da medida, valendo-se de expressões contundentes tais como: somente se admite a interceptação telefônica quando...

11 GREGO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 48.

12 HC 116375/PB, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 09/03/2009

13 HC 105527, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 12-05-2011 PUBLIC 13-05-2011. No mesmo sentido: Inq 2424/RJ

14 HC 83515, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2004, DJ 04-03-2005 PP-00011 EMENT VOL-02182-03 PP-00401 RTJ VOL-00193-02 PP-00609

15 RHC 85575, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 28/03/2006, DJ 16-03-2007 PP-00043 EMENT VOL-02268-03 PP-00413

16 HC 116375/PB, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 09/03/2009

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REFERÊNCIAS

AI 560223 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe-079 DIVULG 28-04-2011 PUBLIC 29-04-2011 EMENT VOL-02511-01 PP-00097 LEXSTF v. 33, n. 388, 2011, p. 35-40.

GREGO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996.

HC 105527, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 12-05-2011 PUBLIC 13-05-2011.

HC 116375/PB, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 09/03/2009.

HC 72588, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/1996, DJ 04-08-2000 PP-00003 EMENT VOL-01998-02 PP-00289 RTJ VOL-00174-02 PP-00491.

HC 83515, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2004, DJ 04-03-2005 PP-00011 EMENT VOL-02182-03 PP-00401 RTJ VOL-00193-02 PP-00609.

Pet 3683 QO, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2008, DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-05 PP-01012 RMDPPP v. 5, n. 28, 2009, p. 102-104.

RANGEL, Ricardo Melchior de Barros. A prova ilícita e a interceptação telefônica no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

RHC 85575, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 28/03/2006, DJ 16-03-2007 PP-00043 EMENT VOL-02268-03 PP-00413.

SILVIA, Cesar Dario Mariano da. Provas ilícitas: princípio da proporcionalidade: interceptação e gravação telefônica: busca e apreensão: sigilo e segredo: confissão. São Paulo: Altlas, 2010.

STJ. Em situações excepcionais, é possível interceptação telefônica em investigação de natureza civil. Disponível em: <_https3a_ _engine.wsp3f_tmp.area="398&tmp.texto=103043" publicacao="" portal_stj="" www.stj.jus.br="">. Acesso em: 4 nov. 2011;

STREECK, Lenio Luiz. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

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* Ricardo Henrique Araújo Pinheiro é advogado criminal, sócio do escritório Araújo Pinheiro Advocacia Criminal

** Gabriel Haddad Teixeira é advogado criminal, associado do escritório Araújo Pinheiro Advocacia Criminal

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