Leonardo Isaac Yarochewsky
Organização Criminosa
Certo é que até hoje não há tipificação da conduta de organização criminosa. A falta de definição do que vem a ser organização criminosa tem levado, equivocadamente e absurdamente, muitas autoridades (juízes e Ministério Público) a confundi-lo, voluntariamente ou não, com o crime de bando ou quadrilha previsto no capítulo que trata dos crimes contra a paz pública (art. 288 do Código Penal - clique aqui). Do mesmo modo, tem sido lamentável a confusão feita entre o crime de bando ou quadrilha com o chamado concurso eventual de agentes (co-autoria ou participação) prevista no art. 29 do Código Penal.
É evidente que o crime previsto no CP de 1940 não se adéqua à realidade atual e está muito aquém dos contornos de uma organização criminosa. Segundo o desembargador Alberto Silva Franco, o crime organizado distingui-se pelo seu "caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intricado esquema de conexões com outros grupos delinquenciais e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou fragilizar os Poderes do próprio Estado."
O projeto em comento define organização criminosa como sendo "a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante prática de crimes...", prevendo pena de 3 (três) a 10 (dez) anos de reclusão para conduta de "promover, constituir, financiar, cooperar, integrar, favorecer, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa" (art. 2º).
Contudo, o que causa maior perplexidade é o Capítulo II do referido projeto, que trata da investigação e dos meios de obtenção da prova. Neste capítulo a lei prevê a "colaboração premiada", a "interceptação de comunicação telefônica e quebra de sigilos financeiros, bancário e fiscal", a "infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação" entre outras medidas.
A "colaboração premiada" é a delação já utilizada e prevista na legislação atual. Do ponto de vista ético a delação é sempre questionada e criticada uma vez que institucionaliza o ato da traição que recebe reprovação até entre os criminosos. Na delação o Estado negocia com o acusado que muitas vezes é capaz de tudo para excluir ou diminuir sua responsabilidade, chegando até a atribuir fatos inexistentes aos coacusados.
A interceptação telefônica, bem como a quebra de sigilos financeiro, bancário e fiscal também já são utilizados em larga escala e, em muitos casos, sem qualquer limite evidenciando abusos que já ficou conhecido como "farra dos grampos".
A infiltração por agentes policiais ou de inteligência, também não é novidade, já que foi introduzida em nossa legislação pela lei 10.217/2001 (clique aqui) que acrescentou um inciso à lei 9.034 (clique aqui) de 1995 (lei que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para prevenção e repressão das ações praticadas por organizações criminosas).
Embora prevista há 10 anos a infiltração não tem sido tanto utilizada. Sobre ela pairam severas dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Outra questão relevante é que apesar do inciso V da lei 9.034/95 (acrescentado pela lei 10.217/2001) em vigor, prever o instituto da infiltração, limita-se a descrevê-lo, não tratando da matéria operacional e da forma de sua utilização em processos criminais, nem das graves consequências que podem advir do mau emprego da técnica.
É no mínimo paradoxal admitir que o policial estivesse autorizado a praticar crimes em nome do combate à criminalidade. Os fins aqui não justificam os meios. É preciso muita prudência quando se tratam das chamadas "técnicas especiais de investigação", lembrando que alguns chegam ao absurdo de defender o emprego da tortura como forma de solucionar outros crimes.
Por fim, não é demais lembrar a lição de Benjamim Franklin quando diz que "quem cede sua liberdade em troca de um pouco de segurança não merece nem liberdade nem segurança".
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* Leonardo Isaac Yarochewsky é professor de Direito Penal da PUC-Minas e advogado criminalista da banca Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados
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