Migalhas de Peso

Conversando com Paulo Dantas em Recife

Alinhavo estas linhas em Recife, onde estamos, Paulo Dantas e eu, no dia 20 de julho de 2005, para apresentarmos ao público, com apoio cultural do Banque Safidé, na celebrada Livraria Imperatriz, que tem, no seu proprietário, senhor David Berenstein, um incentivador desassombrado dos autores nacionais. E recordo que, em 2001, já apresentava ou reapresentava ou revivia Dantas, esse homem solitário, que tanto e tanto contribuiu para as letras do seu país1. Por que admiro Dantas?

2/8/2005

Conversando com Paulo Dantas em Recife

 

Jayme Vita Roso*


Alinhavo estas linhas em Recife, onde estamos, Paulo Dantas e eu, no dia 20 de julho de 2005, para apresentarmos ao público, com apoio cultural do Banque Safidé, na celebrada Livraria Imperatriz, que tem, no seu proprietário, senhor David Berenstein, um incentivador desassombrado dos autores nacionais. E recordo que, em 2001, já apresentava ou reapresentava ou revivia Dantas, esse homem solitário, que tanto e tanto contribuiu para as letras do seu país1. Por que admiro Dantas?

 

Ele é um escritor singularíssimo, porque tem uma vida especialíssima, sobre manejar o verbo como poucos escritores vivos. Mas, e mais ainda, porque já sobrepujou, com serenidade, sérias, seriíssimas, moléstias com galhardia. E, numa delas, teve no seu amigo, Monteiro Lobato, não só o conforto espiritual de que carecia, para vencê-la, mais ainda, o apoio financeiro, necessaríssimo para curar-se.

 

Passados seus bons oitenta anos, agora, numa cadeira, onde precariamente se mantém, não abandonou a verve que o distinguiu, nem a visão humana que o simboliza como escritor de mais de trinta livros2.

 

Reencontrar Lobato é tê-lo presente, donde o título “Presença de Lobato”. Esse Lobato, esse Lobato, nasceu homem, no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo. Essa região tem uma história, dentro da história paulista e, mais, da nacional: cheia de sentimentos autênticos, suas criaturas são elas mesmas, na singularidade. É mística. É de Nossa Senhora Aparecida.

 

Fracassou como romancista e realizou-se como contista. Criou o mundo maravilhoso do Sítio do Picapau Amarelo e deu ao mundo seu Jeca Tatu, ambos ameaçados de olvido pelos Harry Potters, que valem royalties à autora e enriquecem editores alienígenas.

 

Lobato, um lutador por excelência, para um Brasil merecedor das graças com que foi ornado. Participou da Semana da Arte, de 1922, mas, no Rio, encontrou e consagrou o “povo-maravilha”. Amou Machado com sentimento, despojando-se de artificialismos, como que, agora, os contemporâneos o tratam. É preso por Vargas. Retorna à liça, quando recebe bronca de Emília, mas vai à Bahia de Jorge Amado, alvoroçado pelo candomblé. Retorna: “Tudo na vida de Lobato foi luta. Luta grande acima da sua própria literatura. Luta no início pelo livro brasileiro, do qual também é pioneiro da industrialização editorial no nosso primeiro e mais avançado surto, quando diretor da respeitável Editora Nacional, ao lado do mineiro Otalas Marcondes Ferreira, outro nome que deve ser escrito na história do livro brasileiro, ao lado de um José Olympio, de um Barboza Melo, de um Antonio Simões Reis3.

 

Então, com pouco mais de sessenta anos, Dantas retratou Lobato, com traços de um amigo emocionadíssimo, sobretudo quando faz uma entrevista post-mortem udo quando faz uma entrevista tas retartou s ira, outro nome que deve ser escrito na histessa empresa. explico-com o autor e seus personagens.

 

Paulo Dantas, como mostra às mãos abertas no livro, alia à cultura literária, sólida, correta, ponderada e viva, seus dotes de Homem. É ele que o escriba migalheiro entrevistou e fez chegar ao aconchego, tal qual o poeta Nando Cordel, aos leitores que o prestigiam.

 

Por favor, acompanhem-me, estou no saguão do Hotel Atlante Plaza, diante de Paulo e emoldurado pelo azul turquesa do mar da Praia de Boa Viagem, às 12:30 horas, para o diálogo.

 

JVR - Quando lhe nasceu a veia de escritor?

 

PD - Desde a infância, escrevendo pequenos artigos para uma revista infantil, chamada “Tico-tico”. Reuni arquivos e, aos treze, publiquei um livro, chamado “Mentalidade Infantil”. Dei uma de menino prodígio.

 

JVR - O que você conta da sua infância?

 

PD - Eu brincando aos cinco anos com as meninas bonitas e com um cachorro chamado Janeiro. Gostava das árvores e dos bois de barro, com os quais eu fazia um curral. Isso já prenunciava o amor que eu tenho aos animais e às plantas. Fui, sem saber, um garoto ecológico.

 

JVR - Qual sua formação estudantil?

 

PD - Primeiras letras num colégio de Itabuna. Depois, fui para Salvador, como interno do ginásio “Carneiro Ribeiro”, na Liberdade. Nesse colégio, preparei-me para o exame de admissão. Amparado pelo Secretário da Educação, fui interno do ginásio “Ipiranga”, onde cursei até a metade da segunda série.

 

Orgulho-me de ser um autêntico autodidata, como muitos escritores do Brasil. Sinto a perda de Machado de Assis, o maior contista brasileiro, que, como romancista, ficou mais conhecido como o autor de “Dom Casmurro”.

 

JVR - Qual o seu livro de maior sucesso? E de público leitor?

 

PD - Tenho mais de trinta livros publicados. Tornei-me especialista em Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Monteiro Lobato. Escrevi duas antologias. Uma “Euclidiana” e outra “Rio em tempo de amor”, por ocasião do quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro.

 

Nos anos de 60, no programa “O céu é o limite” da TV Tupi, no tempo do preto e branco, respondi perguntas sobre a Guerra de Canudos. Ganhei muito dinheiro, porque eu queria viajar para o Nordeste para recolher material humano para o meu livro de maior sucesso, “Capitão Jagunço”, já na nona edição. Esse livro é considerado como minha melhor obra. Os livros também têm destino.

 

Tornei-me autor de uma trilogia nordestina composta por “Chão de Infância”, “Purgatório” e “O livro de Daniel”, que eu considero o meu romance de maior fôlego.

 

Sou autor de livros para a juventude, publicados pela Melhoramentos.

 

Escrevi, também, três biografias: as de Tobias Barreto, Aluísio de Azevedo e Coelho Neto.

 

Na televisão, participei, também, do programa “Oito ou Oitocentos”, respondendo pela vida e obra de Guimarães Rosa. Não entrei nesse programa visando ganhar dinheiro, mas sim divulgar para o povo a difícil obra de Guimarães Rosa. Caí valentemente. Fiquei com oitocentos. Quem nasceu para oito, nunca chega a oitocentos. Deus me livre e guarde de ser herói de televisão. A gente perde a privacidade e se torna conhecido como se fosse um ator de novelas.

 

JVR - Por que você sempre foi avesso ao público?

 

PD - Eu nunca fui avesso ao público. Eu sou modesto e humilde por natureza. Não persigo a glória. Espero que ela me conquiste. Quando eu morrer, enterre meu coração à sombra de um pinheiro em Campos de Jordão.

 

Como Delegado de Cultura, percorri várias cidades do interior, fundando e idealizando museus e casas de cultura. Muitos dos meu projetos foram aproveitados, inclusive o do Sítio do Pica-pau Amarelo e o Museu de Zequinha de Abreu, em Santa Rita de Passa Quatro. Acho que Zequinha de Abreu, autor do “Tico-tico no Fubá”, com essa música, divulgou o Brasil em vários países estrangeiros. Foi até tocado em um cabaré de Moscou.

 

Fiz uma pequena biografia dele, cujos originais foram perdidos na Secretária Estadual de Cultura, na qual trabalhei como funcionário requisitado pelo Poder Judiciário.

 

Da minha vivência em Brasília, escrevi o romance “O Lobo do Planalto”, publicado pelo Clube do Livro. Em suave convívio, conheço boa parte da inteligência brasileira de São Paulo e do Rio. Recebi, de Guimarães Rosa, vinte e cinco cartas e outras dezoito de Monteiro Lobato, que me protegeu e não me deixou cair. Daí ter uma enorme gratidão.

 

Acho que gratidão é uma virtude que tudo cura sem frescura. O mundo inteiro está cheio de ingratos, como também de escritores injustiçados. Ganhei vários prêmios literários, sendo dois da Academia Brasileiro de Letras e o restante de outras entidades. 

 

JVR - Você tem medo de ser criticado?

 

PD - Não, porque a crítica nada acrescenta, principalmente para um escritor sincero, como julgo ser.

 

Clarice Lispector, que foi por mim editada quando era diretor da Livraria Francisco Alves, dizia-me: “Paulo, precisamos evitar os chatos e não ter medo de criar”.

 

Como editor da Francisco Alves, lancei o livro da favelada Carolina Maria de Jesus. Esse diário, de uma favelada, percorreu o mundo inteiro, em traduções.

 

Tive um livro filmado, “Sertão Desaparecido”, que foi um desastre maravilhoso, já que filmado por um péssimo diretor, com o título de “Riacho de Sangue”. O tema é sobre o ciclo do cangaço.

 

JVR - Você teve alguma participação política?

 

PD - Sim, na mocidade fui o inocente do Partido Comunista. Não gosto de política quando se mistura com religião. A política é para os políticos, na maioria, com raras exceções, corruptos. A corrupção é uma erva daninha, que bota rama pelo chão. Não sou um alienado. Escrevi uma artigo sobre o futebol, como alienação popular.

 

Dos romancistas do Nordeste admiro Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos, ambos falecidos. Gosto de Jorge Amado, com restrições. Jorge Amado pode ser considerado como o maior romancista popular do Brasil, mas acho que ele tirou partido do Partido Comunista. Chega, não vamos falar da vida alheia. 

 

JVR - Por acaso você mudou suas idéias políticas?

 

PD - Sim, o pensamento sociológico e ecológico. A ecologia é uma ciência antiga, só agora redescoberta. Como sertanejo, julgo-me ser um cidadão do mundo. Como Monteiro Lobato, sou um libertário.

 

JVR - Dentro do quadro atual, você encorajaria os jovens a participarem da política?

 

PD - Sim, porque a mocidade é a idade ideal para defender os direitos humanos.

 

JVR -  Quais são os amigos em Recife com quem mantém contato?

 

PD -  Tenho poucos amigos e os poucos que tenho abandonaram-me, devido à minha solidão de aposentado. Como toda raça de escritores, sou insatisfeito e não quero acomodação. Acomodação é igual à aposentadoria. Envelhecer com dignidade é uma arte difícil. Fui moço, hoje sou velho, curtido e salvado. Viúvo, não quis me casar de novo, porque quero conservar minha liberdade. Vou vivendo e amando Deus e mundo.

 

JVR - O que acha do seu colega Jayme Vita Roso, companheiro de lançamento de livro, não como escritor, mas como pessoa?

 

PD. - Como escritor, ele é um sociólogo especialista em direitos humanos. Acho-o, como homem, um grande sujeito, advogado de muitas causas, sobretudo a ética. Leio seus livros com todo o prazer. Seu último livro é uma lição aberta de variados assuntos, destacando-se os literários. Encontrei nele um feroz admirador e a cultura paulista se dignifica com seus livros. A sua alma toma banho todos os dias.

 

JVR - Qual foi seu último grande amor?

 

PD - Morreu, mas mora dentro da minha saudade. Não sou batista. Amei várias mulheres. Se elas me amavam, não sei. O importante é amar. Estou condenado a morrer de amor na beira da estrada, porque só amo mulheres casadas e tenho medo do facão dos maridos. É besteira dizer que só se ama uma vez. Mil e uma noites e mil e uma mulheres. Mas, a que mais amo, é minha esposa, mãe dos meus dois filhos. Este terreno é muito movediço e o respeito e a dignidade são meus lemas para a poção feminina. A mulher faz o homem, como também o destrói. O amor, quando bem apaixonado, se torna uma tecnologia de ponta, quer dizer, um desastre. Existem mulheres complicadas, como também homens.

 

JVR - De quem gosta mais: de Guimarães ou de Euclides?

 

PD - Dos dois. Gosto de um pela imaginação e outro pela sociologia. Esse paralelo literário compõe meu livro “Através dos Sertões”, história de duas paixões sertanejas.

 

JVR - Acredita numa literatura social ou engajada, na época atual?

 

PD - Eu acho que mente quem diz que na literatura brasileira não tem romance social. Essa opinião não corresponde à verdade, pois na literatura brasileira, sobretudo paulista, existe muito romancista dessa categoria. Citar nomes é perigoso, devido às naturais omissões. O romance proletário moderno começa em Recife, com a publicação do romance “Os mocambos”.

 

JVR - Já amou alguma pernambucana?

 

PD - Pernambucana não. Só sergipana, alagoana, maranhense, menos pernambucana.

 

Toda mulher é perigosa. A mulher não é o diabo, porque o diabo não veste saia. Detesto mulheres interesseiras, pois acho que elas querem comprar o amor e o amor não se vende.

 

Existem dois tipos de mulheres: a “mulher-guindástica”, que eleva seu homem, e a “mulher-ancora”, que o afunda.

 

JVR - Considerações finais.

 

PD - Esse meu livro, sobre Lobato, é resultado do culto e do amor profundo que tenho por ele, que, como comunicador, acho que foi o melhor do Brasil. Cansado de escrever para marmanjos, voltou-se para as crianças, onde ele colheu as rosas. Lobato é o Shakespeare da literatura infantil, a maior, em tamanho, literatura do mundo. A Emília, que é o próprio Lobato, para mim é a maior personagem. Bate, de longe, Capitu e outras mulheres.

 

Literatura é voz, voz que anda por todos os caminhos. Como dizia o velho guerreiro Chacrinha, quem não se comunica se estrumbica.

 

Acho que a televisão brasileira tem bons eventos, mas faz muito apelo ao sexo. Quando ligo a televisão, desligo-a, em seguida, e vou para o meu quarto ler um livro. Os programas educativos deviam ser em maior número. E um aplauso especial para a TV Cultura.

 

Para finalizar, o mundo quer ficar sem o sertão. Eu não sei o que é o maior: se é o sertão ou se é o oceano. Escrevi, na minha adolescência, uma novela sobre o tuberculoso pobre, cujo título é um achado: “As águas não dormem”. Esta minha novelinha fez muito sucesso, até mesmo em Portugal. Lobato me dizia que o que matava a literatura era a atitude. O escritor sincero vence sempre.

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Notas bibliográficas

 

1 VITA ROSO, Jayme. Paulo Dantas, escritor por excelência... e brasileiro. Revista MercadoComum. Belo Horizonte, nº 143, ano IX, 16 set a 15 out. 2001, p.18-19, reproduzido no livro Anorexia da ética e outros escritos. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2004. p. 179-187.

 

2 Dentre outros, Paulo Dantas publicou “O livro de Daniel”, “Purgatório”, “Visão imaginária”, “Menino-jagunço”, “Capital Jagunço”, “Viaduto”, “Chão de infância”, “Euclides opus 66”, “Vozes do tempo de Lobato”; “Antologia euclidiana”, “Rio em tempo de amor”; “Sertão do boi santo”, “Euclides da Cunha e Guimarães Rosa através dos sertões: os livros, os autores”, “De repente o mar”, “Três biografias para jovens: Tobias Barreto, Aloísio Azevedo e Coelho Neto”.  Encorajo e incito a, até, rogo aos jovens advogados que busquem nos sebos seus livros. Encontrarão uma fonte de alto quilate para aprimorar o estilo, enriquecendo-se de idéias com altíssimo conteúdo humano.

 

3 DANTAS, Paulo. Presença de Lobato. 2ª ed. São Paulo: RG Editores, 2005. p. 180.


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* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos















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