Cintia Yazigi
Alerta à legislação que envolverá os empregados domésticos
Contudo, este tema não pode ser esquecido no tempo e sobreviver apenas ao calor de discussões ocasionais. Merece atenção permanente a fim de prevenir consequências equivocadas geradas pela sua aplicação no universo doméstico, que como se sabe, difere muito do universo empresarial.
Óbvio que a majoração dos encargos sociais e trabalhistas é um grande vilão dos empregadores domésticos, mas certamente o aumento no índice de desemprego será ainda um maior vilão para os próprios empregados domésticos.
Nos termos do art. 1º da lei 5.859/72 (clique aqui), o empregado doméstico é notadamente assim caracterizado se presta serviços contínuos para empregador (pessoa ou família no âmbito residencial) sem finalidade lucrativa. Assim, se o trabalho for voltado para fins lucrativos, mesmo dentro de uma residência, não haverá como atribuir ao empregado a condição de doméstico.
Dentre os empregados domésticos podem-se considerar as chamadas "empregadas", incluindo as faxineiras, as copeiras, as cozinheiras, os mordomos, os motoristas, as babás, as acompanhantes, os seguranças particulares, as enfermeiras "in home", os jardineiros, as lavadeiras, as passadeiras, os caseiros e outros. Há ainda, embora poucos, aqueles que exercem atividades de empregados domésticos geralmente direcionados à classe social alta, tais como os prestadores de serviços em iate particular ou casas de veraneio, professores particulares, pilotos de helicópteros e aviões particulares e outras funções desempenhadas sempre sem exploração de atividade lucrativa.
Os empregados domésticos não geram qualquer lucro ou vantagem financeira ao seu empregador. Ao contrário, são geradores de custos para as famílias que não têm nenhuma possibilidade de recuperação. Sob este aspecto, urge ressaltar que além dos encargos diretos, os empregados domésticos ocasionam despesas indiretas, bem superiores àquelas geradas pelos empregados enquadrados na Consolidação das Leis do Trabalho (clique aqui). Ademais, nos termos da legislação ainda vigente, o empregador não poderá descontar qualquer valor de seu salário pelo fornecimento de alimentação, vestuário, higiene e moradia, benefícios estes que superam os benefícios concedidos ao empregado urbano e rural, previsto no artigo 7º da Constituição Federal (clique aqui).
Muito além do financeiro, o empregado doméstico tem, na maioria das vezes, uma relação social e familiar diferente ao sob o regime da CLT. Comparar o tratamento despendido ao empregado doméstico, o qual, diga-se de passagem, deveria ser denominado "empregado familiar", vai muito além das relações geradas numa típica relação empregatícia. O empregado doméstico, com tratamento familiar, participa da vida pessoal do empregador, compartilha com ele os problemas e as alegrias, cuida dos afazeres domésticos com um comprometimento pessoal, divide em certas ocasiões momentos de lazer valiosos, e recebe geralmente um reconhecimento pessoal incontestável pelos familiares do empregador.
Não há como negar que o empregado doméstico é diferenciado e da mesma forma seu empregador. Nem um e tampouco o outro merecem ser prejudicados pela legislação que embora aparentemente favorável pode ocasionar efeitos negativos seja legal, econômica ou socialmente.
O maior temor deste empregador não deverá ser pela obrigação de pagar o percentual de 8% do salário do Fundo de Garantias por Tempo de Serviço ou a multa fundiária, mas sim ter que arcar, além disso, com eventual pagamento de horas extras ou outros adicionais, sem qualquer pertinência no trabalho, que muitas vezes sequer é contínuo e, na maioria deles, fracionado.
Considerando que o empregado doméstico pode ter vários intervalos de descanso durante a sua jornada, como ocorre, por exemplo, com as empregadas, as cozinheiras, os motoristas e as babás, a consideração de "horas extras" é absolutamente incoerente.
Como aplicar a jornada fracionada de trabalho a certa cozinheira que dorme na residência de seu empregador, com a seguinte rotina: acorda as 7h para preparar o café da manhã e descansa. Depois, por volta das 11h prepara o almoço e depois descansa. Às 16h, não poderia sequer entrar mais na cozinha, não poderia mais trabalhar, pois tem que se recolher ao quarto, para seu empregador não pagar horas extras. Ninguém jantará mais naquela casa e a jornada da cozinheira chega a ser de, no máximo, 4 horas fracionada. Isso não faz sentido!
Vejamos outro caso, o motorista que acorda cedo, dirige o carro do empregador por uma hora, descansa mais quatro horas enquanto o empregador trabalha, depois trabalha mais uma hora e descansa mais três horas. Sua jornada acabou, tendo efetivamente trabalhado só por duas horas. Não haverá tempo sequer de permitir que seu empregado consiga voltar para casa no final do dia, com seu próprio motorista. Caso contrário terá de remunerá-lo com adicional de horas extras.
O caso da babá é ainda pior! O horário de um bebê é totalmente imprevisível. Nem sempre a hora do bebê ficar acordado é o horário comercial. Como isso seria resolvido pela Justiça do Trabalho no regime da CLT?
Os empregados domésticos que dormissem no local de trabalho ficariam enclausurados em seus quartos antes de anoitecer até o dia seguinte? Também os que não dormissem no local de trabalho como desenvolveriam suas atividades típicas de horários específicos de uma só vez?
Não há como adaptar adicionais ou horas extras aos empregados domésticos quando isto profissionalmente não é viável, gerando na verdade uma situação que lhes é desfavorável.
É de se alertar que as consequências práticas tendem a ser prejudiciais sob vários e incontáveis aspectos. Diante de tantos transtornos, contingência trabalhista e até custos adicionais a tendência do empregador será amenizar suas despesas com a eliminação de empregados domésticos, que certamente terão muita dificuldade de recolocação em outra residência, pelo mesmo motivo. O índice de desemprego destes profissionais domésticos aumentará drasticamente, enquanto as empresas terceirizadas poderão se beneficiar com uma mão de obra mais barata. O ciclo será desastroso. Os empregados domésticos sobreviventes sofrerão o impacto da ordem de valores. O tratamento será impessoal e as exigências serão prática e juridicamente inexequíveis.
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*Cintia Yazigi é sócia coordenadora da área trabalhista do escritório Tess Advogados
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