Cirurgia plástica e o direito inalienável à informação
Sandra Franco*
A intersecção desses motivos faz-se importante para entender o grande número de reclamações nessa especialidade. Por não ser esclarecido adequadamente, o paciente apresenta expectativas distintas do que poderá ser alcançado pela terapêutica proposta.
Ou ainda, pelo desconhecimento dos riscos cirúrgicos que envolvem certos procedimentos, os pacientes não decidem de forma consciente pela realização de uma cirurgia plástica.
Segundo o disposto na Resolução CFM 1.621/01 (clique aqui), inexistem diferenças, quanto ao ato médico, da cirurgia plástica reconstrutiva, reparadora e da cirurgia plástica estética, embelezadora. Todavia, doutrina e jurisprudência do Poder Judiciário tratam a especialidade segundo a finalidade de sua execução. A cirurgia plástica realizada com escopo estético, de 'embelezamento' passou a ser considerada in totum uma obrigação de resultado. Conceito distinto daquele manifestado pelo CFM, por entender ser a cirurgia plástica uma especialidade única, indivisível e, como tal, deverá ser considerada sempre uma obrigação de meios.
Ainda por essa mesma Resolução, pontuou o CFM que a finalidade da cirurgia plástica é a de propiciar um benefício à saúde do paciente, seja físico, psicológico ou social.
Desta forma, o paciente deverá ser esclarecido sobre diagnóstico, opções terapêuticas, possível resultado, riscos cirúrgicos, cuidados do pós-operatório, tempo de recuperação, influência das características de cada indivíduo quanto à resposta biológica ao procedimento. Sem informações, o paciente não pode exercer plenamente seu direito a decidir; portanto, o cirurgião plástico assumirá o risco de na possibilidade de sobrevir uma complicação possível, mas não informada ao paciente, ser responsabilizado por sua negligência e imprudência ao não informar a possibilidade de ocorrência daquela complicação – ainda que a ela não tenha dado causa.
Vale destacar um julgado do STJ sobre esse entendimento:
STJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Erro médico. Cirurgia plástica. Cirurgia para retirada de bolsa palpebral. Informação ao paciente dos riscos. Ausência. Indenização fixada em 200 SM. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, art. 186.
O médico que deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da operação. (...)
Dois anos após a Resolução 1.621, diante da efervescência de cirurgias de lipoaspiração realizadas no país e do grande número de complicações constantemente apontadas pela mídia, o CFM editou a Resolução 1.711 (clique aqui), de 2003, com dispositivos dos Princípios Fundamentais do então Código de Ética: ser vedado ao médico efetuar procedimentos sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal e desrespeitar o direito de livre decisão do paciente quanto à execução de prática terapêutica.
Tal Resolução estabeleceu diretrizes técnicas aos médicos: "Que as condutas pré-operatórias devem ser as mesmas adotadas para quaisquer atos cirúrgicos, prevendo, além de apurada anamnese e exame físico, as avaliações clínicas, laboratoriais e pré-anestésicas necessárias." E ressaltou sobre as lipoaspirações: "Que as cirurgias de lipoaspiração devem ser executadas em salas de cirurgias equipadas para atendimento de intercorrências inerentes a qualquer ato cirúrgico". Entre outras disposições específicas, determinou que a lipoaspiração não poderia ser realizada em mais de 40% da área corporal.
Entretanto, os problemas continuaram a demandar especial atenção pelo CFM. Desta vez, a Câmara Técnica de Cirurgia Plástica do CFM, com apoio da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, adotou iniciativa que determina aos profissionais cirurgiões-plásticos o uso do documento denominado: Normas Informativas e Compartilhadas em Cirurgia Plástica. Documento que deve juntar-se à confecção dos prontuários e ao Termo de Consentimento Informado e Esclarecido.
O escopo desta determinação é claro: aprimorar a relação entre médico e paciente, garantindo ao profissional um instrumento uniformizado, disponível para download gratuito no site do Conselho Federal de Medicina (www.portalmedico.org.br) e no site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). A ideia central é a de que o documento seja usado nas fases ambulatorial, pré-cirúrgica e hospitalar. Assinarão o documento médico e paciente (ou responsável), devendo uma via ser entregue ao paciente.
Pretende-se que pela leitura atenta das informações e a aposição das assinaturas de médico e paciente, ambos estarão compartilhando as decisões; o paciente participará da responsabilidade pela escolha da terapêutica, pelos cuidados no pré e pós-operatório e por eventuais acidentes apresentados pelo médico como possíveis, embora indesejáveis.
É de extrema importância que médicos adotem esse novo documento não apenas para cumprir mais uma exigência. Há médicos cirurgiões plásticos que entendem terem certos esclarecimentos efeitos negativos sobre o paciente, pois ele poderá optar (em razão de um medo infundado) por não realizar o procedimento. O que se espera, porém, é criar uma cultura em que informações compartilhadas e discutidas provoquem o estreitamento da relação médico e paciente pela sinceridade e respeito.
Gera-se um ciclo pelo qual o paciente informado não poderá questionar o resultado, com a alegação de não ter recebido esclarecimentos acerca de possível complicação, ou da necessidade de retoques, ou do resultado estético que poderia ser alcançado.
Com essa iniciativa, o CFM avisa: em breve será editado o Manual de Fiscalização nessa especialidade e o termo agora disponibilizado como uma faculdade será um componente obrigatório. Preparem-se!
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*Consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e Presidente da Academia Brasileiro de Direito Médico e da Saúde
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