O cumprimento das decisões judiciais
Antonio Pessoa Cardoso*
Antes de 1994, responsável pela alteração do art. 461, já vigorava o § 4º desse artigo, que não foi modificado e que conferia ao juiz o poder de fixar multa pelo descumprimento das decisões judiciais. Os parágrafos 5º e 6º ampliaram o alcance do dispositivo, seja enumerando outras medidas além da multa, seja autorizando a que se proceda de ofício, inclusive com a modificação do valor da multa.
É a parte mais difícil e de menos compreensão para o cidadão comum, pois não se concebe que após a dificuldade que se tem para acessar à Justiça, depois de se gastar com advogado, esperar pela decisão do juiz, depois de todas essas e outras delongas, a parte vencida ainda resista ao cumprimento da liminar, da tutela antecipada, da sentença ou do acórdão. E o pior é que essa situação ocorre, com certa frequência, como já vimos, e o próprio Estado assim procede, preferindo deixar para o governo seguinte o cumprimento de decisões que contrariem sua vontade política e governamental.
Por tudo isso, busca-se, cada vez mais, fórmulas para penalizar o infrator que não cumpre as decisões judiciais.
O dispositivo sob análise, que, anteriormente, transformava a obrigação não cumprida em perdas e danos, passou a autorizar o juiz a além de fixar a multa diária, denominada de astreintes, aumentar o valor, visando forçar o inadimplente a cumprir com a obrigação determinada pela Justiça. A multa é a ferramenta disponibilizada para o julgador coagir o infrator, que pode ser também a pessoa jurídica de direito público, a satisfazer o que foi determinado na decisão judicial. O valor dessa pena é livre para o juiz, diferentemente do que ocorria com dispositivo semelhante do Código de 1939 (clique aqui), que fixava o máximo da multa no correspondente ao montante da prestação.
O produto resultante da multa é destinado ao requerente da ação judicial.
A sociedade reclama cumprimento das decisões judiciais, além de se pretender assegurar maior coincidência entre a prestação reclamada e a tutela jurisdicional concedida, atendendo assim ao espírito constitucional, que permite ao jurisdicionado extrair a efetividade do direito fundamental, qual seja fazer com que haja cumprimento da decisão judicial. O parágrafo 5º desse artigo 461 possibilita o uso de "medidas necessárias tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva se necessário com requisição de força policial".
O juiz, mesmo sem ser provocado, pode usar de quaisquer meios necessários para que haja efetiva obediência ao comando judicial. O rol de providências enumeradas nesse parágrafo presta-se apenas para exemplificação, pois outras poderão ser usadas pelo julgador.
O espaço para aplicação do dispositivo é bastante amplo, porque tem o juiz competência para usar "as medidas necessárias" a exemplo da "imposição de multa por tempo de atraso" da "busca e apreensão', do bloqueio de verbas públicas, da intervenção no Estado.
Nesse contexto tem-se que as obrigações de fazer e de não fazer comportam a aplicação de multa diária que não pode ser irrisória, porquanto a penalidade tem o objetivo de forçar o devedor a cumprir a determinação judicial. As obrigações de fazer ou não fazer, de acordo com o art. 644 CPC (clique aqui), seguem o disposto no art. 461, ou seja, são executadas imediatamente e de ofício.
Os tribunais resistem na aplicação por completo do preceituado na lei, fundamentalmente, no momento da exigência do pagamento da multa arbitrada. Ultimamente, o STJ tem reforçado o papel das astreintes, quando não admite até mesmo a diminuição do valor que se tornou elevada, sob o argumento de que "este recurso especial é rico em argumentos para demonstrar o exagero da multa, mas é pobre em justificativas, quanto aos motivos da resistência do banco em cumprir a ordem judicial".
Reside alguma polêmica sobre o direcionamento pessoal da multa para o agente público que comanda a pessoa jurídica de direito público. Os que defendem a tese de impossibilidade e, portanto, responsabilidade somente do órgão público, enquanto pessoa jurídica, asseguram que o administrador não age em nome próprio, mas como representante da entidade pública.
Apesar de entendimentos diversos sobre a matéria, achamos acertada a tese de que o administrador público, quando desobedece à ordem judicial, age com sua própria vontade, contrariando os princípios traçados pelo próprio órgão público, vez que este forma o próprio Estado e não pode impedir decisão do Estado-Juiz. Dessa forma, na representação, o agente não pode desvestir-se da condição de membro integrante da ordem constitucional.
Os operadores do Direito têm ciência de que a multa contra a pessoa jurídica de direito público não causa efeito algum, salvo o de diminuir o dinheiro público. A Fazenda Pública continua, através de seus governantes, a descumprir as decisões judiciais, porquanto não há temor algum pela rebeldia. Com efeito, multa, busca e apreensão e até prisão não lhe atinge.
É que o gestor e, portanto o mandatário não sofre penalidade alguma e não se sente coagido para tomar qualquer providência contrária à sua vontade, apesar de clara violação à lei, na administração do que é público. Daí porque indispensável o direcionamento da penalidade ao agente político ou administrador, único responsável pelo retardamento da eficácia judicial e único capaz de efetivar o cumprimento da obrigação imposta. E o raciocínio é muito simples: a pena anotada pelo julgador destina-se a fazer com que alguém cumpra decisão judicial; somente este alguém, pessoa que pensa, sente e pode ser convencida a tomar essa ou aquela posição, somente esse agente político, é capaz de imprimir qualquer direcionamento à pessoa jurídica, ente inanimado e, portanto, destituído de vontade para praticar ato, muito menos para intimidar-se com a pena. E tanto é assim, que o magistrado ao aplicar a multa deverá observar o caráter psicológico, social e econômico do agente.
A boa ou má administração não é atribuída à pessoa jurídica, autarquia, fundação, sociedade de economia mista, Prefeitura, Estado, União, mas sim aos seus governantes. Verdadeiro este raciocínio não tem como interpretar-se que a multa por descumprimento de decisão judicial deve limitar-se ao patrimônio do ente inanimado, refletindo no bolso de todos os cidadãos, de onde se origina todo o dinheiro público. Ademais, a eficácia dessa penalidade é questionada, porque sujeita ao regime de precatório, aquela invenção brasileira de "devo não nego, pago quando puder".
Já bastam as leis casuísticas que aparecem para impedir o julgador de conceder liminar ou tutela contra a pessoa jurídica de direito público. É o que ocorre, por exemplo, com os mandados de segurança impetrados para "reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens", lei 4.348/64 (clique aqui); com o pagamento de "vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público Federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial', lei 5.021/66 (clique aqui). Muitas outras leis são editadas para garantir ao Estado a restrição de liminares e tutelas antecipadas em clara violação do direito do cidadão.
A jurisprudência já se encaminha para o entendimento de que a multa é extensiva ao agente público: "Ação Civil Pública. Manutenção de Rodovia. Antecipação de Tutela. Deferimento. Multa por Descumprimento. Imposição à Fazenda e ao Agente Público".
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*Desembargador do TJ/BA
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