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Orientação 27/2009 COGER-DPF arbitrariedade na inacessibilidade dos autos de advogado sem procuração

A Orientação Normativa 27/2009 da Corregedoria Geral de Polícia Federal de início é inconstitucional, confronta-se no presente estudo sua exegese para demonstrar a inadequação legal da matéria, incluindo aí o Estatuto da OAB e a Súmula Vinculante 14. A rigor poderia parecer que esta Orientação nunca poderia alterar o mundo da realidade por vício de validade, mas que bastando-se de teorias de Introdução ao Direito se demonstra a impropriedade de alguns servidores públicos que insistem em fazer valer sua fúria autoritária para impedir o bom funcionamento dos órgãos estatais, reafirma-se a máxima que lex inferior non derrogat lex superiori e a inaplicabilidade da orientação.

23/5/2011


Orientação 27/2009 COGER-DPF arbitrariedade na inacessibilidade dos autos de advogado sem procuração

Leonardo Costa de Paula*

Resumo

A Orientação Normativa 27/2009 da Corregedoria Geral de Polícia Federal (clique aqui) de início é inconstitucional, confronta-se no presente estudo sua exegese para demonstrar a inadequação legal da matéria, incluindo aí o Estatuto da OAB e a Súmula Vinculante 14. A rigor poderia parecer que esta Orientação nunca poderia alterar o mundo da realidade por vício de validade, mas que bastando-se de teorias de Introdução ao Direito se demonstra a impropriedade de alguns servidores públicos que insistem em fazer valer sua fúria autoritária para impedir o bom funcionamento dos órgãos estatais, reafirma-se a máxima que lex inferior non derrogat lex superiori e a inaplicabilidade da orientação.

Palavras chaves: Orientação Normativa 27/2009 Corregedoria Geral da Polícia Federal, Súmula Vinculante 14, Estatuto OAB, Prerrogativa Advogados, Acesso Aos Autos.

Introdução

O artigo que agora se inaugura funda sua necessidade através de problemas práticos apresentados no exercício da advocacia. Aqueles que atuam como causídicos em alguns inquéritos policiais, com foco na esfera de competência do judiciário federal, podem fazer valer a própria lembrança e recordar daquele momento específico em que foi incapacitado de obter cópia reprográfica ou acesso aos autos de Inquéritos quando não detinha procuração.

Diz-se que a ciência deve se pautar em casos práticos, recorrendo à teoria para solucioná-los e demonstrar as incongruências presentes na vida da população alterando a realidade.

Resolver problemas não é diferente quando se trata da ciência jurídica. Portanto, o problema verificado no presente estudo será a proibição de acesso e cópia em Inquérito Policiais Federais, normalmente embasados em documentos que raras vezes são públicos e circulam internamente para limitar a atuação daqueles que pautam sua atuação dentro da legalidade.

Assim, depois de impossibilitada a cópia em alguns dos inquéritos policiais ao qual foi possível a atuação, apenas uma vez foi possível receber a cópia do documento proibitivo para acesso à cópia pelos advogados em todo o território nacional, a chamada Orientação 27/2009 da Corregedoria-Geral de Polícia Federal.

Será discutido, portanto, a exegese que se extrai da inconstitucional Orientação para em seguida se discutir acerca do princípio da legalidade dentro de um Estado Democrático de Direito para colocar em cheque a clara antinomia entre uma orientação normativa e uma lei federal, a primeira com vício de forma e com razoável arbitrariedade e presunção daquele que se pôs na ousadia de vencer uma lei federal por um ato que se encontra na mais baixa escala legal da pirâmide legal.

Especial importância ganha a Súmula Vinculante 14 que, apesar de inúmeros aspectos acerca da legitimidade de existência de súmulas vinculantes, ainda por cima faz tautologicamente valer o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil que até que se prove o contrário, é Lei Federal e deve ser seguida por qualquer ente da esfera estatal.

O presente artigo tem a intenção de tornar público a tal orientação normativa permitindo que se tragam os argumentos comezinhos de Direito, respondendo a impossibilidade de acesso a cópias tão somente em disposições presentes nos estudos inaugurais do curso de Bacharelado de Direito.

Normalmente nas disciplinas de Introdução ao Direito I e II já é possível demonstrar que qualquer um que estiver no segundo período de Direito possa contestar com argumentos teóricos a inconstitucionalidade da citada orientação e por fim mostrar que o ordenamento jurídico deve buscar seu apaziguamento pelos próprios fundamentos intrínsecos ao sistema.

I – A saudosa Orientação 27/2009 da Corregedoria-Geral de Polícia Federal

Como o documento trazido neste momento a público é de difícil acesso, este se encontra disponibilizado no anexo. Isso possibilitará que ganhe a repercussão necessária para o documento supostamente legal, mas que limita direitos, indo além da atribuição do Corregedor Geral da Polícia Federal.

A orientação em comento veio no sentido de estabelecer a normatização aos dirigentes, corregedores regionais, chefes de delegacias e demais autoridades sobre o pedido de vista e cópia de autos de inquéritos.

Assim, nesse sentido se esbarra diretamente a prerrogativas previstas na Lei Federal 8.906/1994 (clique aqui) e, posteriormente, com a Súmula Vinculante 14 que se comentará oportunamente.

Interessante destacar que quando da edição da orientação é considerado expressamente o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo esta citada textualmente.

Assegurará aos "advogados formalmente constituídos o direito de consultar inquérito policial em cartório"1. Note-se que, diferente do que se prevê no Estatuto da OAB só assegura a consulta aos advogados constituídos, ou seja, com procuração.

Assegura para a sigilosidade do Inquérito que se desentranhe documentos referentes a diligências em andamento e não cumpridas que, apesar de permitir uma elasticidade ímpar na discricionariedade da autoridade é possível se concordar com parte deste procedimento.

Em seguida estabelece no item III:

III) Os advogados com procuração nos autos e devidamente constituídos terão amplo acesso aos dados e documentos já produzidos relativos a seus clientes;2

E aí encontramos um dos primeiros problemas da redação autoritária da Orientação Normativa:

IV) Não será concedido aos causídicos o acesso a diligências em curso, nem a informações que digam respeito exclusivamente a terceiros, investigados ou não;3

Pode-se dizer que é nesse item que representa toda a fúria repressiva injustificável presente na Orientação. Observe que para talvez passar despercebido, em todo o documento havia o tratamento dos advogados com a própria nomenclatura técnica.

No item IV há o tratamento do termo causídico. O vernáculo causídico deve então ser analisado juntamente com o de advogado.

Causídico significa advogado de profissão4, mais do que isso, representa especificamente defensor de causas5.

Advogado significa chamado para junto de, chamado para assistir a alguém em justiça6 também significa o mesmo que causídico, aquele que defende direito de terceiros7.

A técnica utilizada para a edição da orientação foi no sentido de esconder, deixar à sorrelfa que estaria se inibindo o acesso aos autos e cópias aos advogados, apenas substituindo o verbete advogado por causídico, terminologia mais rebuscada.

Há grande precisão no uso dos termos para confundir aqueles que têm acesso a tal documento. Sabe-se que a terminologia deixa clara, advogado e causídico são sinônimos, já que tanto por um dicionário como por outro pode-se ver as definições serem semelhantes.

A precisão antes esclarecida não é a mesma quando se trata de dizer que a autoridade policial tem competência, termo que é referente àquele que tem jurisdição, mas esmiuçar esse ponto é desviar-se do foco, portanto, serve apenas para chamar atenção na falta de precisão e adequação técnica quando da elaboração da antinômica orientação.

No tocante a limitação das prerrogativas dos advogados ainda vai além a tal Orientação, uma vez que onde não coube o legislador distinguir não cabe ao exegeta o fazer. Como quem edita uma norma que está no nicho inferior do escalonamento de normas de um ordenamento jurídico é exegeta das normas superiores, este extravasou os limites da sua atribuição para definir ainda por cima obstáculos para o requerimento de cópias, que deverá ser feito mediante petição a autoridade.8

II – Da legalidade, da lei e da súmula

Alguém que se inscreva nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil será considerado advogado. Quando o faz deverá respeitar seus deveres profissionais. Mas nem só deveres estão previstos nos documentos a que devem observância específica por ser advogado, ou causídico, como preferir.

Acrescendo os deveres previstos no Estatuto da OAB também recebem os causídicos os direitos para poderem exercer com qualidade sua função de advogado. Com isso, até mesmo o estagiário inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, recebe em ato solene a carteira de Advogado que traz o art. 7º estampado em sua contracapa.

Mas isso é apenas ficcional. Saber das prerrogativas do advogado e dos seus Direitos só importa para aquele que devem estar adstrito a seguir a lei. Quem atua na ilicitude também não se importa com o que Lei Federal determina, ainda mais, ainda mais que é Direito dos Advogados.

Mas, mesmo assim, estando inseridos em um estado positivista em que se utilizam de correntes hermenêuticas incoerentes, quando for beneficiar o próprio detentor do poder, muitas das vezes se depara, os advogados com o sonho de se realizar tão somente a interpretação literal da lei.

Um desses sonhos pode estar materializado no artigo 7º do Estado da OAB, também conhecido como lei 8.906/1994. E quando se diz lei, se quer dizer que é uma lei ordinária federal, que ocupa lá o terceiro grau dentro do escalonamento piramidal do ordenamento jurídico.9

Mas, será que seria importante pontuar que a Lei Federal está no terceiro grau da escala hierárquica das leis? Em princípio não, o problema surge quando orientações normativas que estão adstritas a nichos mais fechados, e pontuais de cada esfera do poder que deveriam subsunção à norma hierárquica superior começam a valer mais do que as leis superiores, o que será falado oportunamente.

O Brasil vem de uma cultura autoritária, podendo ser pontuado isoladamente os momentos em que não estava inserido em um estado não autoritário. E que ao que tudo indica esse é um dos momentos de Estado Democrático de Direito.

Apesar de ter ocorrido em nosso país um movimento chamado Diretas Já, em 1983 e 1984 que demarcava a derrocada da ditadura militar, as eleições diretas não ocorreram para o primeiro presidente após a ditadura.

A primeira eleição direta, pela população no Brasil, pós-ditadura, só ocorreu em 1989. A partir desta eleição conseguimos hoje comemorar 20 anos de presidentes eleitos diretamente pela população.

Por tudo isso, enquanto o Brasil não comemora a sua plena maioridade penal, que ocorrerá aos 21 anos de eleições, tem que ser assegurado aos advogados que seu estatuto estabeleça alguns direitos que são verificáveis diretamente em um Estado Democrático de Direito, dentre eles:

Art. 7º São direitos do advogado:

I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;

III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

VI - ingressar livremente:

a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados;

b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares;

c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;

d) em qualquer assembleia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais;

VII - permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença;

VIII - dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada;

XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento;

Mas, entrar e sair em qualquer cartório, em qualquer gabinete e repartição pública é algo que ironicamente pode ser dito que é respeitado sem restrição. Como este artigo tem a finalidade de tornar público uma orientação que limita a atuação profissional do advogado, importante também tornar públicos os direitos do advogado que as vezes passam despercebidos por entes estatais.

Já que o que está em voga é o direito dos advogados no tocante a acesso aos autos, é necessário que se transcreva as principais normas legais sobre o tema, que seguem:

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;

A interpretação literal dessa norma permissiva aos advogados não pode ser vislumbrado sob o único foco de visão partindo dos próprios advogados, o que isso quer dizer?

Dentro da caracterização das normas, com o foco do estudo pautado nos ensinamentos da Introdução ao Direito, em qualquer universidade e manual, poderemos vislumbrar que essa seria uma norma permissiva para os advogados.

Entretanto, o olhar partindo de qualquer advogado é de norma permissiva. Mas quando esse olhar é visto pelo pólo passivo da manifestação desse direito teremos do outro lado entes estatais.

Mesmo frente ao artigo 20 do Código de Processo Penal (clique aqui) já diria Paulo Machado10 que não haverá no inquérito sigilo necessário à elucidação do fato ou por interesse da sociedade. Só quem poderia determinar este sigilo seria através de juiz e em casos estritos que a lei assim permitir.

A despeito de ser uma norma permissiva aos advogados no contra ponto desse direito teremos um dever a ser exercido pela parte ex-adversa, não inferindo que isso seria uma disputa, mas um fazer valer do direito alheio.

A formulação de Hebert Hart11 impõe que a norma primária é a regra de conduta estabelecida na norma, portanto, é o que se quer proteger, e a norma secundária seria a sanção que seria aplicada caso essa norma não fosse seguida.

Num primeiro momento, em uma análise superficial do texto poderia pensar que tal norma não carrega nenhuma sanção caso não houvesse o seguimento de tal norma, uma vez que não traz o caráter sancionatório.

Aqui cabe a completude da compreensão do direito como um sistema ordenado, alguns chamam isso de ordenamento jurídico. Evidente, para aqueles que conhecem, que aqui se chama atenção para a Teoria do Ordenamento Jurídico.12

Enquanto que a norma primária é o estabelecimento da regra de conduta, que é clara e por interpretação literal se identifica que não há qualquer limitação do acesso aos autos de advogados, mesmo sem procuração, sublinhe-se, não se percebe com o olhar focado em uma norma isolada o que isso poderia acarretar para qualquer um que não fizesse valer essa permissão para os advogados.

Acontece que a formulação mais aceita e ao que tudo indica a única aceita atualmente do princípio da legalidade se dá como, tudo que não está proibido é permitido. Mas essa formulação corresponde somente aos particulares.

Para a administração Pública a formulação do princípio da legalidade é levemente diferente, mas com repercussões catastróficas se assim não for seguido, que é: tudo que é prescrito é obrigatório!

Portanto, quando voltado o olhar para o particular, para o advogado, que está atuando mesmo sem procuração pensa-se de imediato que é uma norma permissiva, mas a norma em específico é uma norma de seguimento obrigatório para aqueles que exercem funções estatais.

Até que se prove o contrário, a polícia judiciária, seja a Civil, seja a Federal, é um órgão Estatal, isso já é previsão da própria Constituição já que está previsto no Capítulo III – Da Segurança Pública. Portanto, é um órgão estatal e não pode se atuar por força do princípio da legalidade dos particulares, devendo pautar sua atuação somente no que prescreve a lei.

Já que foi visto a formulação quanto ao princípio da legalidade é necessário voltar o olhar para formulações jurídicas produzidas posteriormente à orientação, qual seja, a Súmula Vinculante 14, que segue:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.13

Como o que importa é a interpretação que decorre da súmula necessária será a análise dos debates antecedentes a sua aprovação.14

Pela interpretação literal da súmula poderia se supor que a identificação do representado aí teria o condão de representação processual, que se daria com procuração. Mas não foi isso que se discutiu na aprovação da súmula.

A divergência ficaria em torno do uso do verbete cliente, representado ou investigado. Não foi utilizado investigado porque poderia ser impedido o acesso quando fosse caso de o advogado estar buscando cópias para envolvidos outros. Não se utilizou a palavra cliente pois em tese, defensor público não teria cliente, e o último daria ideia de relação contratual.

Para que haja a exigência de procuração nos autos será imprescindível o regime de sigilo15. Essa identificação foi do próprio ministro Celso de Mello, ou seja, quando os autos do inquérito não estiverem em segredo de justiça o mesmo não pode ser exigido do advogado. Pelo menos é nesse sentido que foi votada a súmula vinculante 14.

Dessa forma, o advogado no interesse do seu representado mesmo sem mandato e justamente porque via de regra não está presente o sigilo decretado judicialmente, poderá sempre irrestritamente ter acesso aos autos e tirar cópia tal qual manda o Estatuto da OAB.

Tautologicamente a súmula, então, afirma a lei 8.906/1994. Nada de novo interpretado através da súmula e dos debates para a sua aprovação. Portanto, vale a Lei Federal 8.906/1994.

III – Lex superior derrogat inferiori ou seja: lex inferior non derrogat superiori!!!

Quando se trata a respeito de conflito entre normas temos que ter em mente que tipo de ordenamento jurídico se insere o ordenamento estudado.

Como se trata de um ordenamento jurídico pautado por uma Constituição que prevalece sobre todo o resto do sistema jurídico na qual a Constituição é rígida, pois para alterá-la é necessário uma votação mais qualificada do que a de uma lei ordinária pode ser verificado que é importante buscar teóricos que estruturem o discurso no mesmo tipo de ordenamento.

Os ensinamentos de Noberto Bobbio16 na obra Teoria do Ordenamento Jurídico se assemelha com a visão do Direito pátrio e, via de regra, é adotado em quase todas as faculdades de Direito.

Na citada Teoria o acréscimo sobre a visão do Direito se dá pautado na necessidade do ordenamento jurídico carregar uma identidade com a Unidade e Coerência do sistema. Unidade faz referência a ausência de lacunas enquanto que coerência se refere a ausência de conflito de normas.

Como se verifica no presente estudo, disposição legislativa e jurisprudencial sobre o tema não faltam, portanto não é um caso de lacuna, não se fere, pois a ideia de Unidade do Ordenamento Jurídico brasileiro.

Enquanto que no que diz respeito a coerência não se pode dizer que tudo está em perfeita ordem dentro da ideia de Ordenamento Jurídico. Por esse fundamento é que se passou a estudar o problema, poderia uma Orientação Normativa valer mais do que uma Lei Federal?

Primeiro importa responder aspectos referentes a construção escalonada do ordenamento. Por força da unidade do ordenamento, mesmo considerando que este é complexo e deve ser visto como tal.

No presente momento, tal qual Bobbio aceita-se a construção escalonada elaborada por Kelsen.17 As normas não estão todas no mesmo plano. Como no ápice se encontra a Constituição e não trata-se de disposições presentes diretamente desse plano, passa-se a identificar os demais planos no ordenamento pátrio.

Quanto ao ordenamento brasileiro, temos que na estrutura escalonada, logo abaixo da Constituição se encontram as Leis Complementares18. Essa definição é dada diretamente por força constitucional, já que ela é nela que se encontra a própria hierarquia entre as normas.

No art. 59 da CRFB temos a definição da hierarquia entre as normas. Pelos artigos seguintes pode-se perceber que o processo legislativo definido impõe tratamento mais complexo para a aprovação de emendas constitucionais, seguindo a ordem leis complementares terão quórum mais qualificado para aprovação. Em seguida vem definido o quórum para aprovação da Lei Federal, dependendo de um menor número de votantes para a sua aprovação.

E quanto ao que interessa ao presente estudo, Orientações Normativas? Orientações Normativas vem muito abaixo das acima citadas, quando se considera a construção escalonada do ordenamento já que é ato normativo proveniente de um órgão da administração pública.

E orientação normativa decorrente da corregedoria-geral da Polícia Federal? É ato normativo decorrente de uma esfera do poder que só edita normas específicas para atuação do próprio órgão, portanto, não tem a força de lei.

Acontece que esse tipo de discussão leva ao que? Leva que qualquer aluno de segundo período de uma faculdade de Direito já pelo menos ouviu falar da máxima lex superior derrogat inferiori. Entretanto, parece que quando o professor explica para os alunos algumas máximas do positivismo o recém-chegado acadêmico de Direito acredita que o sistema deve ser, ou pelo menos pretende ser coerente.

Coerente seria se órgãos estatais, cujos servidores são patrocinados pelos órgãos públicos se ativessem a fazer os ditames previstos em lei e se prestassem a emanar seus atos como os definidos pelo princípio da legalidade para órgãos Estatais.

Dessa forma, recorrendo aos critérios de resolução de antinomia de temos o critério hierárquico, "não temos dificuldade em compreender a razão desse critério" já sonharia Bobbio19, não fosse o suficiente, complementa:

As normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo, essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior.

Assim sonha Bobbio, e assim sonham aqueles que pensam que podem contar com a proteção do Estado para o cidadão.

A clareza, simplicidade e obviedade dos dizeres do citado autor deixa qualquer estudante de Direito iniciante pasmo como que poderia uma norma inválida, com vício de forma, inválida por vício de conteúdo conseguir surtir seus efeitos.

Isso é o reflexo do erro técnico quando o legislador resolveu estabelecer o nome do documento legislativo de lei. Lei, para todas as demais áreas da ciência é aquela teoria que está provada e é inquestionável.

Lei da Gravidade não se discute. A terra exerce força gravitacional e atrai todos os demais corpos.

Mas, sonho se assim o fosse no ordenamento jurídico. Pensar na Orientação 27 ter força, efetivar resultados práticos mesmo sendo ela inválida, ilegal e ainda por cima ilegítima é o mesmo que acreditar que para o Corregedor Geral da Polícia Federal este pudesse saltar e vencesse a Lei da Gravidade e poderia passar a voar, tal qual Neo no filme Matrix.

Porque o paralelo é importante? Porque fazer o recurso externo ao Direito para esclarecer o mundo 'indefectível' do Direito? Porque incessantemente advogados se encontram com o óbice ilegal citado por alguns inspetores e que impedem o acesso a qualquer advogado mesmo sem procuração aos autos de inquérito, quanto mais sonhar com cópias.

Enquanto isso, a OAB em suas várias seccionais atuam tentando efetivar o Estatuto da OAB em detrimento da Orientação Normativa 27/2009 da COGER.20 Acontece que se ignora o conteúdo da Teoria do Ordenamento Jurídico.

Quando se tratou a respeito de normas permissivas e obrigatórias, no presente trabalho se mostrou que quanto ao que trata normas obrigatórias temos que relevar o princípio da legalidade.

Quando se fala de autos de investigações da Polícia Federal e o impedimento do acesso dos advogados aos autos por ausência de procuração o que temos aí é a ocorrência de inobservância da Lei quando a administração pública o deveria fazer. Mas, acontece que não tem uma sanção proibitiva.

Aí é que chama-se atenção para a norma secundária e por isso se pontuou que enquanto que a norma primária é a regra de conduta a norma secundária, por Hart21 é a sanção.

Nem sempre é possível perceber a proibição diretamente na norma, isso pode ser verificado através da coerência do sistema, portanto "quando se fala de uma sanção organizada como elemento constitutivo do Direito nos referimos não às normas em particular, mas ao ordenamento normativo tomado em seu conjunto"22.

Para responder a sanção que comporta a norma secundária no caso de inobservância do Estatuto da OAB não necessitam os juristas de pedir a revogação de uma norma inválida, já define Kelsen que "norma não válida, nula, é uma contradictio in adjecto."23 Ou seja, uma incongruência, não tem como se falar que é norma sem ela ser válida.

Portanto, o que se depreende dessas elucubrações é que a Orientação Normativa 27/2009 da COGER da Polícia Federal não existe!

Muito bem, mas e a sanção? Se depreende da leitura de duas leis, uma delas a 4.898/1965:

Artigo 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei 6.657, de 5/6/79).

(...)Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.

(...)§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:

a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;

b) detenção por dez dias a seis meses;

c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.

Ou então o que prevê o Código Penal, quando trata de prevaricação:

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Apesar das penas irrisórias, é crime e deve ser punido como tal. Já que se fala de esfera do aparato repressivo penal estatal, porque não voltar contra o próprio ente o tratamento que tanto se busca, e aí, quem sabe, não valerá a tão famosa frase de Nietzsche: "Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro".24

Com isso pode-se dizer que a Orientação Normativa 27 de 2009 da Corregedoria Geral da Polícia Federal jamais foi válida, vez que apesar de posterior, lex inferior non derrogat superior máxima que qualquer aluno do primeiro ano de Direito poderá com orgulho demonstrar sua abrangência.

Mas, o Estado em sua esfera repressiva não se importa diretamente com a função de proteção do indivíduo e das suas garantias, o Estado já que materializado em indivíduos que buscam punir infrações que nem sequer questionam sua legitimidade ignora muitas vezes que pode se confundir com o Algoz e como acontecia no medievo o carrasco e o sentenciador eram muito mais criminosos do que aqueles que perseguiam.

Não mais que em tempo só se reafirmará mais e mais a se não conhecida por todos, mas por muitos a frase de Ferrajoli que será aqui repetida:

Frente a la fabulada función de defensa social, no es arriesgado afirmar que el conjunto de las penas conminadas en la historia ha producido al género humano un costo de sangre, de vidas y de padecimientos incomparablemente superior al producido por la suma de todos los delitos.25

No Estado Democrático de Direito, não é a isso que se presta o sistema penal, mas tentar apaziguar os crimes e não colocar o indivíduo abaixo da fúria repressiva irracional de alguns entes que desvirtuam sua função para fazer valer sua raiva e sua busca por sangue para submeter qualquer um a tratamento que a si próprio deveriam submeter, se o sistema funcionasse de maneira eficaz.

Conclusão

O óbvio não deve ser dito. Mas diante da realidade não pode a academia ignorar determinados aspectos práticos que interferem a vida do profissional do Direito. Quantos estagiários de Direito e advogados já tiveram seus direitos aviltados por força de uma enfadonha vontade criminosa reprimida e amparada toscamente pelo Estado?

Os advogados que procuram tirar cópia de processos não estão fazendo para o seu bel prazer, mas para assegurar o direito daqueles que são patrocinados ou poderão vir a ser, já que pode também ser esse tipo de consulta para poder estabelecer os honorários advocatícios.

Não que a inacessibilidade dos autos cause em uma primeira análise o aviltamento do Direito e Prerrogativa do advogado, mas o que se está retornando é a mentalidade autoritária que já estava presente no próprio Código de Processo Penal.

Como se demonstrou, as teorias apresentadas aos alunos de primeiro e segundo período deixariam tão óbvio que isso não poderia existir na realidade que parece até tautológico o estudo. Mas não se pode deixar de verificar a vida real.

Por tudo isso percebe-se que lei inferior não derroga lei superior, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil é uma norma permissiva para os advogados, mas quando se trata de observar a quem deve seguir a bilateralidade desse direito ela se torna norma prescritiva cuja a sanção decorre do próprio ordenamento jurídico.

Quando se põe esses estudos em pauta se percebe que o Estado se obsta a cumprir as determinações legais que ele mesmo impõe como limite ao poder de punir, mas, como esse poder é efetivado por pessoas, elas não poderão ignorar o ordenamento jurídico a que estão submetidos.

O Direito não socorre aos justos, socorre aos fortes, mas na medida em que os fortes estabeleceram um limite para exteriorizar a sua fúria repressiva, aqueles que fazem parte deste poder deverão subsunção àquilo que está prescrito.

O não cumprimento das prerrogativas dos advogados deve submeter os entes estatais que buscam a qualquer preço a punição alheia deveria se impor o dever de aplicar a si as sanções que buscam aos demais, quem sabe no momento que se definirem como a mesma farinha daquele saco que tanto perseguem percebam que os criminosos podem ser os próprios.

Quando se enxergar a bilateralidade dos direitos e quando há a definição de um detentor do direito o outro será o detentor do dever, nesse momento é que o réu poderá ser tratado com dignidade e passará a ser sujeito de Direitos.

Como o advocatus é aquele que está ao lado do réu, que dá voz a ele, acaba sobrando para o mesmo o tratamento como se criminoso fosse, e ignoram que ele está antes de prestar um favor ao acusado, prestando um favor à própria legitimidade de persecução penal, permitindo que o sistema não seja poder pleno indistinto pela monstruosidade espelhada no réu.

Referências Bibliográficas

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula Vinculante 14 Votação e notas taquigráficas.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Proposta de Súmula Vinculante 1-6 Distrito Federal.

___________________

1 Corregedoria Geral de Polícia Federal. Orientação Normativa 27 de 2009.

2 idem.

3 idem.

4 MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa v. II, 3 ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1977, p 102.

5 BUENO, Francisco da Silveira. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa, b-d, 2º vol. Santos: Brasília Ltda., 1974, p. 653.

6 MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa v. I, 3 ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1977, p. 122.

7 BUENO, Francisco da Silveira. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa, a, 1º vol. Santos: Brasília Ltda., 1974, p. 97.

8 Informação pragmática necessária: Na Delegacia de Polícia Federal do Rio de Janeiro para que se faça o pedido de cópias deve ser dada entrada na petição e voltar somente dois dias depois para que possa ter o pedido de vista apreciado, o que limita ainda mais o acesso dos advogados, causídicos, rábulas ou como quiser que chamem aqueles que possam atrapalhar o aparato repressivo penal.

9 Considerando que o primeiro grau é composto pelas normas constitucionais, o segundo grau composto pelas leis complementares que tem o sistema de aprovação especial e com quórum mais qualificado, vindo em seguida a Lei Federal.

10 MACHADO, Paulo. Manual de ética profissional da advocacia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 123.

11 HART, Herbert L. A. El concepto de derecho. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1963.

12 OBBIO, Noberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Brasília: Editora UNB, 1995.

13 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula vinculante 14.

14 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Voto e notas taquigráficas da votação da Súmula Vinculante 14.

15 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Proposta de Súmula Vinculante 1-6 Distrito Federal.

16 BOBBIO, op cit.

17 BOBBIO, op cit., p. 49.

18 Considera-se emenda Constitucional como o corpo da própria constituição.

19 BOBBIO, op cit., p. 93.

20 Diversas seccionais tentam ‘revogar’ a Orientação Normativa 27/2009 COGER. Carta de Canela Oriundo do Rio Grande do Sul. Também podem ser vistos do Mato Grosso do Sul <_https3a_ 306936="" canal="8&id=" view="" canais="" www.campogrande.news.com.br="">entre diversos outros.

21 HART, op. cit., p. 102-113.

22 BOBBIO, op cit., p. 29.

23 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Fabris, 1986, p. 216.

24 Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal. São Paulo: Cia das Letras, 2001, pág. 79.

25 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del g

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O artigo foi publicado originalmente na revista eletrônica da Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda.

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*Mestre em Direito Público e Evolução Social, linha de pesquisa Acesso a Justiça e Efetividade do Processo pela UNESA-RJ. Pós-graduado em Direito e Processo Penal. Pós-graduado em Docência do Ensino Superior ambas pela UCAM-RJ. Professor de Introdução ao Direito e Direito Processual Penal da Universidade Candido Mendes. Advogado da Associação pela Reforma Prisional no Projeto Presos Provisórios. Advogado do escritório Gamil Föppel Advogados Associados

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