A ilusão dos cartões de incentivo ou cartões utilidade
Euclides Di Dário*
As administradoras de cartões, contudo, estão continuamente buscando formas de ampliar a utilização dos cartões de crédito. Uma das formas que surgiram recentemente é o atendimento a uma expectativa das empresas de disponibilizar facilidades para seus funcionários no sentido de aumentar a motivação e por consequência a produtividade. A ideia é fornecer aos funcionários cartões de incentivo ou cartões utilidade que poderão ser utilizados como um benefício concedido pela empresa ao funcionário.
Esses cartões são oferecidos por empresas intermediárias que recebem os recursos dos empregadores e repassam aos empregados que podem utilizá-los até o limite disponível, para adquirir bens e serviços de sua utilidade.
Os valores disponibilizados são benefícios para aumentar a motivação, ou incentivos em função das metas atingidas. Inicialmente não há incidência de tributos tais como INSS, FGTS, e Imposto de Renda. Dessa forma torna-se uma alternativa atrativa para as empresas. Esse procedimento é, no entanto, ilusório, uma vez que, pode criar despesas não esperadas para o empregador.
Conforme determina o artigo 458 da CLT (clique aqui) quaisquer outras parcelas habitualmente pagas, ainda que em utilidades, previstas em acordo ou convenção coletiva ou mesmo que concedidas por liberalidade da empresa, constituem o salário in natura, compondo a remuneração do empregado.
A própria CLT prevê as exceções as quais, ainda que concedidas pelo empregador, não serão consideradas como salário utilidade ou salário in natura (§§2º e 3º, art. 458 – CLT):
Art. 458, CLT - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.
(...)
§ 2º – Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:
I – vestuários, equipamentos fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho;
II – educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático;
III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;
IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;
V – seguros de vida e de acidentes pessoais;
VI – previdência privada;
VII – a habitação e a alimentação fornecidas como salário-utilidade deverão atender aos fins a que se destinam e não poderão exceder, respectivamente, a 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por cento) do salário-contratual.
Os cartões de incentivo ou utilidade não fazem parte dos itens mencionados nos §§ 2º e 3º do art. 458 da CLT e, assim sendo, os pagamentos efetuados utilizando esse meio têm caráter salarial ou salário in natura e devem integrar a base de cálculo dos encargos sociais.
A lei excepciona despesas com Transporte, Saúde, Vestuário, Educação, Equipamentos e Previdência Privada e nesse caso essas despesas não serão consideradas remuneração, e não serão incluídas na base de cálculo para Férias ou 13º, nem Aviso prévio, não comporá o salário contribuição para recolhimento do INSS ou FGTS, nem incidindo IR.
Se a empresa irá fornecer os benéficos mencionados nos §§ 2º e 3º por meio de cartão magnético, deverá esta fiscalizar a correta aplicação e uso dos benefícios concedidos. Terá que ter um demonstrativo que as despesas foram feitas nesses itens e esperar que os fiscais aceitem esse procedimento, em caso de fiscalização, uma vez que esse procedimento não está expressamente permitido em lei e propicia a desvirtuação do seu uso. Uma desvirtuação seria utilizar o cartão para adquirir outras necessidades ao invés daquelas mencionadas no art. 458. Outro mau uso seria reduzir o salário nominal e aumentar os benéficos com o objetivo de pagar menos impostos.
Se, em função de fiscalização, ações trabalhistas, ou denúncias junto às autoridades, o pagamento desses benefícios vier a adquirir caráter salarial, o que é uma hipótese bastante provável, a empresa deverá arcar com um significativo ônus tributário e trabalhista.
A empresa poderá ser condenada ao pagamento de INSS, Imposto de Renda Retido na Fonte, e reflexos no recolhimento de FGTS, 13º salário, férias, verbas rescisórias, horas extras, adicional noturno, adicional de periculosidade e descanso semanal remunerado, para todos os funcionários que receberam o benefício.
Como podemos ver, as empresas levadas pela ilusão de motivar os empregados, podem criar uma fonte de enormes passivos trabalhistas.
O reconhecimento do empregador em relação aos resultados obtidos pelo empregado não terá caráter salarial se não for ajustado, ou seja, quando representar uma liberalidade do empregador. Esta liberalidade não poderá ser habitual. É nesse sentido a lição de Sergio Pinto Martins (Direito do Trabalho, 2008, p. 247) quando ensina que a gratificação não ajustada será liberal e não integrará o salário. O pagamento de gratificação habitual, contudo, integra o salário.
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*Advogado do escritório Maués Trindade Advogados
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