Migalhas de Peso

Conceito de consumidor

A polêmica sobre a conceituação exata de o que seja consumidor continua, apesar de passados quase quatorze anos da edição da lei que rege a matéria.

20/6/2005

Conceito de consumidor


Antonio Pessoa Cardoso*

A polêmica sobre a conceituação exata de o que seja consumidor continua, apesar de passados quase quatorze anos da edição da lei que rege a matéria. As dificuldades para entendimento uniforme sobre a matéria residem fundamentalmente na correta interpretação oferecida aos termos contidos na lei: “destinatário final”; o alcance desta expressão mostra ampliação do conceito, como querem uns, os objetivistas ou maximalistas, ou sua restrição, como afirmam outros, subjetivistas ou finalistas.

Uns entendem indispensável, para caracterizar relação de consumo, os elementos anotados na lei, ou seja, hipossuficiência ou vulnerabilidade. Afirmam que estes dois componentes não se mostram presentes quando na relação de consumo figura pessoa jurídica ou quando não há desequilíbrio entre as partes. O obstáculo maior para prevalência desta conclusão situa-se na própria lei que inclui pessoa jurídica como consumidora, desde que adquire ou utiliza o produto como destinatário final. É que, apesar das exceções, em tese, a pessoa jurídica não é hipossuficiente muito menos vulnerável. Admitido como “traço marcante” a hipossuficiência e a vulnerabilidade, afastada, pelo menos em tese, a pessoa jurídica da prática consumerista, criando, desta forma um primeiro embaraço para admissão do conceito dado pelos finalistas.

Fiquemos então na análise da expressão “destinatário final”.

A exata compreensão dessas duas palavras conduz ao entendimento de que o produto adquirido é retirado do mercado, porque foi dado um destino final ao bem, qual seja, uso pessoal, familiar ou profissional. O importante é que o produto saiu do mercado. Para os finalistas, se o produto deixou de circular e integrou o patrimônio pessoal ou familiar do consumidor, destino não-profissional, está caracterizada relação de consumo; se o produto foi retirado do mercado, mas contribuiu para transformar, montar ou beneficiar outro produto ou se agregou ao estabelecimento comercial, máquinas, veículos, imóveis, destino profissional, não se tem relação de consumo. A compreensão dos maximalistas é outra como se verá adiante.

Vejamos os argumentos das duas teorias para explicar a matéria: a primeira, denominada teoria subjetiva ou finalista, assegura que o conceito adotado pela lei foi “exclusivamente de caráter econômico”, não importando se o bem ou serviço serão agregados à atividade econômica ou revendidos, através de transformação industrial do produto. É o que ocorre, por exemplo, com a compra pela empresa de maquinários destinados à industrialização/transformação. Esta diligência implica na utilização das máquinas adquiridas no ciclo produtivo da pessoa física ou jurídica, demonstrando continuidade de produção pelo beneficiamento de um bem, produto manufaturado, em outro, produto industrializado. A movimentação lucrativa da empresa com o uso do produto adquirido na fabricação de outro bem, fez circular economicamente o primeiro bem. Mesmo considerando o fato de o produto adquirido não ser repassado ao consumidor final, ainda assim, a ação não foi consumerista, fundamentalmente porque sua utilização direta ou indireta desfigurou a destinação final.

Para os finalistas ou subjetivistas, consumidor é restritivamente entendido como a pessoa que usa o produto para si ou para sua família, o que não aconteceu no caso acima, porquanto o bem foi usado como insumo para a atividade criativa da empresa. O produto foi utilizado para fins profissionais, violando assim a qualidade não profissional exigida para conceituação da relação de consumo. O emprego profissional do produto adquirido implica em negação de ato de natureza consumerista.

O uso profissional ou não, pessoal, familiar, empresarial do produto adquirido manifesta importância na vulnerabilidade e na hipossuficiência do consumidor. Os finalistas oferecem conceito próprio para caracterização da pessoa jurídica como consumidora. Entendem possível sua inclusão na prática de relação consumerista somente quando se trata de pequena empresa, porque no caso da grande empresa não haverá desequilíbrio contratual, vez que as duas partes envolvidas têm equilíbrio para travar a relação comercial sem dano provocado pela fraqueza de um e fortaleza de outro. Quer dizer então que a lei de consumo, que devia ser de uso geral, só se aplica à pessoa jurídica se esta for de pequeno porte.

O Superior Tribunal de Justiça tem julgados para alicerçar uma ou outra posição.

“Tratando-se de financiamento obtido por empresário, destinado precipuamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final, inexistente é a pretendida relação de consumo”. Inaplicação, no caso, do Código de Defesa do Consumidor. Recurso especial não conhecido. (STJ – 4ª T. REsp. 218505-MG – Rel. Min. Barros Monteiro.)

“Tratando-se de contrato firmado entre a instituição financeira e pessoa física, é de se concluir que o agravado agiu com vistas ao atendimento de uma necessidade própria, isto é, atuou como destinatário final”. Aplicável, pois o CDC. (STJ – Resp. 296516 – Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi. DJ 5.2.2001.).

A outra corrente, teoria maximalista ou objetiva, não faz restrição, como os subjetivistas ou finalistas, à expressão usada pela lei: destinatário final. Aqui não se limita o alcance familiar ou não-profissional, mas se alarga para considerar o CDC como norma reguladora do mercado de consumo brasileiro.

Destinatário final, para os objetivistas ou maximalistas, seria a pessoa que retira do mercado o produto, não importando saber se o afastamento do bem adquirido deu-se para consumo doméstico, pessoal, familiar, ou para integrar o ciclo de produção da pessoa física ou da pessoa jurídica. Enfim, os objetivistas não procuram saber o motivo pelo qual foi tirado de circulação o produto: para uso pessoal ou familiar, para utilização no desenvolvimento pessoal ou de uma empresa, etc.

O simples fato de servir-se do produto, maquinário na fabricação de mesas e cadeiras, por exemplo, implica em sua retirada de circulação do mercado de consumo e, portanto, prática de natureza de consumo. É o real conceito que se deve emprestar à expressão destinatário final, pois o outro entendimento limita, onde a lei não autoriza. É inovação não anotada pelo legislador.

Não houve repasse do produto adquirido, porque retirado do mercado, apesar de ter ele (produto adquirido) contribuído para transformar e repassar para o consumidor já outro bem.

O STJ definiu como relação de consumo o produtor agrícola que “compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento”. (STJ – 3ª T. Resp 208793/MT – j. 18.11.1999 – Rel.min. Carlos Alberto Menezes Direito).

“O CDC incide sobre contrato de financiamento celebrado entre a CEF e o taxista para aquisição de veículo.” (STJ – 4ª T – Resp. 231208-PE. – Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar – j. 7.12.2000).

A atividade bancária embutirá sempre relação de consumo, salvo evidentemente, quando se toma o produto dinheiro com a finalidade de repassar para terceiro; a característica da relação consumerista reside em o tomador não desenvolver atividade financeira e não no destino que se dá ao dinheiro tomado, com a ressalva acima. As instituições financeiras, aquelas que recebem autorização para emprestar o dinheiro, até mesmo essas empresas, poderão desenvolver atividade de consumo, consistente na obtenção de empréstimo com o objetivo de construir prédio que fará parte de seu ativo imobilizado. É relação de consumo, pois o dinheiro foi retirado do mercado e dado destinação final no âmbito interno da própria empresa, que, assim não permitiu a circulação do produto adquirido, o dinheiro.
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*Juiz em Salvador






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