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Simone Veil, jurista, a nova imortal da academia francesa

Desta feita, quero, desejo e insisto levar a público uma personagem impecável: trata-se de Simone Veil, o maior símbolo da mulher francesa contemporânea. No dia 18 de março passado, tomou assento na Academia Francesa, distinção essa que apenas outras seis mulheres conseguiram desde a sua criação em 1650 pelo cardeal Richelieu.

8/4/2011

Simone Veil, jurista, a nova imortal da academia francesa

Uma mulher das luzes num século de trevas, precedida por uma homônima

Jayme Vita Roso*

Desta feita, quero, desejo e insisto levar a público, aos caros leitores de Mercado Comum, uma personagem impecável: trata-se de Simone Veil, o maior símbolo da mulher francesa contemporânea.

No dia 18 de março passado, tomou assento na Academia Francesa, distinção essa que apenas outras seis mulheres conseguiram desde a sua criação em 1650 pelo cardeal Richelieu. Ingressou no plenário exatamente às 15 horas, acompanhada de seus padrinhos, o historiador Alain Decaux e a escritora Florence Delay. Vestida elegantemente com a grife da casa de Chanel, ela assentou-se na cadeira número <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="13. A">13. A cerimônia foi transmitida ao vivo para todo o território francês, inclusive ultramar, tendo presentes, além dos acadêmicos e de todo o grande número de intelectuais do seu país, dois antigos Presidentes da República: Jacques Chirac e Giscard d'Estaing. Como sempre, Nicolas Sarkozy, embora não tenha advertido da sua presença, chegou poucos momentos depois de iniciada a cerimônia. Toda essa celebração foi comemorada pelo povo, que a elegeu "Mulher do Ano", porque amada, querida e respeitada.

Quem é Simone Veil?

Conta a sua vida na primeira pessoa em "Une vie"1 (Uma vida). O livro foi dedicado a Maupassant. Nasceu na cidade de Nice em 13/7/27. Enquanto ministra da Saúde, em 1974, defendeu um projeto de lei que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez. Foi a primeira mulher a presidir o Parlamento Europeu (1979-1982). É, desde 1998, membro permanente do Conselho Constitucional da França.

Cursou Direito na Universidade de Paris, onde conheceu seu marido Antoine Veil, casando-se em 1946. Tiveram três filhos, um deles falecido prematuramente. Seguiu a profissão, tornando-se juíza, cargo que exerceu até <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1974. A">1974. A partir de então, participou ativamente dos grandes eventos políticos que sacudiram o seu país e o continente europeu.

Confessa na sua autobiografia que descende de judeus, todavia, sempre se consideraram famílias assimiladas: "a do meu pai era profundamente patriota e laica", além de que, por determinação dele, nunca entrou em uma sinagoga: "muito simplesmente nós fomos judeus e laicos, e não fazemos mistério". Por esse motivo intrínseco, a participação na comunidade judaica nunca foi um problema por razões religiosas, mas, apenas, sempre por orientação paterna, razões culturais assim a impediram. Não só o pai a influenciou: sua mãe era ateia, assim como ela o é.

De caráter forte, herdou de seus pais a voluntariedade e a determinação em tudo quanto faz e fez na sua vida, chegando a dizer enfaticamente: "Aos meus olhos como aos deles (seus pais), uma mulher que tem a possibilidade, deve continuar seus estudos e trabalhar, mesmo que seu marido não seja favorável. Isso serve para a sua liberdade e a sua independência". A sociedade francesa do permeio do século passado considerava as mulheres como seres menores, mas não inferiores.

Com a guerra, passando a família por sérias dificuldades materiais, morais e financeiras, sobretudo por serem considerados judeus, tiveram que se adaptar às novas condições ditadas pelo regime de Vichy. Tudo mudou para eles, família numerosa como bem planejado por seus pais.

Com 16 anos ela conheceu o horror da Shoah. Esteve internada com sua família no campo de concentração Bergen-Belsen, onde sua mãe morreu de tifo. Numa entrevista concedida ao "Nouvel Observateur" em 2005, sublinhou que os judeus foram deportados aos campos pela única razão de terem nascido judeus. Os anos passados no campo foram marcantes em sua vida, pois, além de ter perdido nele sua progenitora, também foi internada em Auschwitz-Birkenau, onde seu pai também foi vítima do Holocausto. Conseguiu sair dos dois ilesa fisicamente, mas marcada para sempre.

De todos os títulos que a homenagearam, surgidos na imprensa francesa para cobrir o evento da Academia, um deles tocou-me bem mais de que qualquer outro: "A mulher de um século assassino – Sobrevivente magnífica, combatente pela causa das mulheres, rebelde atípica num mundo de humilhações, o destino da nova acadêmica surge como uma agitada e edificante lição de vida2".

Aos 82 anos, a mulher preferida dos franceses em 2010, nunca perdeu a faculdade de indignação, diante das grandes controvérsias que a época contemporânea tem continuamente exibido. A mais recente foi a sua posição antagônica à decisão do governo de criar novos obstáculos à imigração, a título de preservar a identidade francesa. Mostrou-se desapontada com essa decisão, pois a sua própria família emigrou para o país em torno do século XVIII, originária da Renânia e da Bélgica.

Tem repetido que ser virtuosa não advém do seu humanismo, porque é um dever. Conhecida por suas opiniões e por seus pensamentos objetivos e práticos é incorruptível e inabordável.

Teve uma homônima francesa, dela diferenciada pela troca do "V" pelo "W", no sobrenome: Simone Weil (3/2/09-24/8/43). Esta também foi uma mulher antológica. Com 20 anos, escreveu um livro que se tornou clássico: "Ciência e percepção em Descartes" e, dois anos mais tarde, "Algumas reflexões a respeito da noção de valor". Trabalhou arduamente em favor das lutas operárias, seja numa tentativa de educação do proletariado (1929-1930), seja participando em movimentos de fábricas metalúrgicas (1936), seja também como sindicalista (1938) ou mantendo uma experiência de vida dentro de uma fábrica (1941).

Frente aos totalitarismos de seu século, em 1932 já estigmatizava o nazismo, subsequentemente, colocava em questão o papel da Rússia na política mundial e, alfinetava duramente, a revolução proletária e o marxismo. Lutou como anarquista na Espanha, ao lado dos republicanos (1936-1938), fez um retorno, na Grécia, aos conhecimentos científicos, produzindo trabalhos interessantes tais como: "Reflexões a propósito da teoria dos quanta" (1942) e, ainda no mesmo ano, "Comentários de textos pitagóricos". Teve uma experiência comovente de Deus, escrevendo ensaios indeléveis sobre a infelicidade e a alegria, relevando-lhe seu amor.

Como espelho da acadêmica Veil, esta Simone nasceu de uma família que professava o agnosticismo total. Seu pai havia rejeitado a prática dos seus antecedentes, permanecendo fiel à lei judaica, enquanto sua mãe provinha de judeus liberais da Galícia. Parece incrível: esta também tinha total ignorância das realidades e da espiritualidade judaica.

Finalmente, envolvida em tantos movimentos sociais e políticos de seu tempo, optou por fazer greve de fome e, assim, faleceu em prol do tratamento e das condições dos prisioneiros de guerra na França sob o governo fantoche de Vichy.

Cruzam-se no tempo e no espaço duas mulheres míticas e épicas, para alegria de todos que se interessam em conhecer quem batalha pela condição da mulher.

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1 VEIL, Simone. Une vie. Éditions Stock, 2007, Paris, 398 págs.

2 Point de Vue, nº 3218, março de 2010.

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*Advogado e fundador do site Auditoria Jurídica

 

 

 

 

 

 

 

 

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