Breve debate - juros moratórios legais no novo Código Civil
Fábio Barbalho Leite*
Na falta de definição do percentual de juros moratórios em convenção ou lei para o caso concreto, manda
Distintamente, a I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudo Judiciários do Conselho da Justiça Federal, produziu enunciado concluindo que, nos casos em foco, os juros moratórios seriam de 1% ao mês, como supostamente determinado pelo art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional (igual opinião, mas sem referir o fundamento, de J. M. Leoni Lopes de Oliveira, novo Código Civil Anotado, Lumem Juris, p. 267; igual opinião, fundamento distinto, ver Roberto Wilson Perault e outros www.migalhas.com.br, Migalhas de peso). Pelo enunciado, "a utilização da taxa Selic não é juridicamente segura porque impede o prévio conhecimento dos juros."
C
om respeito aos defensores do referido enunciado, o mesmo é insustentável, ainda que permita pelo menos um princípio de mudança: a elevação do percentual de juros moratórios de 0,5% (CC/1916, arts. 1.062 e 1.063) para 1% ao mês.Primeiro
, o argumento de que a Selic não deve ser aplicada por provocar insegurança jurídica é frágil; fosse assim os contratos de aplicações financeiras atrelados a taxas futuras seriam, a priori, nulos e desse destino dificilmente escapariam outros tantos contratos aleatórios; nulos também seriam os contratos de financiamento imobiliário, pois, os índices que pautam os reajustes das prestações são conhecidos apenas no futuro. A propósito, por trás do indigitado argumento, é possível vislumbrar coisa mais perigosa para o novo Código Civil: um certo antagonismo à inexistência de respostas prévias dadas pela letra da lei. O perigo está no fato de ser justamente característica das cláusulas abertas – amplamente empregadas pelo Código – a ausência de respostas a priori. Eventual movimento exegético que "apriorize" amplos conteúdos normativos do atual Código significará a própria subversão de seu projeto normativo. Espera-se não ser dado à inovação promovida pelo atual Código aquele destino posto em lápide no "Leopardo", de Lampedusa: reforma-se para que tudo permaneça exatamente tal como era.Segundo
, o CTN, art. 161, § 1º, que originalmente definia a taxa de juros de mora para débitos tributários inadimplidos (tema aberto à legiferação ordinária), foi revogado pela Lei n. 8.981/95, cujo art. 84, I impõe a incidência sobre os créditos fiscais inadimplidos de "juros de mora, equivalentes à taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativa à Dívida Mobiliária Federal Interna", a qual, por força do art. 13 da Lei n. 9.065/95, corresponde ao percentual da taxa Selic (também pela Lei n. 9.250/95, art. 39, § 4º). Verdade que o uso da Selic como juros moratórios de débitos tributários encontrou oposição no STJ (contra, Recurso Especial 215881/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto), porém, na mesma Corte a corrente majoritária é favorável à constitucionalidade (Embargos de Divergência no Recurso Especial ERESP 193.453/SC, 1ª Seção, Rel. Min. José Delgado), não se tendo notícia de posição contrária do STF.Terceiro
, inimaginável como a aplicação da Selic aos débitos tributários até hoje não causou nenhum atentado à segurança jurídica, pelo menos, ao ver do Judiciário e, paradoxalmente, traria insegurança jurídica para a cobrança de créditos inadimplidos de outra natureza.Quarto
, nenhuma regra da natureza impede que, no futuro, a taxa Selic venha a ser inferior a 1% ao mês, donde descabida a fixidez dos juros moratórios legais, quando mais notado que a disposição clara do art. 406 do novo CC aponta certamente na direção do não engessamento desse percentual. Pela tese criticada, o intérprete está, sem nenhum fundamento constitucional consistente, dando conteúdo oposto ao que determinado pela legislação.Quinto
, considere-se a boa nova advinda da aplicação da taxa Selic com base na previsão do art. 406 do novo Código Civil: desestimular a rolagem temerária de dívidas, evitando que seja mais vantajoso ao devedor adiar o pagamento de dívidas por anos a fio no Judiciário – com juros de mora de 0,5% ou 1% ao mês – enquanto remunera-se com bem mais que isso em várias aplicações possíveis no mercado financeiro. Aliás, há que se reconhecer um aspecto de eqüidade no emprego da taxa Selic para o fito disposto pelo art. 406 do nCC: é uma solução eqüitativa à medida que submete as partes (credor e devedor) a um parâmetro sancionatório consideravelmente próximo ao praticado para remuneração do capital no mercado privado e assim impede que a vontade do inadimplente – anteriormente protegida por uma definição sobre juros alheada da realidade econômica – imponha ao credor o ingresso de sua riqueza (crédito) em um regime de juros afastado (para menos e, portanto, prejudicialmente) da prática de mercado.Sexto
, à eventual alegação de que não poderiam ser praticados juros superiores à taxa de 12% ao ano por afronta à Constituição Federal, art. 192, § 3º, seja, de um lado, contraposto que esse argumento, em face da jurisprudência do STF (que considera a restrição constitucional sem eficácia imediata, dependente de legislação complementar), tem natureza estritamente acadêmica, com eficácia entre nós cingida a discussão em sala de aula. D’outra parte e de qualquer modo, a referida limitação constitucional é quanto a juros remuneratórios de capital; não moratórios (que tem clara natureza distinta: sancionatória).Sétimo
, eventual desproporção do valor devido a título de juros moratórios que provocada pelo uso da Selic, em caso de especial e inesperada progressão de seu valor, pode ser resolvida – em termos eqüitativos – pela contemporização fundada no mesmo novel CC, p. ex., no seu art. 317 ("Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.").Logo, da combinação do art. 406 do atual CC com os arts. 84, I da Lei n. 8.981/95 e13 da Lei n. 9.065/95, é a taxa Selic a
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* escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia. Professor de Direito Administrativo.
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