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O sistema da "dupla conforme"

O Ministério da Justiça vai colocar sob consulta pública, o projeto do novo CPC. A proposta, já analisada pelo Senado, está tramitando na Câmara e a consulta será iniciada, no final deste mês, no site do MJ. O projeto original resulta da Comissão de Juristas presidida pelo ministro Luiz Fux, do STF, e entre seus maiores méritos situa-se o da racionalização do sistema de recursos.

30/3/2011

O sistema da "dupla conforme"

Jones Figueirêdo Alves*

O Ministério da Justiça vai colocar sob consulta pública, o projeto do novo Código de Processo Civil. A proposta, já analisada pelo Senado, está tramitando na Câmara e a consulta será iniciada, no final deste mês, no site do MJ na rede web. O projeto original resulta da Comissão de Juristas presidida pelo ministro Luiz Fux, do STF, e entre seus maiores méritos situa-se o da racionalização do sistema de recursos.

Aberto o debate popular, ainda com ouvida posterior de especialistas, servindo o resultado da consulta como contribuição relevante ao Congresso Nacional, no trato reformista do processo civil, cuide-se que a louvável iniciativa ministerial deve mobilizar o interesse de toda a comunidade jurídica. Antes de mais, oportuna se apresenta uma primeira reflexão ao projeto legislativo que modifica, com profundidade estratégica, a operacionalidade do processo civil moderno, em nosso país, a tempo e modo de consagrar a razoável duração do processo. Reflexão acerca da interação do texto proposto, no que couber e no que convir, com a experimentação legislativa exitosa de outros países.

A esse propósito, vejamos: O direito recursal no processo civil português consagra o denominado "sistema da dupla conforme", segundo o qual em havendo conformidade entre a decisão de primeira instância (juízo de piso ou originário) e a decisão adotada, por unanimidade, pelo Tribunal (juízo recursal ou de segunda instância), não serão admissíveis outros recursos. A paridade de decisões consolida o presumido acerto decisório, a tanto não permitir seja o julgamento revisto por outras instâncias recursais em tribunais superiores.

Tenha-se, então, que a aplicação do Direito afigurar-se-á escorreita e indene de dúvidas, a evidenciar a interpretação mais adequada no caso julgado. A expressa confirmação unívoca, pelo órgão colegiado julgador, da decisão monocrática emanada do juízo de origem, tornará assente a exatidão jurídica do julgamento, desautorizando outros recursos.

Nosso sistema processual brasileiro não conhece tal regra de congruência (de identidade de decisões), ao nível de obstar recursos subsequentes. Cuide-se lembrar, a respeito, que o pressuposto para a oposição dos atuais embargos infringentes resulta sempre de divergência da turma julgadora, em quaisquer dos pontos da decisão, bastando o desacordo de um voto diferente. Mesmo que agora reduzidos os embargos (lei 10.352 – clique aqui) à hipótese apenas de acórdão (não unânime) que reforme, em grau de apelação, a sentença de mérito (ou houver julgado procedente ação rescisória).

Não existe, portanto, em nosso sistema, regra ou instituto recursal que cuide pela simetria de decisões indiscrepantes entre as do primeiro e do segundo graus, no nosso processo civil, de modo que, no ponto, o sistema português está a merecer elogios. De fato.

É certo que o sistema da "dupla conforme", previsto no artigo 721º do CPC-Pt (clique aqui), resultou relativizado com a última reforma processual portuguesa. A introdução no texto codificado do artigo 721º-A instituiu exceções. Com efeito, cabível se torna, doravante, o recurso de revista ao Supremo Tribunal de Justiça português, malgrado a situação de "dupla conforme", diante de três hipóteses: (i) questão manifestamente complexa e de difícil resolução, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja necessária para uma melhor aplicação do direito; (ii) causa onde presentes interesses de particular relevância social e (iii) contradição jurisprudencial.

São esses os fatores de acesso ao STJ em revista excepcional. Não obstante as situações que a norma lusitana excepciona, há que se ter como preponderante a regra absoluta, pressupondo invencível a confirmação da decisão, sem voto vencido, em benefício da presteza jurisdicional.

Em ser assim, a regra da "dupla conforme", por efetivar o princípio da razoável duração do processo, merece ser analisada na reforma processual brasileira em curso. Inclusive, aperfeiçoada: eventuais lapsos judiciais na qualificação jurídica dos fatos, inquinando a decisão de erro que se apresente, necessariamente evidente e ostensivo - poderiam estabelecer excepcionais condições de recorribilidade, moldadas, todavia, em recurso infringencial para o próprio tribunal.

Nessa perspectiva, conclui-se por acentuar que uma capacidade expansiva da controvérsia a sugerir, ela mesma, inúmeros recursos deveria ser limitada, como observado, somente a casos excepcionais. A "dupla conforme" poderia, então, constituir a regra geral, dela extraindo-se a relevância impeditiva de novos recursos, em prestígio das decisões acertadas dos juízes, que consabidamente, na grande maioria dos casos, são confirmadas, às expressas, pelos tribunais.

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*Desembargador decano do TJ/PE. Presidiu a Corte entre os anos de 2008 e 2010



 

 

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