A reforma do Código de Processo Civil e a Caixa de Pandora
Luiz Fernando Hofling*
"Ora, tinha Epimeteu em seu poder uma caixa que lhe haviam dado os deuses, que continha todos os males. Avisou a mulher que não a abrisse. Pandora não resistiu à curiosidade. Abriu-a e os males escaparam. Por mais depressa que providenciasse fechá-la, somente conservou um único bem, a esperança. E dali em diante, foram os homens afligidos por todos os males."
Ao abri-la, contra as recomendações divinas, Pandora suscita a dispersão pelo mundo de todos os males, quedando-se na caixa, tão somente, a esperança.
Nós também estamos vendo sair, da reforma do Código de Processo Civil, todos os males, restando, tão somente, em nossos corações, a esperança de que a legislação melhore.
Mas é difícil que assim seja!
O Código Buzaid é uma peça preciosa, modelo de equilíbrio e racionalidade, diamante lapidado com esmero de artífice, por um expoente da ciência processual.
Um humanista excepcional que modernizou a legislação, adaptando-a às melhores lições da doutrina italiana e alemã.
Sua redação foi impecável, exprimindo o que, de melhor, em 1973, podia exibir a ciência processual em todos os tempos!
Dois dos males da caixa de Pandora já apresentaram o seu rosto:
A - Sugere-se a supressão das chamadas terceira ou quarta instância, com restrições severas à utilização dos recursos extraordinário e especial; a fórmula, ao que parece, destina-se a reduzir a importância desses recursos, cujo provimento, de modo geral, não alcançaria proporção maior do que 15%, sendo, então, segundo dizem, de valor relativo.
B - Sugere-se a supressão dos acórdãos, nos casos em que a sentença recorrida seja mantida pelo Tribunal, o que diminuiria os serviços requisitados aos relatores, dispensados da redação de seu voto.
Quanto ao primeiro caso, a redução da importância dos recursos especial e extraordinário, com tradição histórica no nosso direito processual é, no mínimo, perigosa.
Se o número de recursos especiais e extraordinários providos é inferior a 15% dos recursos manejados, isso significa que, suprimindo-lhes a importância, ficarão consolidadas, na mesma proporção, as decisões injustas, o que é inaceitável.
Se a proporção de provimento aos recursos servir de fundamento para a reforma processual, então, será o caso de institucionalizar o sistema de sorteio, para solução das demandas:
- as partes fariam uma aposta e, sorteado o vencedor,
- seria este o ganhador do processo.
A solução teria o mérito de 50% de acerto...
É o caso do agravo: esforçam-se por eliminá-lo ou restringi-lo, mas não há outra forma de lidar com os erros cometidos pelos juízes de primeira instância, corrigidos pelo provimento aos recursos contra eles manejados pelas partes.
Quanto à extinção do acórdão, isso equivale a absolver os julgadores da única forma de prendê-los, concretamente, ao julgamento do feito, convertendo-se o juiz de segunda instância em mero carimbador das decisões de primeira instância, com cujos raciocínios não terá maior compromisso.
Trata-se de duas modificações perigosas, que não se compatibilizam com as tradições do nosso direito processual.
A serem implementadas, trarão enorme retrocesso à nossa ordem jurídica!
A inspiração que preside a reforma da legislação processual é a responsável por essas anomalias: quer-se, a qualquer custo, acabar com a morosidade da Justiça, dando-lhe rapidez e eficiência.
Mas, na verdade, isso somente ocorrerá quando se tomar, como princípio, que a solução para a modernização da Justiça não é acabar com os recursos.
É, antes, providenciar no sentido de que sejam rapidamente julgados!
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*Advogado do escritório Höfling, Thomazinho Advocacia
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