Devem-se restituir os objetos históricos aos países de origem?
Jayme Vita Roso*
Passaram-se os anos, mas a questão continua em aberto, propiciando discussões que devem ser pautadas, sobretudo pelo bom senso. De outro lado, salutar recordemos que, tanto as tropas napoleônicas, em torno de 1796, como as inglesas em 1801, saquearam objetos arqueológicos do Egito. Esses fatos históricos permanecem no subconsciente coletivo do país.
Tomando-se em boa conta – sem esquecer o "apurado bom gosto" artístico de Goering e seus companheiros – surgem, a partir de 1970, movimentos universais para dar legitimidade ao respeito, que devem merecer obras artísticas, patrimônios da humanidade.
Em 1970, a Unesco patrocina uma Convenção, segundo a qual cada Estado se engajaria a interditar a importação de bens culturais roubados de monumentos ou museus. O texto foi aderido por 118 países, porém, sem efeito retroativo.
Em 1995, uma Convenção da Unidroit é assinada em Roma. Nela se adotou que o adquirente de um bem cultural, mais tarde comprovado ter sido objeto de desapossamento ilícito (furto ou roubo), não enseja indenização ao adquirente, ainda que prove boa fé. Muitos países a assinaram, mas poucos a ratificaram.
Imperando o sentimento cínico, que grassa pelo mundo, na tentativa de modificar o pensamento imperante, o Egito promoveu, em 2010, uma conferência internacional para tentar um acordo para o repatriamento dos bens culturais, buscando de forma quixotesca que as decisões, nesse sentido, fossem aplicadas retroativamente. O assunto, segundo notícias colhidas após o evento, depende de consultas aos governos interessados, como alguns diplomatas, dos países presentes, se manifestaram. Ninguém quer buscar qualquer solução, é o que se constata.
Ampliados os debates, que se vem desenvolvendo pelo mundo afora – intelectuais e artísticos, a meu sentir, pautam-se entre várias correntes, porém, agrupados em duas mais sensatas: não se justifica privar as comunidades de seu patrimônio e é mais apropriado fazer circular a cultura do que possuir os bens.
É preciso que se fixe o lema: os bens culturais são a prova ou a evidência da identidade de um país, de sua cultura. Eu, com ousadia, iria além: por que não lhes dar equivalência ao seu território? Ele é o habitat de um povo, que tem direito sobre ele, porque, como já ocorre em algumas tribos indígenas da América do Norte, elas reivindicam o direito de propriedade sobre noções culturais, sobre suas imagens, até mesmo sobre seus sistemas de ideias.
Imperando o maldito mercantilismo (Christian Marazzi, Crisi dell’economia globale. Mercati finanziari, lotte social e nuovi scenari politici, 2009), cooptado com a corrupção, tem desvirtuado as culturas nacionais em prol da massificação e, isso ocorrendo, a submissão a interesses materiais imediatistas e alienígenas, sobretudo consumistas, traz à tona questionamentos de várias matizes, sobretudo nacionalistas ou ideológicos.
Cabe aos advogados, em particular aos jovens, que, por ventura se interessem pelos bens culturais do Brasil, colocar como objeto de sua preocupação esse tema, procurando levá-lo a diversos foros e à comunidade. Sugiro que deveriam perfilar-se ao genial cineasta francês Jacques Malaterre, autor de Odisséia da Espécie (2003) e de Homo Sapiens (2005), que disse em uma recente entrevista: "... todos os meios são bons para transmitir os conhecimentos ao público, porque o saber é a fonte da liberdade" (La Recherche, out. 2010).
_______________
*Advogado e fundador do site Auditoria Jurídica
________________