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A prescrição das dívidas decorrentes de serviço de água e esgoto

Deve-se ponderar que é bastante espinhosa a questão de saber se os créditos das prestadoras de serviços de água e esgoto possuem natureza jurídica de taxa ou de tarifa/preço público. Em síntese, se forem compulsórios, trata-se de um tributo, ao passo que se forem facultativos, de uma obrigação civil.

20/12/2010


A prescrição das dívidas decorrentes de serviço de água e esgoto

Pedro Paulo de Siqueira Vargas*

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, utilizando-se da técnica de julgamento de recursos repetitivos, prevista no art. 543-C do Código de Processo Civil (clique aqui), decidiu da seguinte forma quanto ao prazo prescricional dos pagamentos devidos pelos usuários de serviços de água e esgoto:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO-TRIBUTÁRIO. FORNECIMENTO DE SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. TARIFA/PREÇO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO.

1. A natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por concessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário, razão pela qual não se subsume ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas [...].

[...].

4. Consequentemente, o prazo prescricional da execução fiscal em que se pretende a cobrança de tarifa por prestação de serviços de água e esgoto rege-se pelo disposto no Código Civil, revelando-se inaplicável o Decreto 20.910/32 [...]

[...].

(REsp 1117903/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 09/12/2009, DJe 01/02/2010)

Esse aresto desperta a curiosidade do estudioso do Direito por uma única qualidade: ele é paradoxal. Convido o leitor a debruçar-se, então, sobre os paradoxos presentes na decisão e tirar algumas reflexões pontuais.

De início, deve-se ponderar que é bastante espinhosa a questão de saber se os créditos das prestadoras de serviços de água e esgoto possuem natureza jurídica de taxa ou de tarifa/preço público. Em apertada síntese, se forem compulsórios, trata-se de um tributo, ao passo que se forem facultativos, de uma obrigação civil.

Com efeito, o usuário pode, a qualquer momento, dispensar o serviço oferecido e desembaraçar-se, assim, do dever pecuniário, donde se conclui tratar-se, ao menos em tese, de uma obrigação facultativa. No entanto, caso esse usuário tenha domicílio em uma metrópole, que alternativa ele teria, além dos serviços prestados pela concessionária, para tomar banho, higienizar o lar ou simplesmente lavar suas roupas e louças? Não sendo o Direito uma ciência exclusivamente abstrata, mas sim a arte do justo e do injusto, como já se disse, parece que esse ponto dá azo a sérios questionamentos.

Todavia, relevando-se a discussão acima, o fato de a dívida ter natureza não-tributária, como se afirmou, não é fundamento suficiente para afastar a previsão do art. 1º do Decreto 20.910/32 (clique aqui) e aplicar o Código Civil (clique aqui), como tem abundantemente decidido o mesmo STJ para débitos de origem diversa das ora discutidas (cf., à guisa de exemplo: 2ª T., REsp 1197850/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, j. 24/08/2010, DJe 10/09/2010; 2ª T., REsp 1169666/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, j. 18/02/2010, DJe 04/03/2010; 1ª T., AgRg no Ag 968.631/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, j. 19/02/2009, DJe 04/03/2009).

No entanto, admite-se que, de fato, o débito em questão é uma tarifa e correta a aplicação do Código Civil. Ora, se o julgador partiu dessas premissas, deveria então ter extinguido o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, por falta de interesse-adequação. Explico.

O Código Civil pertence ao ramo do Direito Privado, que, por sua vez, caracteriza-se, dentre outros elementos, por regular "relações onde se encontram indivíduos em pé de igualdade" (ANDRÉ FRANCO MONTORO, Introdução à Ciência do Direito, 24ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 404). Ora, se estamos tratando de iguais, vez que na decisão em comento aplicou-se o Código Civil, por que então dar ao autor o benefício de manejar uma execução fiscal e livrá-lo das vias ordinárias? Qual o fundamento para tratá-lo como particular na aplicação do direito material e ente público sob ponto de vista processual? Creio que nem CHIOVENDA tenha ido tão longe na autonomia do direito de ação.

Enfim, ao se analisar o julgado acima colacionado, verifica-se que mais uma vez se cumpriu o ditado que diz que "quem muito abraça, pouco aperta". Aplicando o art. 543-C do CPC, o STJ resolveu vários processos, levando a efeito a tão aclamada, celebrada e dogmatizada celeridade. Fez-se justiça em cada caso que se aplicou esse julgado? Diante dessas reflexões, é de se duvidar.

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*Advogado do escritório Clito Fornaciari Júnior - Advocacia

 

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