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OAB sob o Ancien Régime?

Nos alvores do Século XVII, sob a batuta de Luís XIII, vivia o Absolutismo francês a sua fase de consolidação. Richelieu cuidava da urdidura voltada à centralização do poder nas mãos do monarca, com a mitigação dos já escassos direitos dos súditos.

11/5/2005

OAB sob o Ancien Régime?


Ronnie Duarte*

Nos alvores do Século XVII, sob a batuta de Luís XIII, vivia o Absolutismo francês a sua fase de consolidação. Richelieu cuidava da urdidura voltada à centralização do poder nas mãos do monarca, com a mitigação dos já escassos direitos dos súditos. A tônica do Ancien Régime era a outorga de privilégios a uma casta de favorecidos, a perseguição implacável aos opositores, as restrições à participação popular nas decisões políticas e a aversão a mecanismos de controle do establishment.

Foram os advogados que se insurgiram contra tal estado de coisas. Entidades que congregam a classe sempre figuraram como agentes de mudanças havidas no transcurso da história mundial. No Brasil, a OAB assumiu a defesa intransigente das liberdades públicas durante o regime militar. Aqui, destacaram-se as figuras de José Neves, Joaquim Correia, Octávio Lobo, Dorany Sampaio, dentre outros líderes há muito revelados.

Entretanto, parece, a bravura e os ideais da OAB cederam lugar a uma calmaria que acaba por deixá-la erraticamente ao dispor de projetos pessoais, em desarmonia com seus reais propósitos.

Trago aqui três ocorrências que agitam minhas preocupações.

Há anos defendo interesse da classe em processo judicial, de modo a garantir a todos os advogados a possibilidade de decidir acerca dos destinos da entidade, impedindo-se assim a manutenção de provimento da OAB que restringe o voto, condicionando o respectivo exercício à comprovação da regularidade com os cofres da instituição. Na demanda se combate uma modalidade odiosa de “voto censitário”.

Outro dia recebi, perplexo, telefonema do presidente do Sindicato autor da ação, dando conta que o processo teria seu curso interrompido. Pressões políticas forçam-no a evitar o julgamento final do pleito em instância superior do Judiciário. A discriminação que o provimento combatido encerra, aliado ao incompreensível receio do exame da matéria na Alta Corte, gera inquietação.

O segundo dos fatos consiste na movimentação nacional da OAB visando a impedir que a entidade, autarquia federal, seja submetida à auditagem do TCU. A sociedade exige que também a Ordem seja transparente, permitindo a conferência da lisura da sua gestão.

Por fim, destaco recente ocorrência, onde um jovem e valoroso advogado, no exercício da sua advocacia, teve contra si instaurado procedimento disciplinar por iniciativa do presidente da seccional pernambucana da OAB. Confirmando-se que a ação foi animada por sentimento de revanche do dirigente, inconformado com a atuação do profissional em favor de desafetos da diretoria da Ordem, ter-se-á o cometimento de imensurável violência, lídimo estupro a algo que é por demais divicioso ao advogado: as prerrogativas profissionais.

Os advogados não podem compactuar com a apostasia, com a defecção de princípios há muito defendidos e que transcendem as pessoas transitoriamente alçadas à condição de líderes. Condescender com excessos tais é pecar por omissão. É permitir que amanhã, um dirigente, em arroubo despótico, proclame: “L’OAB c'est moi”, ensejando o vaticínio do futuro dos dissidentes: uma experiência na máquina do Dr. Guillotin!
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Advogado





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