Novo Código de Processo?
Almir Pazzianotto Pinto*
Após longa maturação, iniciada em 1850 com o Regulamento 737, dedicado ao Direito Comercial e estendido ao processo civil em 1890 (com breve passagem pelo período em que os Estados detinham competência legislativa na matéria), sob a vigência da Carta de 37 Getúlio Vargas baixou o decreto-lei 1.608/39 e instituiu o CPC, redigido, segundo a determinação do Ministro da Justiça Francisco Campos, por Pedro Batista Martins.
Como escreveu José Frederico Marques, "saímos, enfim, embora não totalmente, do sistema processual que havíamos herdado do direito lusitano, libertando-nos das arcaicas formas procedimentais do processo comum ou romano-canônico".
O Brasil passava pelo período áureo das legislações de caráter nacional, sobressaindo-se, além do CPC, o CP de 40, o CPP de 41, a lei de introdução ao CC de 42, a CLT de 43. Não se tocou no CC de 16, incomparável obra de Clóvis Bevilaqua.
O CPC, promulgado em 18 de setembro de 1939, entrou em vigor no dia 1º de março de 1940. A confirmar a falibilidade do ser humano, 60 dias depois sofreu a primeira alteração, introduzida pelo decreto-lei 2.253, de 30 de maio. Seguiram-se, ao longo de 30 anos, inúmeras outras, no esforço de torná-lo capaz de responder às exigências de celeridade, desde que respeitado o integral direito de defesa (CF, art. 5º, LV).
Em 1961 o recém-empossado Presidente Jânio Quadros designou diversos juristas para procederem à revisão dos códigos em vigor. Revisão, e não revogação. Do CPC foi incumbido o professor Alfredo Buzaid que, em 8 de fevereiro de 1964 (dias antes do golpe de 31 de março), submeteu ao Ministro da Justiça, Abelardo Jurema, anteprojeto precedido de Exposição de Motivos, na qual, como registrou Celso Agrícola Barbi, tentou demonstrar ser indispensável novo código.
Tal como ocorreu com o Código de 39, a legislação processual sancionada em 11 de janeiro de 1973, para entrar em vigor em 1º de janeiro de 1974, padeceu de alterações logo depois; a primeira em 1º de outubro do ano anterior, mediante a lei 5.925. Desde então as mudanças se sucederam, e não cessarão até que ganhe vida eventual e futuro CPC, não se sabe quando.
A quem interessa um novo CPC? Ao povo? Por certo não. Aos advogados? Declara a Ordem dos Advogados do Brasil, pela seção de São Paulo, discordar do projeto, e que deseja vê-lo rejeitado.
Presumo que os patrocinadores da iniciativa de mudança não cogitaram dos perversos efeitos sobre dezenas de milhares de acadêmicos de direito, professores, advogados, procuradores e magistrados, já aterrorizados diante da ameaça de se verem obrigados a esquecer o que aprenderam e a deixar de lado o que praticam e aplicam, para voltar a estudar os fundamentos e imposições de complexo instrumento de trabalho. Códigos, comentários, compêndios de jurisprudência deverão ser descartados, exigindo dispendiosas reposições.
Cabe, por outro lado, indagar quantos membros da Câmara dos Deputados e do Senado estarão, na legislatura que se aproxima, em condições de examinar, debater e chegar a conclusões acerca de projeto do CPC? Conhecendo-se a reputação intelectual de boa parte dos congressistas, e a falta de familiaridade com o tema, a conclusão será lastimosa.
Qual o prazo de validade imaginado para o futuro CPC? A Constituição de 5 de outubro 1988 teve-o fixado em cinco anos, conforme os artigos 2º e 3º, do ADCT. O primeiro determinou que em 7 de setembro de 1993 o eleitorado definiria, mediante plebiscito, a forma e o sistema de governo: república ou monarquia; parlamentarista ou presidencialista? O segundo fixou em cinco anos o espaço para a revisão constitucional. O vírus da fragilidade, daquela que seria a lei acima das demais leis, fora inoculado e, desde então, o que se vê é a Constituição submetida aos caprichos de parlamentares, em constantes mudanças ao sabor dos ventos.
O simples anúncio de novo CPC provoca dúvidas e insegurança entre todos aqueles que militam no mundo jurídico. Quem decidiu que o atual Código deve ser banido? Dado o interesse de que a medida se reveste, antes de se dar andamento ao projeto, cujo conteúdo já se revelou polêmico, o Legislativo deveria pedir a colaboração do Conselho Federal da OAB que, após consultar as seções estaduais, acredito que opinará de maneira desfavorável.
Em benefício da Nação, cujos direitos e interesses devem ser preservados, o ideal é dar continuidade às reformas tópicas e pontuais do CPC, ao invés de se assumir risco imponderável de elaboração de novo Código, em torno do qual gravitam grandes interesses editoriais.
Afinal, se sob o Regulamento 737, o Código de 39 e o de 73, o Poder Judiciário revelou-se incapaz de satisfazer o direito do cidadão "à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (CF, art. 5º, LXXVIII), é inevitável presumir-se que a situação persistirá sob futura codificação processual, eis que a grande culpada pela proverbial lentidão não é a legislação atacada.
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*Ex-Ministro do Trabalho e ex-presidente do TST
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