Migalhas de Peso

Graças a Deus é segunda-feira

Não, amigo leitor, não houve nenhum erro de digitação no título acima. E não, eu realmente não quis dizer sexta-feira. Vou explicar. A ideia para este artigo surgiu há uns dois meses, quando meu filho de 5 anos - que assim como a mãe, não é muito chegado às convenções sociais - decidiu levar um brinquedo para a escola num dia qualquer.

26/10/2010


Graças a Deus é segunda-feira

Christina Montenegro Bezerra*

Não, amigo leitor, não houve nenhum erro de digitação no título acima. E não, eu realmente não quis dizer sexta-feira. Vou explicar. A ideia para este artigo surgiu há uns dois meses, quando meu filho de 5 anos - que assim como a mãe, não é muito chegado às convenções sociais - decidiu levar um brinquedo para a escola num dia qualquer. Levou e chegou em casa com uma anotação na agenda: "Mamãe, o dia do brinquedo é sexta-feira. Nos demais dias, favor não enviar nenhum brinquedo para a aula".

Não preciso dizer que ele estava decepcionado e eu, é claro, achando tudo uma bobagem, mas desempenhei meu papel de mãe e aproveitei para explicar a ele a importância de cumprirmos regras. Sexta é dia do brinquedo. Nos outros dias, bom, não sei bem o que é que fazem as crianças da idade dele senão brincar mas, enfim, vamos respeitar a rotina acadêmica.

Aí eu me lembrei da sexta-feira casual, aquele dia curioso quando você acaba vendo um umbigo que não deveria ter visto no escritório (não é?) e pensei que esta é a nossa versão adulta e corporativa do dia do brinquedo. Fui ao Google saber qual a origem do "Casual Day", até para saber se ele já ocorreu em algum outro dia da semana que não a sexta e, apesar dele ter nascido nos anos 50 (nos EUA), nunca mudou de dia. E mais: começou com o intuito de "elevar a moral" dos trabalhadores. Como assim? Pois é, os artigos não explicam como foi que a permissão para se vestir de forma mais casual no último dia útil da semana (normalmente) levantaria a moral dos empregados nos demais dias.

Na minha modesta e limitada percepção, sinto que tanto o dia do brinquedo quanto a sexta-feira casual servem para lembrar que o fim de semana está chegando. O fim da semana. Isto é, a mensagem é a de que a semana está acabando, aguente firme aí, pois com ela terminará, ainda que por um intervalo pequeno, aquilo que deve ser a tormenta de ir para a aula ou para o trabalho. Foi quando pensei na contradição disso tudo.

Fico espantada que algumas empresas gastam dinheiro em programas motivacionais que visam a, não sei bem a quê, mas me parecem que visam a convencer os empregados (hoje chamados de "talentos") que trabalhar é legal. É isto. Os talentos precisam ser convencidos de que trabalhar é legal.

E as mesmas empresas, antenadas e abertas a práticas gerenciais atuais - ou nem tanto - adotam a sexta-feira casual para todo o mundo já ir entrando no clima do fim de semana, quando – aí sim – a pessoa fará uma coisa muito mais legal: seja não fazer nada, seja passear, viajar, namorar, surfar, ler, acampar, o que for. Menos trabalhar. Não há aqui uma dissonância cognitiva? Uma clara contradição das duas mensagens?

O mesmo raciocínio, o da contradição, seria aplicável para a permissão de personalizar o ambiente de trabalho. Trazer algumas coisas de casa, em casos extremos até o cachorro, para que o ambiente profissional fique mais confortável ou aconchegante. Ou seja, com mais cara de casa e menos cara de trabalho. Este mundo corporativo moderno é mesmo engraçado...

O que eu quero dizer com tudo isto e, agora sim, explico o título, é que se precisamos de tantas artificialidades para que o trabalho seja considerado uma coisa boa, é óbvio que tem alguma coisa errada. Se o trabalho não for uma coisa boa, ou seja, se o talento não estiver feliz com o que está fazendo, é claro que o melhor dia da semana será sexta-feira, casual ou não, não importa o quanto de programas motivacionais a empresa tenha implementado.

Respeitada a pirâmide das necessidades, eu acredito que a motivação deve vir de dentro do indivíduo e não depender dos estímulos externos. Se a pessoa não estiver feliz fazendo o que faz, todos os dias serão uma tristeza e devo dizer que o domingo será o pior deles, porque no dia seguinte começa tudo de novo. Quem nunca passou por uma crise de choro no domingão (eu já) porque no dia seguinte tem que ir para um emprego que detesta? Ou conviver com gente que dá alergia?

Não vou negar que muita gente adoraria ser tão rico a ponto de só fazer o que gosta, mas meu ponto aqui é que, mesmo tendo contas para pagar, é possível buscar ser feliz no que se faz, ou então a pessoa devia tentar fazer outra coisa. Muitos leitores devem conhecer a estória do John Lennon, cuja tia disse que ele jamais ganharia dinheiro com a música (e depois foi presenteada pelo sobrinho famoso com esta frase gravada em uma placa de ouro).

Tudo bem, você pode não ser o John, o Paul, o George ou o Ringo, mas o seu trabalho pode e deve ser um ambiente estimulante, no qual você possa exercitar e desenvolver o seu melhor lado, aquilo que faça você feliz. Tem que ser um lugar para o qual você vá animado, onde você sinta prazer em conviver com outras pessoas, muitas delas diferentes de você, o que dá a oportunidade de ampliar suas perspectivas de vida.

Mesmo curtindo o fim de semana, como eu curto, o restante da semana não pode ser uma coisa pesarosa. Todos os dias têm que ser tão bons quanto o fim de semana, ou até mais, porque no ano tem muito mais semana do que fim de semana e eu não acho sustentável, para usar uma palavra em voga, que a pessoa passe mais tempo da vida infeliz do que feliz. Meio-feliz não existe. Não permita para você mesmo a mediocridade. Seja inteiro.

Se no fim de semana você se sente infinitamente melhor do que durante a semana, talvez seja aquilo que você faz no fim de semana o que deveria ser o seu meio de vida, o seu ganha-pão. Quanto mais você gostar do que faz, mais talentoso será e melhores serão suas chances de ser bem-sucedido. Não é um clichê.

Talvez não seja o trabalho em si que aborrece você. Pode ser a empresa. A missão e visão da empresa, quando postas em prática, são muito importantes. Se você não se identificar com isto, mude. Pode ser o chefe (muitas vezes é só o chefe). Chefes passam. Ou passe você. Tem gente que vira "o chefe" e também não gosta muito não, preferia ser como era antes. Quem disse que todo o mundo tem que alcançar um lugar mais alto na hierarquia?

Agora pense quando você já foi muito feliz no trabalho – e sinceramente espero que todos tenham esta lembrança. O que fazia você feliz? Se você é feliz hoje, pense o que motiva você. É um projeto interessante? É o aprendizado, as viagens, a flexibilidade de horário? Ou pode ser até mesmo o oposto da flexibilidade, um senso de ordem e rotina na vida (uma vez fiquei sem emprego e senti falta justamente de ter o compromisso de sair de casa, não é doido isto?). Conheça a si mesmo e não admita menos para você do que você acha que merece.

E se o "vestir casualmente" é uma coisa ótima para você, talvez o seu ambiente de trabalho ideal seria aquele no qual você pudesse ser todo dia mais informal. Para mim, ser casual é um estado de espírito. Por mais formal que eu esteja por fora, seja na roupa, seja na atitude, estou por dentro com a alma leve. Se não fosse assim, eu não faria bem o que faço e provavelmente não o faria de jeito nenhum. Sendo feliz na segunda-feira, na terça, na semana toda. E também, é claro, no fim de semana.

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23/9/10 - "O poder da escolha" - Josie Jardim - (clique aqui)

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*Gerente Jurídico, Regulatório e Relações Governamentais da Edwards Lifesciences - Latin America e integrante do grupo Jurídico de Saias








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