O lixo nosso de cada dia
Arthur Rocha Baptista*
A Inglaterra se desculpou, a Scotland Yard investigou e logo três homens seriam presos, entre eles um cidadão brasileiro chamado Julio César Rando da Costa, fundador da empresa responsável pela exportação do lixo para o Brasil. O empresário responde pelo crime em liberdade e a sua empresa, Worldwide Biorecyclables, foi condenada pela corte comercial inglesa a indenizar a transportadora marítima em valores superiores a dois milhões de reais. Segundo reportagem da Revista Piauí (edição de agosto de 2009), o empresário também estaria envolvido com a importação de pneus usados, prática que veio a ser proibida pelo STF.
Em âmbito interno, o caso serviu como um alerta da vulnerabilidade de nossos portos. Pode-se sugerir até que o incidente tenha contribuído para a recente aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, cujo PL tramitou por mais de vinte anos no Congresso Nacional. A nova lei proíbe expressamente a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, reforçando a vedação legal instituída em 1991 por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.
Pois a remessa de lixo da Europa é notícia outra vez, com destaque para a atuação eficaz da Receita Federal, que identificou a tentativa de importação de mercadorias classificadas como polímeros para reciclagem, tal qual ocorrera em 2009. O contêiner foi localizado e aberto, revelando 22 toneladas de mais lixo europeu. As notícias dão conta de que o novo lixo seria de origem tcheca e teria sido carregado no porto alemão de Hamburgo e exportado a mando de uma empresa chinesa. Transportado a bordo de um navio sul-coreano, o lixo foi desembarcado no porto de Rio Grande. Havia até uma minhoca (viva!), cuja nacionalidade está sendo investigada.
Em números, 22 toneladas representam a quantidade diária de lixo produzido por uma cidade brasileira de 28 mil habitantes. Por outra, um brasileiro levaria 75 anos para encher um contêiner com a própria produção de lixo. Não é pouco, ainda que pareça insuficiente para justificar a tese de trafico internacional de lixo. No mais, trata-se de lixo comum, doméstico, cujo manejo não é assim tão caro, ao contrário dos rejeitos eletrônicos e químicos.
A nova apreensão de lixo europeu pode ser um teste a eficiência da fiscalização brasileira, conforme aventado pelo diretor de qualidade do IBAMA. Pode ser também uma mera tentativa de fraude, levando em conta que o exportador promove o enchimento da carga e lacra o contêiner, cabendo a ele declarar a natureza, o peso e o valor da mercadoria. No ato do recebimento da carga "declarada", o transportador emite um documento chamado conhecimento de embarque, que vale como um título de crédito e pode ser endossado ou negociado com bancos. Assim como o emitente de um cheque sem fundo, o exportador que presta declarações falsas comete o crime de estelionato.
Ainda que a dinâmica do comércio internacional não permita a inspeção de todos os contêineres que entram ou saem do país, é imperioso que o governo Federal invista no melhoramento permanente da fiscalização de nossas fronteiras a bem de coibir o trafico de armas e drogas, o contrabando, as fraudes, etc. Quanto ao lixo, o ideal seria que cada um cuidasse da sua cota.
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*Advogado do escritório Advocacia Rocha Baptista
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