Análise de impacto regulatório no Brasil
Ivan César Ribeiro*
Wladimir António Ribeiro**
Um aspecto menos observado é o custo dessas regulações. A conformidade com novas legislações exige gastos com advogados, contadores, consultores financeiros, a atualização de sistemas de informática e o treinamento de pessoal. Os custos indiretos também não são desprezíveis, e na área financeira inclui o desestímulo aos negócios em determinada área de negócios ou país. Procedimentos como a Análise de Impacto Regulatório (RIA na sigla em inglês) e métodos como a Análise de Custos e Benefícios (CBA na sigla em inglês) tentam introduzir racionalidade no processo de regulação.
Essas abordagens, embora tenham sido originalmente desenhadas para setores como infraestrutura, saúde e regulações de segurança, têm sido cada vez mais empregadas na regulação financeira. As resistências iniciais a sua aplicação vão sendo aos poucos contornadas. Por exemplo, perguntou-se nos Estados Unidos se a CBA deveria ser aplicada às assim chamadas agências independentes - incluem-se entre essas as agências de regulação financeira -, ou se estaria adstrita às agências executivas. Enquanto as primeiras gozariam de grande autonomia, não podendo, por exemplo, ter seus diretores demitidos pelo executivo, as segundas poderiam sofrer uma intervenção maior. A preocupação seria a de a CBA configurar uma interferência indevida no processo de regulação.
A maioria das opiniões legais no país, entretanto, sustentam que não existe incompatibilidade na aplicação da CBA às agências independentes. Uma série de decisões judiciais em 2005 e 2006, por exemplo, demandou que a Securities and Exchange Comission (SEC) detalhasse e estendesse a análise de custos e benefícios das regulamentações que propõe. Tendo sido o modelo americano um dos inspiradores das novas agências criadas no Brasil a partir da década de 90, alguns poderiam imaginar que as análises de impacto regulatório também estariam autorizadas no país. O assunto, entretanto, ainda é polêmico e merece análise.
Alguns doutrinadores ainda questionam as agências brasileiras, aventando possível inconstitucionalidade em sua competência de editar normas. Segundo essa corrente, à exceção da Anatel e ANP, com delegação expressamente prevista na Constituição Federal (artigos 21, XI, e 177, parágrafo 2º, III - clique aqui), não poderia o legislador delegar o poder de regulamentar leis, já que essa competência é privativa do chefe do Poder Executivo. A regulação de matéria não disciplinada ainda em lei também não estaria autorizada, visto que regulamentos autônomos não têm fundamento constitucional no Brasil.
Contudo, a posição hoje hegemônica é a que reconhece o poder normativo das agências, entendendo que a Constituição permite à lei reconhecer essa competência. Não se confunde o poder regulamentar, do chefe do Poder Executivo, com a competência de editar normas, muitas delas de conteúdo técnico ou previstas em contratos ou outros instrumentos. A lei genérica e abstrata do constitucionalismo clássico é insuficiente para os desafios sociais e econômicos atuais, sendo natural que se reconheça a órgãos do Executivo o poder de editar normas que completem o seu sentido, inclusive garantindo que alcancem eficácia. Contudo, tal poder normativo cada vez mais exige a transparência e a explícita motivação, demandando processos participativos e públicos.
A motivação do ato normativo, assim, passa a ser essencial. Com isso, as análises de impacto regulatório não tratam de uma ingerência na sua independência. Além disso, como ficou evidente, a solução doutrinária encontrada pelos americanos não pode ser aplicada ao problema no Brasil, em que a solução é mais simples. A Análise de Impacto Regulatório e o uso de técnicas de avaliação de custo e benefício podem ser entendidos como parte da motivação do ato administrativo. O rigor nessas avaliações deve ser observado, sob pena de nulidade do decreto, resolução, circular ou qualquer outro ato. Como clássico de nosso direito administrativo, motivação insuficiente ou viciada invalida o ato administrativo.
O terreno, portanto, parece pronto para a extensão das avaliações dos efeitos da regulação para o setor financeiro, restando apenas à administração publica se preparar tecnicamente para a tarefa.
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*Especialista em impacto da regulação financeira, ex-pesquisador do John Olin Center on Law and Economics da Universidade de Yale e master of laws da mesma universidade
**Advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra
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