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Estado forte: carta aberta aos candidatos

Não há dúvida de que o desempenho do exercício do poder público seja aferível pela qualidade das relações entre os agentes públicos - políticos e burocratas - e os cidadãos, a quem os primeiros devem servir de modo eficaz e eficiente, a fim de lograrem sucessivos e indiscriminados ganhos de bem-estar coletivo, em rica homenagem ao ideário republicano.

5/8/2010


Estado forte: carta aberta aos candidatos

Marco Aurélio Borges de Paula*

Não há dúvida de que o desempenho do exercício do poder público seja aferível pela qualidade das relações entre os agentes públicos - políticos e burocratas - e os cidadãos, a quem os primeiros devem servir de modo eficaz e eficiente, a fim de lograrem sucessivos e indiscriminados ganhos de bem-estar coletivo, em rica homenagem ao ideário republicano, já que, afinal, o povo é o titular do poder (princípio da soberania popular). Trocando em miúdos: a razão de ser do Estado é toda externa, pois que a sua atuação deve estar sempre direcionada à coletividade, ao bem comum, a todos nós. Mas o resultado satisfatório desta atuação dependerá, é verdade, da maneira como tais relações se desenrolarem.

Ora, se a Constituição Federal de 1988 (clique aqui) estabelece que o Brasil é uma República (art. 1.º), e se o povo é o titular do poder constituinte originário (poder que rompe com a ordem jurídica anterior, criando-se um novo Estado, tal como ocorreu com a CF/88 relativamente à Constituição de 1967), será de concluir que o Estado brasileiro terá de estar sempre aberto ao diálogo com todos os cidadãos e grupos sociais (Peter Häberle), sem distinção de qualquer natureza, vez que só assim os agentes públicos terão condições de conhecer e apreender os valores, os interesses e as aspirações de cada membro da sociedade civil. A bem da verdade, tais agentes não estarão a fazer outra coisa senão promoverem a legitimidade e a eficiência do sistema político, uma vez que, como refere o conceituado cientista político David Easton (Universidade da Califórnia), este sistema é concebido como o processo de conversão das demandas dos cidadãos - inputs do sistema política - em decisões que as satisfaçam - outputs do sistema. Daí porque Easton compara o sistema político com uma enorme e complexa fábrica cuja finalidade é a transformação de matérias-primas em produtos acabados. Enfim, o sistema político e o meio-ambiente que o rodeia estão ligados por uma relação de input-output.

Tem-se, dentro dessa relação, a tomada do poder pela autoridade que o legitima, visto que tal abertura sistêmica acomoda o poder sob as vestes do consentimento dos cidadãos. Segundo Paulo Bonavides (um dos maiores constitucionalista do Brasil), "quanto mais consentimento mais legitimidade e quanto mais legitimidade mais autoridade". Lembremos, a propósito, do filósofo francês Jacques Maritain, para quem a separação entre poder (potestas) e autoridade (auctoritas) equivale à tirania, é dizer, à separação entre a força, de um lado, e a liberdade e a justiça, de outro.

Recordando o que escrevemos em outro sítio, insta frisar, ainda que de passagem, que a regulamentação do lobby (clique aqui) é de fundamental importância para o amadurecimento da democracia indireta – conformada pelos institutos da delegação, da representação, da eleição e do mandato –, porquanto não se cogita falar em princípio representativo enquanto os agentes políticos permanecerem confinados em seus casulos, alheios, de modo inescrupuloso, ao que se passa, por exemplo, no "inferno exterior". De fato, como bem observou Clement Attlee (festejado ex-primeiro-ministro inglês do período de 1945 a 1951), "não podemos criar um céu no interior e deixar um inferno no exterior" ("we cannot create a heaven inside and leave a hell outside and expect to survive"), nem acolher, dissimuladamente, alguns poucos indivíduos neste céu (amiúde os mais abastados economicamente), esquecendo-nos dos demais, nomeadamente daqueles que vivem aquém de um patamar mínimo de existência, sem desfrutar, por isso, de um quinhão de liberdade.

Nestes termos, quanto mais amplo e transparente for o canal para a articulação das demandas dos cidadãos, isto é, para a introjeção de informações privadas na esfera pública (inputs), tanto mais legítimas e eficientes serão as decisões coletivas (outputs) e, pois, o exercício do poder.

Ocorre, porém, que fatores há que inibem esta presumida legitimidade e eficiência, como, por exemplo, a falta de vontade política daqueles a quem compete a promoção e a garantia da liberdade e da igualdade de todos os homens. Assim é que os dois projetos de lei sobre a regulamentação do lobby (PL 203/89 - clique aqui e PL 1202/07 - clique aqui) estão "engavetados" no Congresso Federal, o que dificulta, quando não torna impossível, o acesso de muitos cidadãos (sobretudo dos menos abastados economicamente) aos centros de decisões políticas e, é claro, à satisfação de suas necessidades. Como registra Rodolfo Viana Pereira em sua tese de doutoramento defendida na prestigiada Universidade de Coimbra (Portugal), um dos efeitos adversos da prática pura da democracia representativa é a colonização do "lugar da política" por um número extremamente reduzido de pessoas. Ora, não é difícil de perceber quão desumana e potencialmente tirana afigura-se este tipo de limitação da esfera pública – "esfera de formação pública e não coagida da opinião e vontade dos membros de uma comunidade política e democrática sobre a regulação dos assuntos públicos" (Bernhard Peters). Já dizia Manuel Jacinto Nunes (admirado político português, Doutor Honoris Causa em Economia pela Universidade de Coimbra), com invulgar sabedoria, que a "fome é um flagelo consentido pelo homem".

Se assim o é relativamente à democracia representativa, argumentos não faltam para enaltecerem o acréscimo dos indicadores de legitimidade que deriva da democracia participativa, como seja o estreitamento das relações entre a sociedade civil e os agentes políticos, de cuja dinâmica deflui um diagnóstico muito mais amplo, fidedigno e humanista sobre as legítimas prioridades da população, inclusive aquelas que habitam o imaginário dos indivíduos cujas vozes são comumente ceifadas através de um deslocamento centrífugo no tocante aos centros de decisão coletiva, pelo que o lugar da política passa a ser descolonizado ou, como diria o poeta português Miguel Torga (1907/1995), "universalizado", um "local sem paredes", onde os deslembrados e os desconhecidos passam a ter voz e a sentirem-se úteis e integrados à esfera pública.

Tem-se, diante disto, que a superação do déficit de legitimidade da prática pura da democracia representativa dar-se-á a partir da abertura do Estado à efetiva (frise-se o "efetiva"!) participação dos cidadãos nas decisões coletivas, isto é, por meio de uma abertura que incite a vociferação dos cidadãos (inputs) quando da tomada das decisões públicas que lhes digam respeito, principalmente na gestão, que, segundo Bernardo Kliksberg, "é o que dá forma às políticas efetivas" (outputs). O progresso fatual dos mecanismos de participação será, assim, um fator que emprestará equilíbrio à democracia representativa e, portanto, ao sistema político.

Em última análise, o que se quer garantir é a eficiência do processo de transformação de interesses privados em interesses públicos, beneficiando todos os membros da sociedade civil através de uma fiel adequação das políticas públicas às suas necessidades e aspirações, bem como por meio de avanços significativos na qualidade da prestação dos serviços públicos. Para tanto, tem-se como melhor caminho a vigorosa participação comunitária na gestão da coisa pública, toda ela conformada pela amplitude semântica da proposição republicana, de que são elementos o pluralismo, o consentimento, a tolerância, a dialética, a responsabilidade, a transparência e o controle.

Conclui-se, de uma vez por todas, que a eficiência prestacional é o efeito do fortalecimento da democracia. Como já terá ficado claro, uma "democracia forte" - no sentido dado por Benjamin Barber - é aquela distinguida pela efetividade da participação comunitária nos processos decisórios do Estado ou, em outras palavras, pelo estreitamento qualitativo das relações entre estes atores.

Num momento de campanhas eleitorais, quando avultam expressões outrora adormecidas, importa ter presente que um “Estado forte” será aquele que estabeleça políticas públicas pró-participação, que busque instrumentos (jurídicos, institucionais e financeiros) para impulsioná-la e para garanti-la, "transformando indivíduos privados dependentes em cidadãos livres" (B. Barber).

Resta saber o que os atuais candidatos e candidatas a cargos políticos (Presidente, Governador, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual) estão a pensar, neste momento, sobre o lugar que as pessoas ocupam em suas prioridades.

Passamos a palavra aos(às) senhores(as) candidatos(as).

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ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

BARBER, Benjamin R. Strong democracy. Participatory Politics for a New Age. London: University of the University of California, 1984.

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros, 2001.

BOSCO, Maria Goretti Dal Bosco. Discricionariedade em políticas públicas. Curitiba: Juruá, 2008.

CARDOSO, Fernando Henrique. A democracia necessária. Campinas: Papirus, 1985.

FERRAZ, Sérgio. "Instrumentos de defesa dos administrados". In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de (Coord.). Curso de direito administrativo. São Paulo: RT, 1986, pp. 154-174.

GRAU, Nuria Cunill. Repensando o público através da sociedade. Rio de Janeiro: Revan, Brasília: ENAP, 1998.

HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución. Madrid: Tecnos, 2002.

KLIKSBERG, Bernardo. Mais ética, mas desenvolvimento. Brasília: UNESCO/CNI/SESI, 2008.

MARITAIN, Jacques. Princípios duma política humanista. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1960.

MILLER, Eugene F. "David Easton's political theory". In: Political Science Reviewer, 1 (fall), 1971, pp. 184-235.

PEREIRA, Rodolfo Viana. Direito Constitucional Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 2002.

Doutorando, Mestre e Pós-Graduado em Direito pelas Universidades de Salamanca e Coimbra.

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*Sócio fundador do escritório Borges de Paula Advocacia e Consultoria

 

 

 

 

 

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