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O Insider Trading no Brasil: breves considerações

O presente estudo visa esclarecer em breves linhas, o crime tipificado no art. 27-D da lei 6.385/76. O tipo penal versa sobre o uso indevido de informação privilegiada, ou seja, o chamado Insider Trading.

26/7/2010


O Insider Trading no Brasil: breves considerações

Marcio Zuba de Oliva*

1. Introdução

O presente estudo visa esclarecer em breves linhas, o crime tipificado no art. 27-D da lei 6.385/76 (clique aqui).

O tipo penal versa sobre o uso indevido de informação privilegiada, ou seja, o chamado Insider Trading. Por oportuno, o esclarecimento que a regulamentação jurídico-penal brasileira sofreu forte influência dos postulados e princípios norte-americanos.

No Brasil, as regras aplicáveis à caracterização da prática do insider trading, bem como sobre as sanções aplicáveis estão consubstanciadas nos artigos 153 a 160 da lei 6.404/76 (clique aqui), artigos 4º a 12º e 27º - D (com as alterações da lei 10.303/01 - clique aqui) da lei 6.385/76 e na Instrução CVM 358/02 (com as alterações introduzidas pela Instrução CVM 369/02).

2. Conceito

Conforme o enquadramento legal contido no artigo 27-D, insider trading vem a ser:

"Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários.1"

Nestes termos, é também definido como "a utilização de informações relevantes sobre uma companhia, por parte das pessoas que, por força do exercício profissional, estão 'por dentro' de seus negócios, para transacionar com suas ações antes que tais informações sejam de conhecimento público. Assim, o insider 'compra ou vende no mercado a preços que ainda não estão refletindo o impacto de determinadas informações sobre a companhia, que são de seu conhecimento exclusivo'"2.

Entende-se, ademais, por insider, quem tendo em sua posse uma informação privilegiada, e dela procurar obter benefícios, será susceptível de integrar a previsão legal da norma incriminadora3.

Logo, é possível dizer que a ação influenciadora existente no Mercado Financeiro decorrente das informações obtidas de forma privilegiada, aliados a pretensão de se obter benefícios com tais prerrogativas, é o chamado insider trading.

3. Bem Jurídico

Em que pese ser uma discussão prolongada e nada pacífica, a identificação do bem jurídico tutelado é objeto de valiosas ponderações.

Isso porque, segundo a doutrina há contextos e posições distintas de proteção, senão vejamos: (a) A tutela patrimonial dos investidores; (b) A tutela da igualdade dos investidores4; (c) A tutela da confiança dos investidores5; (d) A tutela dos interesses da sociedade emissora dos valores mobiliários; (e) O correto funcionamento do mercado de valores mobiliários6.

Entretanto, seguindo o entendimento de João Carlos Castellar7, o bem jurídico tutelado no crime de uso indevido de informação privilegiada é a confiança imperativa no mercado de valores mobiliários, pois este é o bem que estimula os investidores a aplicarem seus recursos neste mercado.

4. Tipo

4.1. Tipo Objetivo

Para a caracterização do dispositivo legal, faz-se necessário uma interpretação do núcleo do tipo, ou seja, do verbo utilizar.

O agente deve utilizar a informação privilegiada, negociando, em seu nome ou no de terceiros, com valores mobiliários, sendo que esta informação de que se vale o insider deve ser relevante e capaz de propiciar vantagem indevida, para si ou para outrem.

De imediato, o tipo objetivo pressupõe o acesso pelo agente de uma informação relevante. Por conseguinte, esta informação deve fazer referência a valores mobiliários que o agente negociará. Por último, a negociação com estes valores deve se dar no âmbito de um mercado organizado8.

4.2. Tipo Subjetivo

O tipo subjetivo pressupõe o especial fim de agir, no sentido de o agente obter ou proporcionar para si ou para outrem vantagem indevida na negociação com valores imobiliários.

E, tratando-se de crime material ou de perigo concreto, a conduta tem que ser apta a gerar vantagem indevida para o agente com a negociação da informação relevante.

Desta forma, a utilização de informação relevante deve ter o objetivo de lucro ou prejuízo, para si ou para terceiro, por meio de negociação viciada.

5. Informação relevante ou privilegiada

A Comissão de Valores Mobiliários definiu por meio da Instrução Normativa n° 358/02 o conceito de fato relevante. O artigo 2° elenca o rol de atos ou fatos considerados relevantes9.

Entretanto, a informação relevante pode ser definida como "aquela que se inclua na definição prevista na norma emanada pelo órgão regulador e fiscalizador do mercado de capitais"10.

De toda forma, para a adequação ao tipo penal do insider trading a informação tenha que ser precisa, factível e possível de ser verificada quanto ao seu conteúdo11.

Logo, não basta apenas e por si obter a informação relevante. É necessário que a utilização dessa informação, apresente ao menos um potencial lesivo. Para tanto, deve-se fazer um juízo de comparação entre o uso da informação e os efeitos possíveis relativos à reação do mercado12.

Ainda assim, a informação tende a ser aquela relacionada à administração ou à atividade das companhias emissoras, que seja capaz de influenciar no valor dos valores mobiliários ou na decisão dos investidores em exercer seus direitos de titularidade sobre tais valores.

6. Sujeito Ativo e Sujeito Passivo

Tratando-se de crime que precipuamente tem como sujeito ativo aqueles obrigados, por força de lei ou de contrato, ao dever de sigilo, quais sejam: os administradores (art. 155 da lei n. 6.404/76); conselheiros e diretores (art. 145 da lei n. 6.404/76); integrantes de órgãos técnicos e consultivos (art. 160 da lei n. 6.404/76); os subordinados ou terceiros de confiança dos administradores (art. 152 § 2° da lei n. 6.404/76); os membros do conselho fiscal; os acionistas controladores e minoritários (art. 22, V, da lei n. 6.385/76); pessoas que prestam serviços jurídicos ou contábeis à companhia, que também são investidas por lei, do dever de sigilo; os agentes privados que atuam no âmbito do mercado de valores mobiliários; os agentes públicos encarregados da fiscalização do setor e também aquelas referidas na Instrução CVM 358/02 (art. 13, §§ 1° e 2°).

Desta forma, cabe ao sujeito ativo a "posição de garante" ao dever de sigilo, ou seja, ficam obrigados, por força de lei ou contrato, a impedir a lesão a um bem jurídico, amparado por uma norma proibitiva. E, a "posição de garante" não pode ser imputada a qualquer pessoa, senão àqueles, que em razão de sua especial proximidade com tal bem, estejam investidos nesta qualidade.

O garante atende a um seletivo e imperativo, dever de agir, que se erige da assunção à prevenção de um risco. É dizer, que implica na subjetiva exigência de resguardar bens jurídicos, amparados por uma norma proibitiva13, sendo discutível a questão da co-autoria.

No que tange ao Sujeito Passivo, existem duas vertentes:

A primeira, em que o bem jurídico visa tutelar a confiabilidade do mercado de capitais, o sujeito ativo é o Estado, pois, principal interessado pelo regular funcionamento do mercado de valores mobiliários. Já o sujeito ativo secundário seriam aqueles que tenham sofrido danos patrimoniais.

Noutro pesar, aqueles que entendem como sendo o bem jurídico protegido o patrimônio do investidor, o sujeito passivo é o próprio investidor.

7. Sanção Penal

A sanção prevista para o delito é de 1 a 5 anos de reclusão e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita. Importante esclarecer, ademais, que é crime de ação penal pública incondicionada.

8. Conclusão

Procurou-se de forma sucinta abranger as idéias que giram em torno do delito denominado de Insider Trading.

O uso de informação relevante como é legalmente definido, merece especial atenção principalmente se considerarmos que o bem jurídico tutelado é a confiança dos investidores. Por óbvio, são estes que movimentam e tornam interessantes as perspectivas de ganho financeiro.

Na legislação comparada há uma maior discussão e melhores definições para os chamados Crimes contra o Mercado de Capitais, o que, até então, tem sido pouco debatido na doutrina nacional, em que pese às influências norte-americanas, espanholas, portuguesas etc.

Por fim, considerando-se que o Mercado de Capitais assume relevante contribuição dentro de uma economia globalizada faz-se necessário a intervenção do direito penal como forma de coibir condutas típicas que vulnerabilizam o mercado e prejudicam os investidores.

ALONSO, Leonardo. Crimes Contra o Mercado de Capitais. Dissertação de mestrado apresentada a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 2009.

AMARAL, Nunes Peixoto do. Insider Trading ao serviço do terrorismo. In: COSTA, José de Faria; SILVA, Marco Antonio Marques da Silva. Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2006.

CASTELLAR, João Carlos. Insider Trading e os novos crimes corporativos. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008.

https://www.bcb.gov.br/pre/leisedecretos/Port/lei6385.pdf

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404consol.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10303.htmInstrução

https://www.cvm.gov.br/asp/cvmwww/atos/exiato.asp?File=%5Cinst%5Cinst358.htm

https://arquivos.ibmecsp.edu.br/Hotsite/lawnews/edicao05/2003_03.asp

https://www.direitonet.com.br/artigos/perfil/exibir/86927/Jose-Carrazzoni-Jr

QUIROGA, Jacobo López Barja de. El Insider Trading. In. Anuario de Derecho Penal Y Ciencias Penales. Madri: Centro de Publicaciones Del Ministerio da Justicia.

______________

1 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404consol.htm. Acesso em 26.06.2010.

2 CASTELLAR, João Carlos. Insider Trading e os novos crimes corporativos. Apud EIZIRIK, Nelson. "Insider Trading" e responsabilidade. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008. p. 108.

3 AMARAL, Nunes Peixoto do. Insider Trading ao serviço do terrorismo. In: COSTA, José de Faria; SILVA, Marco Antonio Marques da Silva. Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 1055.

4 AMARAL, Nunes Peixoto do. Op. Cit. p. 1065.

5 CASTELLAR, João Carlos. Op. Cit. p. 104. Apud ARROYO ZAPATERO, Luis. El abuso de información privilagiada em El Derecho español vigente y em el proyecto de código penal. Hacioa um Derecho Penal Econômico Europeo – jornadas em honor Del Professor Kalus Tiedemann. Madri: Boletin Oficial Del Estado, 1955. p. 55.

6 AMARAL, Nunes Peixoto do. Op.cit. p. 1069.

7 CASTELLAR, João Carlos. Op. cit. p. 108.

8 CASTELLAR, João Carlos. Op. cit. p. 109.

9 "Parágrafo único. Observada a definição do caput, são exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes:

I - assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva;

II - mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas;

III - celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia;

IV - ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa;

V - autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro;

VI - decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta;

VII - incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas;

VIII - transformação ou dissolução da companhia;

IX - mudança na composição do patrimônio da companhia;

X - mudança de critérios contábeis;

XI - renegociação de dívidas;

XII - aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações;

XIII - alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia;

XIV - desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição de bonificação;

XV - aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas;

XVI - lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em dinheiro;

XVII - celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento público;

XVIII - aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua implantação;

XIX - início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de produto ou da prestação de serviço;

XX - descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da companhia;

XXI - modificação de projeções divulgadas pela companhia;

XXII - impetração de concordata, requerimento ou confissão de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia".

10 Op. cit. p. 102.

11 ALONSO, Leonardo. Crimes Contra o Mercado de Capitais. Dissertação de mestrado apresentada a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 2009. p. 128.

12 Op.cit. p. 129.

13 Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/perfil/exibir/86927/Jose-Carrazzoni-Jr. Acesso em 12.07.2010.

________________

*Advogado do escritório Reale e Moreira Porto Advogados Associados

 

 

 

 

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