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Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários

Recente julgamento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul trouxe à tona, mais uma vez, a discussão sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários.

28/3/2005


Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários


Marina Morais Pacífico*

Recente julgamento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul trouxe à tona, mais uma vez, a discussão sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários.

Com o advento da Lei nº 8078/90, teve início discussão a respeito de sua aplicabilidade aos contratos celebrados pelas instituições financeiras. Os que defendiam sua não incidência argumentavam (i) não ser possível a utilização do crédito fornecido mediante os referidos contratos por destinatários finais, uma vez que, por sua própria natureza, destinar-se-iam à circulação e (ii) ao se tratar de crédito/dinheiro, este não poderia ser definitivamente consumido, motivo pelo qual não restaria também configurada relação de consumo.

Com base no disposto no art. 29 do Código de Defesa do Consumidor, os defensores da incidência das disposições consumeristas, alicerçavam seu posicionamento na argumentação de que, as atividades bancárias, ao serem atividades ofertadas onerosamente ao publico, estariam sujeitas ao CDC.

Atualmente, a maior parte da doutrina civilista entende que o CDC é aplicável às operações bancárias. A divergência persiste no tocante à abrangência desta aplicabilidade, seria ela total ou restrita a algumas operações? De ordinário os que ingressam na justiça alegam que, na hipótese do cliente ser enquadrado no conceito de consumidor estabelecido do art. 2° do CDC, só seria consumidor quando tomasse o serviço ou crédito como destinatário final. Na hipótese de enquadramento nos outros conceitos de consumidor contidos no código (denominados por muitos de consumidores por “equiparação”), a atividade bancária seria sempre disciplinada pelos dispositivos de consumo.

O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a matéria, firmou entendimento de que a atividade bancária deve ser disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor. Todavia, as instituições financeiras, ainda buscando acolhida de sua aspiração, qual seja, a exclusão de suas atividades do rol das disciplinadas pelo CDC, tentaram, junto ao Supremo Tribunal Federal, ver declarada a inconstitucionalidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Com tal desiderato, a Associação dos Bancos ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade impugnando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor sobre as atividades bancárias, financeiras, administradoras de cartão de crédito e seguradoras (ADIn 2591), alegando a inconstitucionalidade formal do Código do Consumidor, que em face do que dispõe o art. 192 da Carta Magna, não poderia disciplinar normas bancárias da Constituição, uma vez que esta restringe tal matéria à lei complementar.

O relator da referida ADIn, Ministro Carlos Velloso, em seu voto, defendeu a inocorrência de conflito entre as normas disciplinadoras do Sistema Financeiro e o Código do Consumo, devendo este, segundo o relator, incidir nas atividades bancárias. Estaria excluída dessa hipótese, apenas, a fixação em 12% ao ano das taxas de juros, porquanto esta matéria, conforme decidido na ADIn n° 4-7/DF, deve ser regulada por lei complementar. O Ministro Néri da Silveira, seguindo o posicionamento do Min. Relator, entendeu não haver hipótese de inconstitucionalidade, uma vez não existir conflito entre o CDC e o dispositivo constitucional invocado (art. 192 da CF). A ADIn 2591 ainda está pendente de julgamento, em virtude do pedido de vista do Ministro Nelson Jobim, para exame da matéria.

Com efeito, ainda se pode argumentar a existência de um “quê” de dúvida quanto à aplicabilidade das normas consumeristas às atividades bancárias, já que, até o momento, não há posicionamento em definitivo do STF sobre a questão. Todavia, com amparo na melhor doutrina aplicável à matéria, independentemente do critério utilizado, o Direito do Consumidor deve preponderar regendo as relações com preferência sobre o Direito Bancário. Seja porque, cronologicamente, a legislação consumerista é posterior; ou porque, com base no critério da especialidade, na busca de balancear as diferenças existentes entre partes contratantes, a isonomia acarretaria a incidência das normas do consumidor; ou, ainda, pelo critério constitucional, com base no qual a incidência do Código do Consumidor será indiscutível, já que este atende melhor ao clamor pela dignidade da pessoa humana, do que a legislação bancária de cunho meramente patrimonialista.
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*Advogada do escritório Martorelli e Gouveia Advogados









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