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A inviolabilidade do advogado e as buscas em escritórios de advocacia

A inviolabilidade do advogado que deveria ser absoluta, até para garantia e respeito ao Estado Democrático de Direito, foi por vezes desprezada de várias formas.

26/5/2010


A inviolabilidade do advogado e as buscas em escritórios de advocacia

Marco Antonio Marques da Silva*

A inviolabilidade do advogado que deveria ser absoluta, até para garantia e respeito ao Estado Democrático de Direito, foi por vezes desprezada de várias formas. A dignidade da pessoa humana é o reconhecimento constitucional dos limites da esfera de intervenção do Estado na vida do cidadão e por esta razão os direitos fundamentais, no âmbito do poder de punir do Estado, dela decorrem.

Assim, o acesso à justiça, como direito fundamental, para ser pleno e eficaz deve ter assegurada a defesa técnica, por operadores de direito habilitados para esse mister.

A Constituição Federal Brasileira (clique aqui) no artigo 133, dispõe que: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos termos da lei."

Além disso, na legislação ordinária brasileira está explícito que o advogado deve: "ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB (artigo 7º, inciso II, da lei 8.906/94 - clique aqui)."

Entretanto, essa inviolabilidade por vezes é questionada por órgãos policiais, inclusive por membros do MP, que atribuem aos advogados privilégios ilegais; sugerem alguns, afronta ao princípio da isonomia, podendo ser um impedimento às investigações.

A mencionada inviolabilidade que deveria ser absoluta, até para garantia e respeito ao Estado Democrático de Direito, acabou sendo desprezada em certas ocasiões.

Primeiro, através de interceptações telefônicas e utilização das conversas privadas entre advogado-cliente como meio de prova desfavorável ao averiguado. Segundo, por intermédio de invasões de escritórios de advocacia, colocando em risco a privacidade que deveria nortear a relação com os contratantes.

Esses acontecimentos geraram uma revolta da classe dos advogados, pois ações desnecessárias de polícia judiciária puseram em risco o exercício da profissão; colocaram uma infundada suspeita sobre os advogados que passaram a ser considerados criminosos.

No Estado Democrático de Direito não se pode admitir tamanho abuso. As instituições públicas devem ser fortes o suficiente para compreender que podem desenvolver com eficiência sua missão de investigar, processar e julgar condutas criminosas, sem ferir a ética, sem desrespeitar as leis e sem aniquilar o direito de defesa, em especial a livre atuação do advogado.

O ponto básico do reconhecimento do Direito à liberdade, no sentido apresentado, decorre do fundamento da dignidade humana, sendo qualquer excesso por parte do poder público odioso.

Muitos dos advogados que tiveram seus escritórios invadidos não cometeram crimes; raramente estavam envolvidos nos fatos criminosos apurados. Apenas patrocinavam os interesses, de forma profissional, de algum investigado.

A contrário sensu, aqueles advogados que estiverem envolvidos em crimes não possuem o direito de inviolabilidade absoluta, porque não se pode confundir atuação com qualificação profissional. Esta qualificação, de per si, não é significado de isenção de responsabilidade ou impunidade.

Em face dessas ocorrências houve uma mobilização da OAB, sendo editada a lei 11.767/08 (clique aqui), que alterou o artigo 7º do Estatuto da Advocacia, com o intuito de fazer se respeitar a inviolabilidade do local e dos instrumentos de trabalho do advogado, não importando se em escritório próprio e ou em departamento jurídico interno de empresa, já que a lei não fez qualquer distinção.

Além desta inviolabilidade específica, atualmente declarada por lei ordinária, a Constituição Federal já dispunha no seu artigo 5º, incisos X e XI, a garantia da inviolabilidade e intimidade e do domicílio dos cidadãos.

Para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia hão de ser acobertados e considerados locais não abertos ao público, onde se exerce lícita profissão (CP, artigo 150, § 4º, III - clique aqui).

Em boa hora foi promulgada a nova legislação, impondo "a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia."

A única hipótese para a relativização da inviolabilidade é no caso do advogado ser autor de crime. Não há possibilidade de extensão in malan par-tem, como o que genericamente se praticara.

Especificamente, diga-se que o § 6º e o inciso II do artigo 7º da lei 8.906/94 – que são normas válidas e vigentes no ordenamento jurídico brasileiro – não violam o princípio da isonomia consagrado pelo caput do artigo 5º da CF/88.

A norma sob enfoque abrange uma categoria de pessoas: os advogados. Além disso, adota como critério discriminador o exercício da profissão de advogado, que é tido pela Constituição Federal como função essencial à Justiça (artigo 133).

Assim, a busca e apreensão efetivada em desacordo com a lei, passa a ser tida como prova proibida, indevida e de uso vedado (Supremo Tribunal Federal Brasileiro, Habeas Corpus nº 90376, Relator Ministro Celso de Mello).

Inviável qualquer tentativa de mitigação da inviolabilidade e do sigilo profissional do advogado, porque afrontaria diretamente o princípio da legalidade.

A esse respeito, já escrevemos que o princípio da legalidade é, no Estado Democrático de Direito, consequência direta do fundamento da dignidade da pessoa humana, pois remonta à idéia de proteção e desenvolvimento da pessoa, que o tem como referencial.

Não nos esqueçamos que o uso do poder é lícito. Seu abuso é que é ilícito. Todo ato resultante de abuso é intolerável e não pode e nem deve ser admitido, por excesso ou desvio de poder.

Portanto, caso seja realizada alguma diligência, uma busca e apreensão sem os requisitos exigidos pela lei, a prova colhida será considerada como obtida por meios ilícitos, em violação a regra constitucional.

A Carta Magna Brasileira é taxativa (artigo 5º, inciso LVI); qualquer violação, inobstante a fonte e a forma, é qualificada como ilícita. É o que também se vê implementado pelo artigo 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que hoje integra o ordenamento jurídico brasileiro.

À guisa de conclusão, anotamos que a inviolabilidade do advogado deve ser sempre preservada e prestigiada, sob pena de se colocar em risco o Estado Democrático de Direito e a própria essência da Justiça.

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*Desembargador do TJ/SP





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