Importações paralelas e marcas: medidas de precaução
Danielle dos Santos Barbosa*
Múltiplas importações, até mesmo de produtos de marca idêntica, ocorrem a todo o momento e são perfeitamente lícitas, a não ser quando violam a rede oficial e exclusiva de importação e distribuição criada pelo fabricante do produto. Tecnicamente, a expressão importação paralela é utilizada somente para essas importações, que são ilegais. Logo, a palavra "paralela" na expressão jurídica assume uma conotação negativa, de ilegalidade, como a que a mesma palavra assume nas expressões "mercado paralelo" ou "poder paralelo".
Mais precisamente importação paralela é aquela efetuada por pessoas naturais ou jurídicas, fora dos circuitos de distribuição exclusiva existente em determinado território, de produtos genuínos comercializados em outro território pelo titular da marca, seus afiliados ou licenciados. O importador paralelo geralmente adquire os produtos em países onde o preço é baixo, o que torna possível trazê-los com preço inferior ao praticado pela rede oficial de distribuição no país. Cria-se um cenário em que os produtos genuínos importados por terceiros não autorizados competem com os produtos genuínos colocados no mesmo mercado pelo titular da marca ou por terceiros autorizados.
A vedação a esse tipo de importação está fundada no art. 132, inciso III da Lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96 - clique aqui), que estabelece que "o titular da marca não poderá impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com o seu consentimento". Ou seja, se o próprio titular da marca (ou terceiro com o seu consentimento) promover a primeira comercialização do produto no Brasil, esgota-se o direito de controlar as vendas subsequentes do produto no mesmo território por quem quer que seja. Por outro lado, se a primeira comercialização no país for promovida por terceiros sem o consentimento do titular, não se esgota o direito e o titular pode se opor à comercialização.
Em tese parece simples, porém na análise dos casos concretos surge a seguinte questão: como saber se houve ou não consentimento do titular da marca?
Não está claro no texto do dispositivo legal se o consentimento do titular para que terceiros possam colocar o produto de sua marca no mercado brasileiro deve ser expresso (por escrito) ou tácito (implícito na conduta do titular). Nos nossos tribunais tem prevalecido o entendimento de que basta que haja consentimento tácito do titular da marca para que a importação seja reconhecida como lícita.
Recentemente, na fundamentação do acórdão do REsp 609.047 (clique aqui), a 4ª turma do STJ considerou lícita a importação dos multivitamínicos CENTRUM realizada por uma sociedade não participante da rede oficial de fabricação e distribuição no Brasil. Os Ministros reconheceram que houve consentimento tácito do titular da marca porque os produtos eram originais e só poderiam ter sido adquiridos no exterior diretamente do titular da marca ou de terceiros autorizados. Ou seja, o simples fato de que os produtos eram originais foi o suficiente para que se reconhecesse que houve consentimento do titular.
Diante desse posicionamento dos tribunais, o que deve fazer o titular de marca no Brasil para evitar importações paralelas? E, caso elas ocorram, como caracterizar que não houve consentimento tácito para afastar a aplicação do referido entendimento?
É quase impossível evitar que importações paralelas ocorram, pois um titular de marca jamais teria como controlar as vendas de seus produtos por parte de todos os seus afiliados e licenciados ao redor do mundo. O titular de marca pode, através de cláusula contratual, impedir que seus afiliados ou licenciados em outros países exportem para o Brasil ou negociem com sociedades brasileiras. Ainda assim, não há como estender essa obrigação ao adquirente, que poderá comercializar os produtos livremente. Portanto, essa medida não é garantia de que não ocorrerão importações paralelas, mas, caso ocorram, estará expressamente consignado que não houve consentimento tácito do titular no exterior só porque os produtos são originais.
Outra medida para afastar a ideia de que houve consentimento tácito seria a inclusão nas embalagens dos produtos de restrições de comercialização, como, por exemplo, "proibida a venda no Brasil". Estando expresso no próprio produto que a sua venda é proibida no Brasil ou que é destinado a mercados de outros territórios, o importador paralelo não poderia alegar em sua defesa que houve consentimento tácito do titular porque o produto é original.
Por fim, é altamente recomendável que os contratos de licença exclusiva de uso de marca sejam averbados no INPI. Isto porque, quando averbados, produzem efeitos em relação a terceiros. Isto implica em dizer que terceiros são obrigados a respeitar a exclusividade pactuada entre as partes, incluindo se abster de importar produtos assinalados com a marca licenciada. Tendo em vista que não existe meio de atribuir os mesmos efeitos aos contratos de distribuição, recomenda-se que neles seja incluída uma cláusula de licença de marca para que seja possível a sua averbação. A averbação de contratos já foi expressamente admitida como meio para afastar a noção de consentimento tácito.
Como dito, é praticamente impossível evitar importações paralelas e, quando elas ocorrem, o titular de marca ainda deve enfrentar as dificuldades para comprovar que não houve consentimento tácito legitimando tal importação. É, portanto, imprescindível que os titulares de marca que possuem contratos de exclusividade no Brasil estejam atentos às medidas acima relatadas e as adotem, conjunta ou isoladamente, como medidas estratégicas de precaução, independentemente do custo que representem.
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*Sócia do escritório Daniel Advogados
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