Ladrones
Edson Vidigal*
A crônica policial chamava a uns de larápios, a outros de descuidistas. Batiam carteiras, afanavam objetos. Alguns, como no filme de De Sica, roubavam bicicletas.
Os temidos assaltantes circulavam nas trevas, depois da meia noite, e um deles nem precisou de pé de cabra para invadir a inspiração do poeta Déo Silva.
Em boa hora, foi socorrido por suas musas num registro policial que começava assim – Caxias à noite / uma rua, um ladrão e eu / a bolsa ou a vida! / Consultei-as / ambas estavam vazias.
Soube de uma mãe que vivia orgulhosa dos sucessos do filho e mais orgulhosa se mostrava quando ele lhe aparecia em trégua da militância dupla entre exposições e mistérios na capital da República, que era então no Rio de Janeiro.
A vocação para o peculato só a revelou mais tarde, muito depois da mudança da capital para Brasília.
Antes, movia-se timidamente entre estelionatos da boa fé e a bater carteiras de esperanças dos que se quedavam à sua lábia sedutora. A mentira e a traição lhe renderiam depois a fortuna indubitável.
Tirando os tipos assim, e ainda não eram muitos, os larápios de então corriam muito risco, e ai dos que incitassem os faros de detetives como Zé Verde ou de repórter policial como Amado Ribeiro. Nelson Rodrigues que o diga!
A crônica policial dos tempos de agora se ocupa, volta e meia, com delinquentes, em tese, dos cofres públicos, a maioria de nível municipal, e ultimamente deu para falar muito num Prefeito conhecido como Mãos de Ouro.
Do que acusam o alcaide de Satubinha, o qual já está preso depois de ter sido tirado do cargo? De ter contratado serviços sem licitação. De ter contratado fornecimento de materiais para a Prefeitura sem licitação.
Como o Arruda, ao ser preso ainda como Governador de Brasília, o Mãos de Ouro teria perguntado na cadeia – mas, por que eu? E os outros?
Os outros são os corajosos dotados de uma estranha fé capaz de impedir que força alguma remova as montanhas sobre as quais assentam os seus domínios, as montanhas da impunidade.
Daí que milhões e milhões dos cofres públicos saíram ligeiros sem licitação para despesas como essa que os jornais estão falando e que serão realizadas no prazo de até um ano, em dias consecutivos, contados de agora.
Depois que morreram 16 crianças por falta de leito hospitalar em Imperatriz, no sul do Maranhão, o que provocou uma onda de protestos indignados na grande imprensa do País, logo se soube da destinação de 11 milhões de reais para as obras de um hospital.
Para que as estradas sejam recuperadas de modo a que possam ser trafegadas com segurança, a quanto se somará a conta dos mortos nos acidentes?
Entre os problemas mais preocupantes no Maranhão, a corrupção é quase imperceptível para a grande maioria da população, a qual tem para si prioridades mais imediatas.
O Maranhão ainda é hoje, proporcionalmente, o maior enclave do atraso em tudo.
As mais humilhantes das privações humanas, a fome de não ter o que comer e a fome de não ter como saber, esta tecnicamente chamada de analfabetismo, são pandemias crescentes atacando vorazmente a população.
Quem não tem o que comer e nem sabe como saber, como vai entender essa outra questão sistêmica chamada corrupção?
_______________
*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
___________