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Assédio moral na relação de emprego

A contemporaneidade da Revolução Industrial com a Revolução Francesa, que “determinou o surgimento dos direitos fundamentais de primeira geração”1 (civis e políticos), mais tarde ampliados pelos da segunda geração (direitos sociais ao trabalho, à seguridade, à segurança, à moradia e ao lazer), quando o Estado trocou a postura liberal do laisser faire, laissez passer pelo intervencionismo fundado no bem-estar social, dá-nos a visão bastante clara de que o princípio da proteção, fundamento básico do Direito do Trabalho, se consolidou primeiramente com vistas apenas à valorização física do trabalhador.

5/4/2010


Assédio moral na relação de emprego

Alessandra Vanessa E. de Araújo Gonzaga*

A contemporaneidade da Revolução Industrial com a Revolução Francesa, que "determinou o surgimento dos direitos fundamentais de primeira geração"1 (civis e políticos), mais tarde ampliados pelos da segunda geração (direitos sociais ao trabalho, à seguridade, à segurança, à moradia e ao lazer), quando o Estado trocou a postura liberal do laisser faire, laissez passer pelo intervencionismo fundado no bem-estar social, dá-nos a visão bastante clara de que o princípio da proteção, fundamento básico do Direito do Trabalho, se consolidou primeiramente com vistas apenas à valorização física do trabalhador.

Assim também evoluiu a própria luta operária do século XIX: duração e retribuição do trabalho, sistematização científica dos repousos, segurança e salubridade dos ambientes e da prestação do trabalho – um contexto em completa sintonia com a conformação da "herrshaft" (empresa autoritária) que se reconhecia à empresa, distanciando a relação com os subordinados de cogitações sobre a valorização da essência humana do trabalhador e dando foros de emanação normal da autoridade hierárquica ao que hoje, horrorizados, denominamos terror psicológico.

Não admira, portanto, que a primeira reação do juslaboralismo, em termos doutrinários e legislativos, tenha sido de alheamento à problemática do assédio moral, antiga como a própria sociedade, mas não discernida com o mínimo sequer de clareza.

Somente no correr do século XX – mais concretamente, no pós-guerra de 45 – este aspecto cruciante das relações de trabalho começou a emergir nas mentes e consciências para o clamor da realidade pela proteção da essência espiritual do trabalhador, que está muito além da proteção ao valor físico ou social do trabalho. Assim nos informa a doutrina:

"Somente na virada deste século é que o tema passou a receber tratamento jurídico quer por meio da doutrina, da legislação, quer por meio da jurisprudência, embora se afirme que já havia trabalhos sobre o assunto desde os anos 70, sem, contudo, definir o assédio moral e estudando-o juntamente com o stresse e a saúde laboral."

A nova percepção foi fortemente induzida pelas seqüelas vertiginosas da Revolução Tecnológica: assalto antropofágico do emprego pela automação da produção, onda violenta de exclusão social dos desempregados crônicos, selvageria da competição nos dois pólos das relações de trabalho.

O novo desenho traçado por esses fatos sinalizou certos valores fundamentais do homem (honra, dignidade, intimidade, igualdade), mais nobres do que o valor material e os valores sociais do trabalho já cristalizados em norma jurídica, sob o pálio do princípio da proteção, como metas de prioridade máxima do princípio da proteção.

Os valores fundamentais do homem obtiveram consistência definitiva pela paulatina absorção nos estatutos constitucionais sob o rótulo de direitos e garantias fundamentais do cidadão, cujo perfil é também, evidentemente, do trabalhador. Daí vem sendo irradiada para a legislação regulamentar infraconstitucional.

É bom lembrar, a teor de Manoel Jorge e Silva Neto que as constituições (entre elas a brasileira de 1988) ainda não esgotaram o rol dos direitos fundamentais dignos de proteção. Por isso, adverte, inspirando-se em ensinamento de Canotilho:

"Os direitos consagrados e reconhecidos pela constituição designam-se, por vezes, direitos fundamentais formalmente constitucionais, porque eles são enunciados por normas com valor constitucional formal (normas que têm a forma constitucional). A Constituição (clique aqui) admite, porém, outros direitos fundamentais constantes das leis e das regras aplicáveis do direito internacional. Em virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a forma constitucional, estes direitos são chamados direitos materialmente fundamentais."

O assédio moral agride exatamente esses valores humanos fundamentais, agora objeto de tutela jurídica. E em vista de as relações de trabalho, como gênero, e a de emprego, como espécie, oferecerem uma das ambientações mais apropriadas para sua ação, justifica-se o interesse de investigá-lo, equacioná-lo e reprimi-lo que se assenhoreou do Direito do Trabalho.

A violência moral no âmbito do trabalho sempre ocorreu, por conseguinte, somente nos últimos tempos vem sendo vista como um fenômeno que degrada o ambiente de trabalho e conseqüentemente provoca efeitos terríveis á empresa com reflexos na produtividade.

Para melhor entendermos o conceito de assédio moral necessário se faz à separação dos termos, dessa maneira, assédio expressaria o sentido de insistência impertinente, perseguição, pretensão constante em relação a alguém e moral, seria o conjunto de princípios ou valores que pertencem ao domínio do homem, que vai nortear seu modo de agir e de pensar geralmente de maneira virtuosa.

O ato de assédio é imputada uma qualidade moral e esta vai indicar uma ação que tem por substancia constranger, coagir, perseguir com insistência impertinente os princípios e valores morais de alguma pessoa, através de tratamento desrespeitoso, inconveniente, insolente ou ofensivo à dignidade humana.

A principal vitima do assédio moral é a mulher (empregada), pois nas relações de trabalho ela sofre as piores situações vexatórias e constrangedoras, em função da preponderância masculina. Também é certo que qualquer trabalhador que tenha alguma diferença como negros, homossexuais, pessoas portadoras de deficiência e doenças graves como câncer, AIDS dentre outras, são vitimas determinantes do assédio moral, onde há tendências de desvalorização de sua atividade laborativa.

Existem hipóteses em que o empregador abusa do seu poder de direção e impõem metas abusivas aos seus subordinados – limites de faltas, imposição de horários injustificados, criticas assíduas em público, tarefas com instruções imprecisas, atribuições de erros imaginários, revistas humilhantes dentre outras situações.

Pesquisando a respeito do assunto localizei uma decisão onde o juízo condenou a empregadora doméstica a pagar a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por danos morais pelo fato da empregadora denegrir a imagem da empregada diante dos condôminos do prédio, ao dizer que a empregada possuía doença transmissível via contato verbal, pois tinha medo que a mesma contasse aos vizinhos algum segredo da família.

É importante considerar que a Justiça do Trabalho é competente para julgar casos de assédio moral nos termos do artigo 114 da Constituição Federal, quando o fato decorre da relação de trabalho, ou seja, o atentado tem que ocorrer dentro do ambiente de trabalho, na hipótese da ofensa ocorrer fora desse ambiente, por exemplo: empregador encontra o empregado em um restaurante e o ofende, denegrindo sua imagem em pública, a competência é da Justiça Estadual através de procedimento próprio, não cabendo a Justiça do Trabalho decidir.

A jurisprudência trabalhista vem no sentido de punir o empregador, que atua com atitudes vexatórias e degradantes a seus funcionários, vejamos o entendimento dos tribunais:

EMENTA: EXPRESSÕES PEJORATIVAS E PRECONCEITUOSAS – Trabalhador que, por repetidas vezes, é tratado em público por superior hierárquico de forma pejorativa e preconceituosa, procedimento que beira a discriminação racial, tem assegurado o direito de perceber indenização por dano moral. (TRT 12ª R – Proc. RO-V 00357-2003-024-12-00-3 – Ac. 08591/04 – 2ª T – Rel. Juiz C. A. Godoy Ilha – DJSC 10/8/2004).

EMENTA: ASSÉDIO MORAL – PROCEDIMENTO VEXATÓRIO – ABUSO DE DIREITO – DEVER DE BOA-FÉ E DE SOLIDARIEDADE – DANO E INDENIZAÇÃO – A exigência de que o empregado percorra diversos setores da empresa, para verificação de pendências e devolução de material não pode ser aceita sob a justificativa de agilização do processo de dispensa. Ao contrário, configura atitude perversa que, deliberadamente, coloca o trabalhador, já desgastado pela perda do emprego, em situação constrangedora. Trata-se do dever de boa-fé que deve permear o contrato de trabalho e não se encerra na rescisão. Há que se incentivar atitudes de solidariedade, na dispensa, que, além de reduzir os efeitos estressantes do processo demissional, impedirão que o demitido transmita informações negativas sobre a empresa. Há que se observar, ainda, que a defesa do patrimônio, pelo empregador, é lícita, desde que não transborde os limites necessários e atinja o patrimônio moral do trabalhador. Configurado o dano moral, a indenização se impõe, também como medida preventiva da reincidência. Recurso provido, no particular, para condenar o réu ao pagamento de indenização por dano moral. (TRT 9ª R. – Proc. 06689-2001-652-09-00-4 – (10113-2004) – Relª Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJPR 28/5/2004).

EMENTA: ASSÉDIO MORAL – HUMILHAÇÃO POR SUPERIOR HIERÁRQUICO – CARACTERIZAÇÃO – DANO MORAL – INDENIZAÇÃO – "A humilhação constante do empregado perante seus colegas, consubstanciada por adjetivação insultosa e jocosa perpetrada por seu superior hierárquico caracteriza assédio moral, ensejando a reparação do dano correspondente pelo empregador." (TRT 14ª R. – RO 00295.2003.401.14.00-8 – Prol. Juiz Vulmar de Araújo Coêlho Junior – DOJT 5/3/2004).

EMENTA: ASSÉDIO MORAL – REPERCUSSÕES SOCIAIS – A questão da ofensa à moral conflagra um subjetivismo oriundo da própria condição de cada indivíduo. Não se sente menos constrangido o trabalhador que escolhe adotar uma postura conciliadora, preferindo não detonar uma crise no ambiente de trabalho que fatalmente o prejudicará, pois a questão aqui transcende a figura do ofendido, projetando as conseqüências pela supressão do seu posto de trabalho a quem dele eventualmente dependa economicamente. O fantasma do desemprego assusta, pois ao contrário da figura indefinida e evanescente que povoa o imaginário popular, este pesadelo é real. É o receio de perder o emprego que alimenta a tirania de alguns maus empregadores, deixando marcas profundas e às vezes indeléveis nos trabalhadores que sofrem o assédio moral. Exposta a desumanidade da conduta do empregador, que de forma aética, criou para o trabalhador situações vexatórias e constrangedoras de forma continuada através das agressões verbais sofridas, incutindo na psique do recorrente pensamentos derrotistas originados de uma suposta incapacidade profissional. O isolamento decretado pelo empregador acaba se expandindo para níveis hierárquicos inferiores, atingindo os próprios colegas de trabalho. Estes, também por medo de perderem o emprego e cientes da competitividade própria da função, passam a hostilizar o trabalhador, associando-se ao detrator na constância da crueldade imposta. A busca desenfreada por índices de produção elevados, alimentada pela competição sistemática incentivada pela empresa, relega à preterição a higidez mental do trabalhador que se vê vitimado por comportamentos agressivos aliado à indiferença ao seu sofrimento. A adoção de uma visão sistêmica sobre o assunto, faz ver que o processo de globalização da economia cria para a sociedade um regime perverso, eivado de deslealdade e exploração, iniqüidade que não repercutem apenas no ambiente de trabalho, gerando grave desnível social. Daí a corretíssima afirmação do ilustre Aguiar Dias de que o prejuízo imposto ao particular afeta o equilíbrio social. Ao trabalhador assediado pelo constrangimento moral, sobra à depressão, a angústia e outros males psíquicos, causando sérios danos a sua qualidade de vida. Nesse sentido, configurada a violação do direito e o prejuízo moral derivante. (TRT 2ª R. – RO 01117 – (20040071124) – 6ª T. – Rel. Juiz Valdir Florindo – DOESP 12/3/2004).

O agente causador do Assédio Moral pode ser qualquer pessoa da relação empregatícia, tanto empregado como empregador.

O empregado que ocupa ou não cargo de direção na empresa, poderá ter sua conduta agressiva configurada como falta grave ocasionando a demissão por justa causa, conforme determina o artigo 482 alínea "b" da CLT (clique aqui).

O empregador deve ser punido quando comete tal conduta, haja vista a conduta ilícita motivando a rescisão indireta do contrato de trabalho nos termos do artigo 483, alíneas "a", "b" e "c" da CLT, e também uma ação de reparação por danos morais.

Além disso, alguns doutrinadores prelecionam que tais condutas constrangedoras, decorrentes da relação empregatícia, poderão igualmente ser tipificadas como crime de constrangimento ilegal, de acordo com o artigo 146 do Código Penal Brasileiro.

Portanto, assédio moral, ou seja, a exposição prolongada e repetitiva do trabalhador a situações humilhantes e vexatórias no trabalho, atenta contra a sua dignidade e integridade psíquica ou física. De modo que é indenizável, no plano patrimonial e moral, além de permitir a resolução do contrato, dentro outras medidas paliativas e por fim, é necessário que as empresas atentem para necessidade de excluir tais práticas, através de políticas que incentivem o empregado a denunciar a violência moral pelo qual vem sofrendo, é também importante que a empresa de auxilio, tanto psicológico e de resguardo a futuras represálias do agressor.

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1 NETO, Manoel Jorge e Silva, “Curso de Direito Constitucional”, Rio, Lúmen Juris, 2006, pág. 464

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*Advogada Coordenadora do escritório Lins Cattoni Advogados

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