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Preposto no juizado especial cível estadual – desnecessidade de vínculo empregatício – ponto final nos entendimentos contrários – aplicação nos processos em curso

A Lei dos Juizados Especiais no art. 9º, § 4º, na sua redação primitiva, prescrevia que o réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderia ser representado, nos processos de sua alçada, por preposto credenciado.

21/1/2010


Preposto no juizado especial cível estadual – desnecessidade de vínculo empregatício – ponto final nos entendimentos contrários – aplicação nos processos em curso

Sidney Martins*

A Lei dos Juizados Especiais (lei 9.099 - clique aqui) no art. 9º, § 4º, na sua redação primitiva, prescrevia que o réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderia ser representado, nos processos de sua alçada, por preposto credenciado.1

A interpretação desse dispositivo e sua aplicação aos casos concretos ensejaram não só opiniões doutrinárias contraditórias, como também julgamentos dissonantes.

Uns enxergavam que a representação da parte nas audiências dos juizados somente poder-se-ia dar quando o preposto comprovasse que ostentava vínculo empregatício com a pessoa jurídica ou titular de firma individual representada.

Ao passo que, outros, defendiam que a expressão "preposto credenciado" contida no artigo referenciado, estava claramente identificando que o representante deveria tão-só apresentar carta subscrita por quem detinha poderes de representação legal do réu.

A consequência direta de se considerar indispensável vínculo empregatício do preposto é a decretação da revelia do réu que credencie pessoa que não ostente essa qualidade para se fazer presente nas audiências.

Ilustram o antagonismo decisório dos Colegiados Recursais dos Juizados os seguintes arestos:

"RECLAMAÇÃO CÍVEL - INDENIZATÓRIA - DANOS MORAIS - TELEFONIA - ALEGAÇÃO DE COBRANÇAS INDEVIDAS - SENTENÇA CONDENATÓRIA - MATÉRIA DE DEFESA - CERCEAMENTO DE DEFESA - COMPLEXIDADE DA CAUSA - TESES NÃO ACOLHIDAS - DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL - PREPOSTO - VÍNCULO DE FATO E DIREITO COM A PESSOA JURÍDICA NÃO DEMONSTRADO - REVELIA CORRETAMENTE DECRETADA - APLICAÇÃO DO ENUNCIADO 13.4 DA TRU - AUSÊNCIA DE PROVA DA EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO A ENSEJAR A RESPECTIVA COBRANÇA - ÔNUS DA RECLAMADA, DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU - EXEGESE DO ARTIGO 333, II, CPC - CONDUTA ABUSIVA EVIDENCIADA - ENUNCIADO 1.8 DESTA TURMA RECURSAL - DANO MORAL CONFIGURADO - SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO DISSABOR COTIDIANO - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 5.000,00 - AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS QUE AUTORIZEM A REFORMA DO JULGADO - PLEITO DE MINORAÇÃO NÃO ACOLHIDO - VALOR ARBITRADO QUE ATENDE ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO - SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS E JURÍDICOS FUNDAMENTOS."2

"RECURSO INOMINADO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - REVELIA - INOCORRÊNCIA - COMPLEXIDADE DA CAUSA - TESE AFASTADA - COBRANÇA DE VALORES DE MODO INDEVIDO - INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES - IMPOSSIBILIDADE - DANO MORAL CARACTERIZADO SENTENÇA MANTIDA.

1. De acordo com a Lei dos Juizados Especiais, não é necessário que o preposto seja sócio, diretor ou empregado da pessoa jurídica representada, mas tão-somente que esteja credenciado, vale dizer, munido de carta de preposição (inteligência do art. 9º, § 4º, da lei 9.099/95). Entretanto o vínculo do preposto deve ser de fato e de direito. (...)." 3

Aliás, a Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná teve a oportunidade de editar Enunciado proclamando a necessidade de se comprovar o vínculo do preposto com a pessoa jurídica que representa sob pena de lhe ser decretada a revelia.

Diz o Enunciado 13.4:

"Preposto – ausência de vínculo de fato e/ou de direito: O preposto deve comprovar vínculo de fato ou de direito com a empresa que representa, sob pena de revelia."

Pode-se perfeitamente imaginar o que juízos nesse sentido geraram para empresas que têm atuação em todo território brasileiro.

Considerando-se os inúmeros processos decorrentes da atividade e o privilégio de foro para os consumidores, a presença de prepostos empregados em audiências nos mais longínquos rincões, além de inviável, trouxe uma série enorme de prejuízos para tais empresas.

Muitas das vezes o valor da causa ficava até mesmo abaixo dos custos e despesas com o envio de empregados para atuarem como prepostos, o que incitava a proliferação de causas adrede "criadas".

Particularmente, sempre advogamos a inobrigatoriedade da condição de empregado para que alguém pudesse assumir o encargo de preposto na esfera do juizado especial cível.

Bastava que o representante legal da pessoa jurídica credenciasse pessoa capaz para representá-lo nas audiências.

Esse credenciamento formaliza-se mediante simples escrito (carta de preposição).

A razão desse posicionamento vem calcada nas regras basilares de interpretação dos textos legais.

Não pode o intérprete de a lei enxergar dispositivo que nela não se contém.

A interpretação jurídica se faz com o devido respeito à norma legal.

É sabido que o juiz, ao interpretar a lei, não obra segundo a maior ou menor simpatia em relação a qualquer das partes.

Age – ou deve sempre agir –, ao largo de raciocínios motivados pela paixão ou por um pseudo senso de justiça.

O magistrado é um juiz e não um "justiceiro".

Aplicar a lei é observar o limite da norma jurídica sem extrapolá-lo.

Carlos Maximiliano há muito tempo dissertou:

"Cumpre evitar, não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto idéias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos."4

O STF em lapidar acórdão da lavra do Ministro Oscar Corrêa pontificou:

"Não pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular de próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o Juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério."5

Nesse diapasão afigura-se claro que, por não haver no § 4º do art. 9º da lei 9.099/95, qualquer referência a que o preposto seja também empregado da empresa representada, o simples credenciamento já era assaz suficiente.

Quisesse o legislador que o credenciado fosse empregado teria expressamente inserido na norma essa condicionante.

Pois bem!

Sepultando de vez as calorosas polêmicas então existentes, o Poder Legislativo deu cifras definitivas ao assunto trazendo ao mundo jurídico a lei 12.137, de 18.12.2009 (DOU de 21.12.09 - clique aqui).

A Lei referida alterou o § 4º do art. 9º da lei 9.099/95 para emprestar-lhe a seguinte redação:

"Art. 9º ( ... ).

§ 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício."

Observe-se que, a modificação importou na inclusão das expressões "munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício", o que colocou uma pá de cal nos argumentos daqueles que defendiam a necessidade de relação laboral do preposto com a empresa representada.

Ponto final nas discussões que, a rigor, como dito anteriormente, foram provocadas por equivocada aplicação do agora vetusto § 4º do art. 9º da lei 9.099/95 ou por uma construção de exigência sem respaldo legal e divorciado do contexto fático.

Nunca é demais lembrar que os textos de lei devem ser meras representações da realidade social vivida pela comuna.

É a regulação das relações humanas fulcrada nos fatos.

O Direito é um instrumento de ordenação social que tem como base a interação do homem na sociedade.

Não se pode admitir, destarte, que a lei se mostre desviante da realidade social.

No caso da representação de empresas nas audiências conciliatórias não havia qualquer razoabilidade na exigência de vínculo de emprego do preposto.

A função das audiências desse naipe é apenas propiciar a oportunidade de dar solução ao litígio mediante composição entre as partes. E, isso, qualquer pessoa adornada de poderes para transigir atende a finalidade.

Assim, sepultada a injustificada resistência de alguns em aceitar o preposto sem vínculo, remanesce a considerar a questão atinente à incidência dos termos da nova redação do § 4º do art. 9º da lei 9.099/95 aos processos judiciais em andamento.

Seria o caso do que se cognominou chamar de "aplicação da lei no tempo"?

De pronto afirma-se que, a não ser nos processos findos, por ser inequívoca a assertiva de que não é preciso que o preposto seja empregado da ré, deve-se aceitar o simples credenciamento e as decisões contrárias a isso devem ser obrigatoriamente reformadas.

Havendo decretação de revelia, esta há que ser afastada.

Antepõe-se ao enunciar dos fundamentos que sustentam a afirmação precedente, fixar, preliminarmente, que o preceito em apreço, por regular a atuação da parte no processo, caracteriza norma de natureza processual.

A regra no sistema processual brasileiro é da aplicação imediata da norma genuinamente processual.

A lei de introdução ao Código Civil (clique aqui) prevê:

"Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada."

Decorre daí que aos processos findos não se aplicará a lei nova, respeitando-se assim o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, conforme artigo 5°, inciso XXXVI, da CF/88 (clique aqui):

"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;"

Já os processos ainda não iniciados, serão regidos pela lei nova.

Quanto aos processos em curso Cintra, Dinamarco e Grinover fazem alusão aos três sistemas que tentam resolver o problema.6

Segundo o sistema da unidade processual, o processo somente pode ser regulado por uma única lei. Isto porque, apesar de se desdobrar em uma série de atos diversos, o processo apresenta uma unidade.

Portanto, o processo em curso será regido pela lei antiga, sob pena de retroatividade da lei processual nova e prejuízo dos atos praticados anteriormente à sua vigência.

Já no sistema das fases processuais, cada fase processual é autônoma, podendo pode ser disciplinada por uma lei diferente.

Por fim, conforme o sistema do isolamento dos atos, "a lei nova não atinge os atos processuais já praticados, nem seus efeitos, mas se aplica aos atos processuais a praticar, sem limitações às chamadas fases processuais."

O sistema adotado pelo CPC (art. 1.211 - clique aqui) é o sistema do isolamento dos atos, verbis:

"Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes."

Comentando o artigo 1.211 do CPC, Pontes de Miranda ensina que "a lei processual civil é de incidência sobre todos os atos que se vão praticar ou se estão praticando".7

Segundo Coviello, "o efeito retroativo é a aplicação da lei no passado, o efeito imediato, a aplicação no presente. Quando se afirma que a lei "não é retroativa" deve entender-se com isto que ela não se aplica às controvérsias concernentes às situações jurídicas definitivamente constituídas antes de sua entrada em vigor, dentro de certos limites, aos fatos verificados posteriormente, quando sejam conseqüências de fatores anteriores."8

Sobre a aplicação da lei nova aos processos pendentes, leciona Moacyr Amaral Santos que "... válidos e eficazes são os atos realizados na vigência e conformidade da lei antiga, aplicando-se imediatamente a lei nova aos atos subseqüentes. Esta regra ampara até mesmo as leis de organização judiciária, as quais se aplicam de imediato aos processos pendentes".9

A respeito da interpretação do art. 1.211 do CPC, doutrina José Olympio de Castro Filho que "... a nova lei prejudica o ato jurídico perfeito, o direito adquirido ou a coisa julgada? Se não afeta uns e outra, aplica-se a lei nova, nos termos do art. 1.211’".10

Outra ilação que deve ser retirada da nova redação do § 4º do art. 9º da Lei 9.099/95 é a de que o legislador com a inserção de trecho denotando a desnecessidade de vínculo empregatício para o exercício da representação do réu por preposto credenciado somente consagrou o princípio segundo o qual a lei deve atender ao bem comum.

Essa visualização é relevante à medida que identifica que a nova redação não modificou a mens legis vigente antes de seu advento, mas, tornou simplesmente mais claro o texto da disposição para evitar distorções interpretativas.

Não veio a tona uma nova ordem legal.

Com tudo o que foi verberado, pode-se dizer que exclusivamente nos processos com trânsito em julgado é que não é mais possível alterar eventual decisão que considerou irregular a representação da pessoa jurídica (ou de titular de firma individual) por preposto credenciado sem a concomitante condição de empregado da representada.

A contrário senso é de se reputar que nos processos pendentes a representação da parte por preposto credenciado é absolutamente regular, sendo que as decisões divergentes dessa realidade devem sem modificadas por ato próprio do juízo, quando ainda processualmente admissíveis, ou reformadas em sede de recurso.

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1 Lei Federal 9.099/95

2 TJ/PR. Turma Recursal Única. Recurso Inominado nº 2009.0004085-0/0 Relatora: Juíza Ana Paula Kaled Accioly

3 TJ/PR. Turma Recursal Única. Recurso Inominado sob nº. 2008.00009670-0/0. Relatora: Juíza Cristiane Santos Leite.

4 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.103.

5 in Revista Brasileira de Direito Processual. Ed. Forense, vol. 50, p. 159

6 Teoria Geral do Processo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pag. 105.

7 Comentários ao Código Processo Civil, Vol. XVII, 2ªed. Forense, pág. 4.

8 apud Délio Maranhão, ‘Instituições de Direito do Trabalho, Vol. I, 14ªed., pág. 169.

9 Primeiras Linhas de Direito Processo Civil, 1º Vol., Saraiva, pág. 34

10 Comentários ao Código de Processo Civil, X. Vol. 1ªed. Forense, p. 231.

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*Advogado, consultor, palestrante e Coordenador do Núcleo de Direito Público e da Controladoria de Qualidade do escritório Küster Machado - Advogados Associados

 

 

 

 

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