STJ considera ilegal cobrança da taxa de conveniência na venda de ingressos pela internet
Sentença restabelecida foi proferida no âmbito de uma ação coletiva de consumo e por isso tem validade em todo o território nacional.
Da Redação
terça-feira, 12 de março de 2019
Atualizado às 14:39
Nesta terça-feira, 12, a 3ª turma do STJ decidiu ser ilegal a cobrança da taxa de conveniência na venda on-line de ingressos para shows e outros eventos. A decisão tem validade em todo o território nacional.
Por maioria de votos, o colegiado deu parcial provimento ao recurso da Associação de Defesa dos Consumidores do RS (ADECONRS) contra decisão do TJ gaúcho que havia reconhecido a legalidade da cobrança.
Prevaleceu o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. De acordo com ela, a venda de ingressos pela internet, que alcança interessados em número infinitamente superior do que o da venda presencial, privilegia os interesses dos promotores e produtores do espetáculo cultural.
Isso porque, eles conseguem - no menor prazo possível - vender os espaços destinados ao público e obter o retorno dos investimentos até então empregados, transferindo aos consumidores parcela considerável do risco do empreendimento. "Os serviços remunerados pela taxa de conveniência deixam de ser arcados pelos próprios fornecedores."
"A venda do ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica e essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço."
Em seu voto, a ministra pontuou que uma das formas de violação da boa-fé objetiva é a venda casada, que consiste no prejuízo à liberdade de escolha do consumidor decorrente do condicionamento, subordinação e vinculação da aquisição de um produto ou serviço à concomitante aquisição de outro, quando o propósito do consumidor é, unicamente, o de obter o produto ou serviço principal.
De acordo com a relatora, se os responsáveis por um evento optam por submeter os ingressos à venda terceirizada, por meio virtual, devem oferecer ao consumidor diversas opções de compra, em diversos sítios eletrônicos, caso contrário a liberdade dos consumidores de escolha é cerceada, limitada unicamente aos serviços oferecidos pela empresa escolhida, de modo a ficar caracterizada a venda casada.
"A pontencial vantagem do consumidor em adquirir ingressos sem se deslocar de sua residência fica totalmente aplacada pelo fato de ser obrigado a se submeter, sem liberdade, às condições impostas pela recorrida e pelos incumbentes no momento da contratação, o que evidencia que a principal vantagem desse modelo de negócio - disponibilização de ingressos na internet - foi instituída em seu favor dos incumbentes e da recorrida."
Na espécie, a ministra considerou que a ilegalidade verificada não atingiu valores essenciais da sociedade, tampouco possui o atributo da intolerabilidade, configurando a mera infringência à lei ou ao contrato em razão de transferência indevida de um encargo do fornecedor ao consumidor, "o que é insuficiente" para caracterização do dano moral.
O caso
Na origem, a entidade ajuizou a ação coletiva de consumo contra a Ingresso Rápido. Dentre os argumentos, a Associação sustentou a abusividade no fato de o consumidor, apesar de pagar taxa elevada de conveniência para adquirir o ingresso pela internet, ainda ter que se dirigir a um ponto de entrega dos bilhetes ou enfrentar novas filas no dia do evento para validar a compra.
Em 1º grau, o juízo da 16ª vara Cível de Porto Alegre/RS julgou a ação procedente e determinou que a Ingresso Rápido se abstivesse de efetuar a cobrança da "taxa de conveniência", diante da sua ilegalidade, sob pena de multa cominatória.
A juíza de Direito Eliane Garcia Nogueira entendeu que o cliente é indevidamente onerado com um valor adicional na compra de ingressos vendidos pela empresa, pela internet ou através do teleatendimento, sem que haja qualquer serviço diferencial prestado. "O consumidor paga a mais, sem a devida contraprestação, a justificar o adicional", afirmou. .
A Ingresso Rápido recorreu e, em 2016, o TJ/RS considerou legal a cobrança da taxa. O Tribunal considerou que a venda de ingressos pela internet não é o único, nem obrigatório, mecanismo para que os usuários adquiram ingressos para espetáculos ou eventos esportivos, e sim de mera opção, colocada à disposição dos consumidores.
De acordo com a decisão, caso o usuário/consumidor queira garantir seu ingresso pelo sistema convencional, isso é perfeitamente possível e sem a incidência da taxa de conveniência, "desde que, evidentemente, se desloque até os respectivos pontos de venda, nas datas e horários programados, ficando sujeito a eventuais contratempos, tais como filas de espera."
Contra essa decisão a Associação recorreu ao STJ. O recurso foi parcialmente provido pela 3ª turma, nos termos do voto da ministra Nancy Andrighi. Ela explicou que a sentença restabelecida foi proferida no âmbito de uma ação coletiva de consumo e, por isso, tem validade em todo o território nacional. Vencidos, nesse ponto, os ministros Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.
"Os efeitos e a eficácia da sentença coletiva não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo, razão pela qual a presente sentença tem validade em todo território nacional."
- Processo: Resp 1.737.428