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Reconhecimento de pessoas: requisitos e valor probatório

Caderno de jurisprudência de fevereiro/2023.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Atualizado às 10:28

Nosso comentário: Apesar do tema ter sido tratado no caderno de jurisprudência de junho de 2021, surgiram novos julgados sobre o tema nos Tribunais Superiores, inclusive com algumas alterações sobre o entendimento então consolidado no leading case do STJ, HC 598.886/SC (Min. Rel. ROGERIO SCHIETTI CRUZ - Sexta Turma - j. 27.10.2020). Além disso, pretendeu-se verificar como a segunda instância está se posicionando diante do novo entendimento sobre o reconhecimento pessoal (art. 226 do Código de Processo Penal), por meio de pesquisa realizada nos Tribunais de Justiça dos três Estados mais populosos do Brasil (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro).


Supremo Tribunal Federal

Ementa: Recurso ordinário no habeas corpus. Conhecimento. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite o manejo excepcional do habeas corpus como substitutivo de revisão criminal, em casos de manifesta ilegalidade. Condenação fundamentada exclusivamente no reconhecimento fotográfico, embora renovado em Juízo, ambos em desacordo com o regime procedimental previsto no art. 226 do CPP. Superação da ideia de "mera recomendação". Tipicidade processual, sob pena de nulidade. 1. O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa. 2. A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas. 3. A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos. Recurso em habeas corpus provido, para absolver o recorrente, ante o reconhecimento da nulidade do reconhecimento pessoal realizado e a ausência de provas independentes de autoria. (STF - Min. Rel. GILMAR MENDES - RHC 206.846/SP - 2ª Turma - j. 22.02.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6417).

 

Nosso comentário: Nesse julgado, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal superou o entendimento de que o rito procedimental previsto no art. 226 do Código de Processo Penal teria natureza meramente recomendatória. Em votação por maioria (vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e André Mendonça), foram sedimentadas três teses: 1) o reconhecimento de pessoas deve sempre observar, de forma estrita, o procedimento previsto em lei; 2) a inobservância dessas regras torna inválido o reconhecimento, ainda que repetido em juízo, de modo que não poderá fundamentar eventual condenação ou prisão cautelar; e 3) a submissão do investigado a este meio de prova exige a presença mínima de elementos que apontem para a verossimilhança de sua participação no fato investigado.


Superior Tribunal de Justiça

EMENTA: HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que referido o artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: 1.1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 1.2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 1.3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva com base no exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 1.4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

2. Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão n. 4 do mencionado julgado. Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como "etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal", mas apenas como uma possibilidade de, entre outras diligências investigatórias, apurar a autoria delitiva. Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada, mas, se for produzida, deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal. Segundo a doutrina especializada, o reconhecimento pessoal, feito na fase pré-processual ou em juízo, após o reconhecimento fotográfico (ou mesmo após um reconhecimento pessoal anterior), como uma espécie de ratificação, encontra sérias e consistentes dificuldades epistemológicas.

3.Se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica. Se, todavia, tal prova for produzida em desacordo com o disposto no art. 226 do CPP, deverá ser considerada inválida, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar. Mais do que isso, inválido o reconhecimento, não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.

4. Em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n. 206.846/SP (Rel. Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação. Reportando-se ao decidido no julgamento do referido HC n. 598.886/SC, no STJ, foram fixadas três teses: 4.1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa; 4.2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas; 4.3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos.

5. Na espécie, a leitura da sentença condenatória e do acórdão impugnado, além da análise do contexto fático já delineado nos autos pelas instâncias ordinárias, permitem inferir que o paciente foi condenado, exclusivamente, com base em reconhecimento fotográfico realizado pela vítima e sem que nenhuma outra prova (apreensão de bens em seu poder, confissão, relatos indiretos etc.) autorizasse o juízo condenatório.

6. Mais ainda, a autoridade policial induziu a vítima a realizar o reconhecimento - tornando-o viciado - ao submeter-lhe uma foto do paciente e do comparsa (adolescente), de modo a reforçar sua crença de que teriam sido eles os autores do roubo. Tal comportamento, por óbvio, acabou por comprometer a mínima aproveitabilidade desse reconhecimento.

7. Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o show-up (conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é, ou não, autora do crime), por incrementar o risco de falso reconhecimento. O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor, porquanto se estabelece uma percepção precedente, ou seja, um pré-juízo acerca de quem seria o autor do crime, que acaba por contaminar e comprometer a memória. Ademais, uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto.

8. Em verdade, o resultado do reconhecimento formal depende tanto da capacidade de memorização do reconhecedor quanto de diversos aspectos externos que podem influenciá-lo, como o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor (tempo de duração do evento criminoso), a gravidade do fato, as condições ambientais (tais como visibilidade do local no momento dos fatos, aspectos geográficos etc.), a natureza do crime (com ou sem violência física, grau de violência psicológica), o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento etc.

9. Sob um processo penal de cariz garantista (é dizer, conforme aos parâmetros e diretrizes constitucionais e legais), busca-se uma verdade processualmente válida, em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional.

10. Adotada, assim, a premissa de que a busca da verdade, no processo penal, se sujeita a balizas epistemológicas e também éticas, que assegurem um mínimo de idoneidade às provas e não exponham pessoas em geral ao risco de virem a ser injustamente presas e condenadas, é de se refutar que essa prova tão importante seja produzida de forma totalmente viciada. Se outros fins, que não a simples apuração da verdade, são também importantes na atividade investigatória e persecutória do Estado, algum sacrifício epistêmico, como alerta Jordi Ferrer Beltrán, pode ocorrer, especialmente quando o processo penal busca, também, a proteção a direitos fundamentais e o desestímulo a práticas autoritárias.

11. Impõe compreender que a atuação dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem e pela apuração de crimes deve dar-se em respeito às instituições, às leis e aos direitos fundamentais. Ou seja, quando se fala de segurança pública, esta não se pode limitar à luta contra a criminalidade; deve incluir também a criação de um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas e de respeito institucional a quem se vê na situação de acusado e, antes disso, de suspeito.

12. Sob tal perspectiva, devem as agências estatais de investigação e persecução penal envidar esforços para rever hábitos e acomodações funcionais, de sorte a "utilizar instrumentos para maximizar as probabilidades de acerto na decisão probatória, em particular aqueles que visam a promover a formação de um conjunto probatório o mais rico possível, quantitativa e qualitativamente" (Ferrer-Beltrán).

13. Convém, ainda, lembrar que as prescrições legais relativas às provas cumprem não apenas uma função epistêmica, i. e., de conferir fiabilidade e segurança ao conteúdo da prova produzida, mas também uma função de controlar o exercício do poder dos órgãos encarregados de obter a prova para uso em processo criminal, vis-à-vis os direitos inerentes à condição de suspeito, investigado ou acusado. Nesse sentido, é sempre oportuna a lição de Perfécto Ibañez, que divisa, na exigência de cumprimento das prescrições legais relativas à prova, uma função implícita, a saber, a de induzir os agentes estatais à observância dessas normas, o que se perfaz com a declaração de nulidade dos atos praticados de forma ilegal.

14. O zelo com que se houver a autoridade policial ao conduzir as investigações determinará não apenas a validade da prova obtida - "sem bons ingredientes não haverá forma de fazer um bom prato" (como metaforicamente lembra Jordi Ferrer-Beltrán) -, mas a própria legitimidade da atuação policial e sua conformidade ao modelo legal e constitucional. Sem embargo, conquanto as instituições policiais figurem no centro das críticas, não são as únicas a merecê-las. É preciso que todos os integrantes do sistema de justiça criminal se apropriem de técnicas pautadas nos avanços científicos para interromper e reverter essa preocupante realidade quanto ao reconhecimento pessoal de suspeitos. Práticas como a evidenciada no processo objeto deste writ só se perpetuam porque eventualmente encontram respaldo e chancela tanto do Ministério Público - a quem, como fiscal do direito (custos iuris), compromissado com a verdade e com a objetividade de atuação, cabe velar pela higidez e pela fidelidade da investigação dos fatos sob apuração, ao propósito de evitar acusações infundadas - quanto do próprio Poder Judiciário, ao validar e acatar medidas ilegais perpetradas pelas agências de segurança pública.

15. Sob tais premissas e condições, não é possível ratificar a condenação do acusado, visto que apoiada em prova absolutamente desconforme ao modelo legal, sem a observância das regras probatórias próprias e sem o apoio de qualquer outra evidência produzida nos autos.

16. Ordem concedida, para absolver o paciente em relação à prática dos delitos de roubo e de corrupção de menores objetos do Processo n. 0014552-59.2019.8.19.0014, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes - RJ, ratificada a liminar anteriormente deferida, a fim de determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso.

(STJ - Min. Rel. ROGERIO SCHIETTI CRUZ - HC 712.781 / RJ - Sexta Turma - j. 15.03.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6418).

 

Nosso comentário: Em um novo julgamento paradigmático, também de relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, a 6ª Turma do STJ avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC 598.886/SC. O reconhecimento fotográfico deixou de ser considerado uma "etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal" e passou a ser considerado como apenas mais uma possibilidade de apuração da autoria delitiva, dentre outras diligências de investigação.

A decisão levou em consideração a moderna literatura científica que sustenta a existência de óbices epistemológicos à validação de reconhecimentos realizados com o objetivo de ratificação de um reconhecimento anterior (seja ele fotográfico ou pessoal). De acordo com tais pesquisas, quanto mais vezes uma vítima ou testemunha for solicitada a reconhecer outra, maior é a probabilidade de que ela venha a desenvolver "falsas memórias". Assim, indicou-se que o reconhecimento é ato definitivo e irrepetível, inovando em relação ao acórdão anterior. Ainda, contraindicou-se expressamente o show up de pessoa ou de sua fotografia, seguido por solicitação para que a vítima ou a testemunha realize o reconhecimento, pois tal dinâmica deixa transparecer o juízo prévio da autoridade policial ou judiciária acerca da autoria do crime, com provável efeito indutor sobre o reconhecedor, contaminando sua memória e incrementando, como consequência, os riscos de um falso reconhecimento. Por fim, assentou que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica.


Tribunal de Justiça de São Paulo

Ementa: Roubo majorado pelo concurso de agentes - Reconhecimento extrajudicial realizado em desrespeito ao artigo 226 do CPP - Em juízo, a renovação do reconhecimento se deu por fotografias - Precedente do C. STJ que, em releitura do artigo 226, do CPP, resolveu que "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa" - No caso, não se observou a formalidade prevista no aludido comando legal e, concretamente, nada corrobora o reconhecimento - Precedente do STF no mesmo sentido - Absolvição por insuficiência probatória - Recurso provido.

(TJSP - Des. Rel. AMABLE LOPEZ SOTO - ACR 1500299- 29.2019.8.26.0650 - Décima Segunda Câmara de Direito Criminal - j.11.10.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6419).

Ementa: Recurso em Sentido Estrito - Sentença de pronúncia - Homicídio duplamente qualificado - Motivo torpe e recurso de dificultou a defesa da vítima - Preliminar - Regra do artigo 226 do Código de Processo Penal que constitui mera recomendação legal que deve ser realizada apenas quando possível, atendido o princípio da razoabilidade, de modo que o não cumprimento da formalidade ali constante sequer tem o condão de viciar a persecução  Existência de indícios suficientes acerca da materialidade e autoria - Qualificadoras que guardam relação com a prova dos autos - Fase processual em que vigora o princípio in dubio pro societate - Submissão do recorrente a julgamento perante o e. Tribunal do Júri de rigor - Preliminar rejeitada, Recurso desprovido.

(TJSP - Des. Rel. ROBERTO PORTO - RESE 1517192- 83.2021.8.26.0405 - Quarta Câmara de Direito Criminal - j. 16.11.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6420).


Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Ementa: APELAÇÃO. ARTIGO 157, §2º, I, DO CÓDIGO PENAL. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO EM SEDE POLICIAL. INOBERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO INSERTO NO ARTIGO 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROVA INVÁLIDA PARA SUSTENTAR CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO PESSOAL DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS A CORROBORAR A IDENTIFICAÇÃO REALIZADA NA FASE INQUISITORIAL. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO. PRINCÍPIOS DO IN DUBIO PRO REO E DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. A prova coligida aos autos é frágil e inapta para sustentar um decreto condenatório, sem que se desmereça o reconhecimento fotográfico como meio de prova válido, desde que confirmado por outras provas, o que, aqui, não ocorreu, uma vez não produzido, no curso da instrução, outros elementos probatórios que pudessem corroborar a sua realização, tudo em conformidade com recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que firmou entendimento sobre a matéria - O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa -. Daí e considerando que - inexistem outras provas que solidifiquem a autoria delitiva e considerando a ausência do apelante na audiência de instrução e julgamento, o que obstou seu reconhecimento em juízo -, aquele realizado perante a Autoridade Policial é inválido para sustentar eventual decreto condenatório, a autorizar a conclusão de que descurou o Ministério Público do ônus que lhe cabia para fazer valer a pretensão punitiva que deduziu na ação penal, autorizando a improcedência da pretensão punitiva estatal em estrita observância aos princípios do in dubio pro reo e da presunção da inocência.

RECURSO PROVIDO. (TJRJ - Des. Rel. DENISE VACCARI MACHADO PAES - ACR 0002668 86.2009.8.19.0045 - Primeira Câmara Criminal - j.08.11.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6421).

 

Ementa: HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL SOB ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. 1. Paciente denunciado como incurso nas penas do artigo 157, § 2º, incisos I, II e V (antiga redação) do Código Penal, por quatro vezes, em concurso formal. 2. O trancamento da ação penal por meio de habeas corpus é medida excepcional, admitida apenas quando constatada, de plano, a atipicidade da conduta, a inexistência de indícios mínimos de autoria e materialidade do delito ou a presença de causa de extinção da punibilidade. 3. Na hipótese, há prova da materialidade e indícios de autoria; os fatos descritos na denúncia caracterizam os crimes capitulados na exordial acusatória; e não se verifica, de plano, a presença de qualquer excludente da punibilidade. 4. O reconhecimento fotográfico, mesmo que em desacordo com o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, é meio investigativo hábil para apontar indícios de autoria apto a embasar o oferecimento da denúncia e a decretação da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ. 5. Existência de interceptações telefônicas realizadas em processo em trâmite na Justiça Federal, que demonstraram a atuação do paciente, junto a outros indivíduos, na prática de roubo ocorrido no mesmo dia dos fatos. 6. Assente o entendimento de que o habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a análise da prova, para o revolvimento e reexame do acervo probatório produzido, para a reapreciação da matéria de fato e, também, para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. 7. Inexistente qualquer constrangimento ilegal a ser amparado pela via estreita do habeas corpus. 8. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

(TJRJ - Des. Rel. JOSÉ ACIR LESSA GIORDANI - HC 0077807- 28.2022.8.19.0000 - Segunda Câmara de Direito Criminal - j.08.11.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6422).


Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA - ABSOLVIÇÃO - VIABILIDADE - PROVA FRÁGIL DE AUTORIA DELITIVA - RECONHECIMENTO DUVIDOSO E EM INOBSERVÂNCIA AO ARTIGO 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - FIXAÇÃO DE VERBA HONORÁRIA À DEFENSORIA PÚBLICA - DESCABIMENTO - INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. O STJ pacificou entendimento no sentido de que a inobservância do artigo 226 do Código de Processo Penal torna inválido o reconhecimento de suspeito (vide habeas corpus n. 652.284/ SC e n.º 598.886/SC). A condenação criminal somente se mostra possível mediante prova robusta de autoria e materialidade. Se o reconhecimento é inválido, porque realizado em inobservância à lei, e não há outras provas da participação do acusado, a absolvição é imperativa. (...) VV. [voto vencido] 1. Comprovada a materialidade e a autoria dos réus quanto ao delito de roubo, em especial pelas declarações dos ofendidos e firmes depoimentos dos policiais militares, deve ser julgada procedente a inicial acusatória. 2. A inobservância do artigo 226 do CPP, no reconhecimento realizado na fase policial, é mera irregularidade, não maculando a prova, sobretudo se o acervo probatório constante dos autos comprova a autoria do réu na empreitada criminosa.

(TJMG - Des. Rel. GUILHERME DE AZEREDO PASSOS - ACR 0001146-42.2021.8.13.0151 - Quarta Câmara de Direito Criminal - j. 07.12.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6423).

 

Ementa: EMBARGOS INFRIGENTES - FURTO QUALIFICADO - INOBSERVÂNCIA DO ART. 266 CPP - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. A inobservância dos rigores do artigo 266 do CPP, não acarreta nulidade da prova, para fins de reconhecimento pessoal de acusados, sobretudo se a palavra da vítima for segura em reconhecer o agente como o autor do crime, especialmente quando corroborada por outros convincentes elementos de convicção. V.V. [voto vencido] O STJ pacificou entendimento no sentido de que a inobservância do artigo 226 do Código de Processo Penal torna inválido o reconhecimento de suspeito (vide habeas corpus n. 652.284/ SC e n.º 598.886/SC). No mesmo sentido, já decidiu o STF (RHC 176025, DJE 03/8/2021). Uma condenação criminal somente se mostra possível mediante prova robusta de autoria e materialidade delitivas. Se o reconhecimento é inválido, porque realizado em inobservância à lei, e há outras não provas bastantes à comprovação da prática de crime pelo acusado, a absolvição é imperativa.

(TJMG - Des. Rel. CRISTIANO ÁLVARES VALLADARES DO LAGO - Embargos infringentes 0215200 56.2020.8.13.0024 - Quarta Câmara de Direito Criminal - j. 28.09.2022) (destaques nossos - Cadastro IBCCRIM 6424).

 

Nosso comentário: O entendimento consolidado nos Tribunais Superiores não tem sido acatado de forma hegemônica pelos Tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (em razão do reduzido espaço desse caderno, para uma pesquisa sobre toda a segunda instância, fez-se o recorte nos três Estados mais populosos). Ainda que existam alguns julgados em concordância, acima destacados, a pesquisa (feita com recorte no ano de 2022) revelou que a grande maioria das decisões ainda é contrária àquele entendimento, mesmo após os julgamentos paradigmáticos.

Tal posicionamento confrontante dos Tribunais já foi criticado anteriormente por membros das Cortes Superiores. Assim, por exemplo, o Min. Gilmar Mendes já destacou que "não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça de São Paulo se comporta como um anarquista institucional e ignora as decisões da Suprema Corte" (STF - Rel. Min. GILMAR MENDES - Ag.Reg. no HC 211.607/SP - j. 15.02.2022). Da mesma maneira, a Ministra Laurita Vaz expôs sua preocupação com o constante descumprimento - por vários Tribunais de Justiça - da jurisprudência consolidada e sumulada, tanto do STF quanto do STJ: "É muito importante que continuemos a combater esse descumprimento da nossa jurisprudência para que possamos ter condição de julgar com mais rapidez os temas de natureza mais complexa, que ficam muitas vezes paralisados diante da repetição desses casos que não precisariam chegar ao STJ e muito menos ao STF" (STJ - Rel. Min. LAURITA VAZ - HC n. 500.080/SP - Quinta Turma - j. 04.08.2020). Especificamente sobre o tema do reconhecimento pessoal, a inobservância do entendimento firmado no STF e no STJ vai ao encontro da observação feita pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz ao final do paradigmático julgamento do HC 712.781: "pouco servirá esta decisão se continuarem os órgãos de persecução penal - e o próprio Poder Judiciário - a coonestar essa prática investigatória dissociada do modelo legal e constitucional de um processo penal minimamente ético em seu proceder e ancorado em provas cientificamente idôneas"