O que esperar do STF em 2024?
Editorial do mês de fevereiro/2024.
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024
Atualizado às 08:07
O último dia 8 de janeiro marcou um ano dos ataques antidemocráticos em Brasília. Naquele fatídico dia de 2023, um dos principais alvos dos vândalos foi a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em um brutal ataque que redundou em danos na casa de milhões de reais.
A despeito do substancial prejuízo financeiro, o maior dano foi institucional: se, por um lado, o ataque à máxima autoridade do Poder Judiciário brasileiro reforçou o papel e a importância do Tribunal Supremo e das demais instituições democráticas (que resistiram à fracassada tentativa de golpe), por outro lado, trouxe ventos de crise institucional à Corte, seja sob o aspecto da imagem, seja sob o aspecto da relação com outros poderes.
Afinal, mesmo que não seja um reflexo direto da mentalidade antidemocrática que se concretizou naquele 8 de janeiro, é sintomático que o STF figure dentre os órgãos de menor confiança do brasileiro. Na mesma linha, chama atenção a súbita tramitação e aprovação, pelo Senado Federal, da Proposta de Emenda Constitucional que limita decisões monocráticas na Suprema Corte. Entre críticas a uma possível retaliação do Legislativo ao STF e apoiadores da medida por "busca de equilíbrio entre os Poderes" - nas palavras do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco - (Baptista, 2023), o fato é que, como muito bem apontado pelo Professor José Eduardo Faria (2024, p. A3), esse movimento é preocupante:
[.] adaptando ao Brasil - que sempre esteve sujeito a situações excepcionais - o que disse certa vez Norberto Bobbio, só o pessimismo da razão pode despertar quem não se dá conta de que, numa crise entre Poderes, o 'sono da razão' pode resultar em monstruosidades institucionais.
É em meio a esse turbilhão que o STF ingressa no ano de 2024 com grandes desafios institucionais e, ao que importa aqui, jurisdicionais, especificamente no campo criminal. Afinal, como instância última de jurisdição, sua importância no sistema de justiça penal se revela não apenas por ser, muitas vezes, uma última tentativa da sôfrega massa de acusados de ter sua defesa acolhida e sua liberdade concedida, mas também por ser o órgão definidor de interpretações legais e constitucionais que vão balizar todas as instâncias jurisdicionais.
Daí a expectativa e a atenção do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) com o julgamento de temas criminais importantes pelo STF.
Inicialmente, já previsto na pauta desse mês de fevereiro, o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.042.075 (tema 977 de repercussão geral), em que o IBCCRIM, como amicus curiae, sustenta a imprescindibilidade de decisão judicial para acesso a dados pessoais contidos em meios físicos ou digitais (como, a exemplo do caso concreto, de aparelho celular relacionado à prática delitiva) (Brasil, 2017a).
Para os meses subsequentes, aguarda-se a retomada do julgamento do RE 635.659, sobre a (in)constitucionalidade da criminalização de drogas para consumo pessoal. Como já manifestado publicamente pelo Instituto (IBCCRIM, 2023), espera-se que a Suprema Corte reveja o posicionamento até agora formado (restrito ao porte de maconha), para abranger qualquer substância psicoativa ilícita.
O mesmo ocorre com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, em que o Instituto, também como amicus curiae, pleiteia a inconstitucionalidade da criminalização do aborto, adotando-se como critério a possibilidade de interrupção de gravidez até a 12ª semana de gestação (Brasil, 2017b). Espera-se que os demais Ministros sigam o substancial voto proferido pela então Ministra Relatora Rosa Weber pela procedência da ação.
Outro julgamento que pode ter grande impacto no cenário nacional é o da quebra de sigilo de dados de coletividade de pessoas (RE 1.301.250, tema de repercussão geral 1.148). O Instituto, na qualidade de amicus curiae, sustenta a inconstitucionalidade da medida, pois "esbarra no núcleo do direito fundamental à proteção de dados, na medida em que enseja grave risco de um cenário de vigilância permanente (proporcionalidade em sentido estrito)" (Brasil, 2020, peça 66). Aguarda-se que, em breve, seja novamente incluído em pauta, após o voto da relatora, Ministra Rosa Weber, pelo provimento do recurso, e a vista dos autos solicitada pelo Ministro Alexandre de Moraes, que os devolveu para julgamento.
Igualmente na figura de amicus curiae, o IBCCRIM aguarda o desfecho de duas importantes ações de constitucionalidade, 3.450 e 7.389, que tratam, respectivamente, da decretação de interceptação telefônica de ofício pelo juiz (art. 3º da Lei 9.296/96) (Brasil, 2005, peça 42) e da Política Antimanicomial do Poder Judiciário (Resolução CNJ 487/23) (Brasil, 2023, peça 34).
Outra questão na ordem do dia diz respeito à licitude de relatórios de inteligência financeira (RIFs) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF, atual Unidade de Inteligência Financeira - UIF), requisitados diretamente pela autoridade policial, sem prévia autorização judicial, à luz da decisão tomada no RE 1.055.941 (tema 990 de repercussão geral). Esse é o objeto da RCL 61.944 (Brasil, 2023), que se espera seja julgada pelo Plenário em 2024, para consolidar o entendimento da Corte nessa matéria.
O IBCCRIM também aguarda o desfecho do julgamento do HC 208.240 (Brasil, 2021), que versa sobre perfilamento racial.
Por fim, mas não menos importante, há de se acompanhar o devido cumprimento de duas importantes decisões proferidas recentemente pela Suprema Corte, especificamente nos seguintes pontos: (i) a elaboração de plano nacional e de planos estaduais e distrital para a superação do estado de coisas inconstitucional, reconhecido na ADPF 347 - sendo que, para o plano nacional, o prazo é de seis meses, a partir da publicação do acórdão (DJE 18/12/23); e (ii) a implementação dos juízos das garantias, no prazo de doze meses, pelos tribunais do País, tal como determinado nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.
Como se vê, são vários os temas criminais a serem analisados pelo STF. O IBCCRIM, forte em seus princípios e na produção de ciências criminais, acompanhará atentamente esses julgamentos (inclusive na qualidade de amicus curiae) ao longo desse ano de 2024 - e deseja que a Corte e seus Ministros tenham sabedoria e serenidade para, com suas decisões, contribuírem para a melhora do sistema de justiça penal brasileiro.
Como citar (ABNT Brasil):
IBCCRIM. O que esperar do STF em 2024?. Boletim IBCCRIM, [S. l.], v. 32, n. 375, [s.d.]. Disponível em: https://publicacoes.ibccrim.org.br/index.php/boletim_1993/article/view/936. Acesso em: 31 jan. 2024.
Notas
Conforme a recente pesquisa "A cara da democracia", realizada pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), o percentual de pessoas que afirmaram confiar "pouco", "mais ou menos" ou "muito" no STF caiu de 64%, em 2022, para 60%, em 2023 (sendo que apenas 14% declararam confiar "muito"); e o percentual dos que disseram não confiar nem um pouco no STF aumentou de 32% para 36%, no mesmo período. Mais detalhes em Iory (2023).
PEC 8/2021, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados (Brasil, 2021).
Confira a manifestação do IBCCRIM (peça 66) clicando aqui.
Confira-se o memorial e o pedido de ingresso como amicus curiae (peça 57) clicando aqui.
Confira-se o memorial e o pedido de ingresso (peça 55) como amicus curiae clicando aqui.
Referências
BAPTISTA, Rodrigo. Senado aprova PEC que limita decisões individuais em tribunais. Agência Senado, 22 nov. 2023. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/11/22/senado-aprova-pec-que-limita-decisoes-individuais-em-tribunais. Acesso em: 08 jan. 2024.
BRASIL. Congresso Nacional. Proposta de Emenda à Constituição n° 8, de 2021. Altera a Constituição Federal para dispor sobre os pedidos de vista, declaração de inconstitucionalidade e concessão de medidas cautelares nos tribunais. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2021. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pec-8-2021. Acesso em: 08 jan. 2 024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI/3450, Relator: Min. Gilmar Mendes. Autuado: 29 mar. 2005. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2282869. Acesso em: 08 jan. 2024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI/7389, Relator: Min. Edson Fachin. Autuado em: 17 maio 2023. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6644330. Acesso em: 08 jan. 2024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF/442. Autuado em: 13 fev. 2017b. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5144865. Acesso em: 08 jan. 2024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AREsp 1054680/RJ (2017/0029990-0. Autuado em: 13 fev. 2017a. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5173898. Acesso em: 08 jan. 2024.
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FARIA, José Eduardo. Mais crises à vista. Folha de S. Paulo, 3 jan. 2024, p. A3. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/01/mais-crises-a-vista.shtml. Acesso em: 08 jan. 2024.
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IORY, Nicolas. Partidos, Congresso, igrejas, STF: o quanto o brasileiro confia nessas e em outras instituições? O Globo, Pulso, 13 jul. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/pulso/post/2023/09/partidos-congresso-igrejas-stf-o-quanto-o-brasileiro-confia-nessas-e-em-outras-instituicoes.ghtml. Acesso em: 08 jan. 2024.