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O que faremos depois de 8 de janeiro?

Editoral do mês de fevereiro/2023.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Atualizado às 12:35

Uma semana depois da festa cívica que coroou o exercício da vontade popular por meio do voto secreto, universal e periódico, o país sofreu o pior ataque da história da República inaugurada em 1988. Diante do mais duro golpe à democracia, feroz ao atingir o âmago de suas simbólicas instituições, os líderes de Poderes correram para tomar as medidas mais eficazes a socorrê-las e à população como um todo. A democracia sofreu um ultraje tão covarde quanto inacreditável.

Feito o diagnóstico, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, além de repudiar veementemente o ataque (por nota divulgada no próprio dia 8 de janeiro)1, oficiou aos chefes dos três Poderes constituídos, colocando-se à disposição para o fortalecimento da democracia2. Disponibilizou os esforços de seus integrantes para ações reativas concretas, acompanhamento de investigações e análise de toda a documentação necessária à mais rápida possível volta à normalidade.

Esclarecido isso, e enfatizada a solidariedade que é a força motriz e inalienável para a realização concreta do Estado Democrático de Direito, deve-se pontuar, contudo, que na democracia não existe mito, herói. O país mal se livrou dos emblemas de uma e outra figura enganosa e perniciosa e não pode correr o risco de repetir o erro, entregando os anseios pela reconfiguração democrática aos exercícios de poder em uma ou outra pessoa, ainda que repleta de boas intenções.

O Poder Executivo tomou decisão de cunho político ao decretar a medida de intervenção no Distrito Federal para debelar o comprometimento da ordem pública, em atitude a indicar que a União está de pé e que há motivos para corrigir a inoperância (por aparentemente deliberada omissão em prever e conter os bárbaros atos preparados) de um ente federativo.

E do Poder Judiciário, particularmente do Supremo Tribunal Federal, agora se espera a continuidade do comportamento de guardião da Constituição. A Corte e sua respeitabilidade se constituem em particular patrimônio a ser protegido. Tecnicamente há investigação a seguir, há audiências de custódia a serem realizadas, há direitos a serem observados, inclusive dos indivíduos envolvidos nos gravíssimos atos antidemocráticos testemunhados. O exemplo de controle contra o autoritarismo, da tábua de salvação para a observância dos direitos individuais, deve vir justamente do Supremo Tribunal Federal, que não deve perder a serenidade e responsabilidade por reerguer a combalida democracia.

Nenhum argumento deverá ser aceito para justificar atropelos no tratamento dos direitos de cidadãos, por mais abjetos e vis que sejam os atos porventura praticados, a ser objeto de investigação séria e profunda com vistas a identificar mandantes e instigadores, possivelmente com poderio econômico e político a insuflar a horda de cidadãos que executaram os piores ataques ao patrimônio material e imaterial da democracia brasileira das últimas décadas. Ainda assim, algo que se assemelhe a uma cruzada contra os inimigos da democracia não pode fazer parte do cotidiano do Poder Judiciário.

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, atento ao plano do Ministério da Justiça e Segurança Pública de elaboração de novos projetos de lei com vistas a coibir ataques tão inimagináveis como os vistos no último dia 8, reitera a disposição em, com olhos na dignidade da pessoa humana e na percepção de que o Direito Penal e o Direito Processual Penal são remédios tão amargos que supõem aplicação criteriosa e parcimoniosa, cooperar criteriosamente com os atos a serem colocados em prática. Da mesma forma, na atuação que por certo se espera do Supremo Tribunal Federal, exemplar como entidade secular na proteção dos direitos individuais e pilar da democracia brasileira, firma-se o compromisso de envidar todos os esforços para a cooperação com qualquer assunto em que demandado.

Não se defende, sob nenhuma hipótese, postura leniente com quem quer seja, mesmo porque todos os brasileiros e brasileiras, como vítimas do pior ataque de que sem tem notícia recente, têm a mesma legitimidade de ver a rigorosa aplicação da lei aos algozes do país. Mas o combate aos atos organizados que tentaram colocar de joelhos a democracia brasileira não pode ser feito às custas de mais violações de direitos.

Em momentos tão dramáticos como esse, há um teste a ser feito para a defesa válida da democracia: o da reação dentro do sistema de garantias instituído pela Constituição. Não há outra regra a ser seguida. Dentro das regras do Estado Democrático de Direito é que se deve atingir solução admissível. Não há outro caminho.

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