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O IBCCRIM e a luta constante pelo fortalecimento do Estado de Direito

Editoral do mês de janeiro/2023.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Atualizado em 27 de fevereiro de 2023 12:35

A fundação do IBCCRIM, no fatídico 2 de outubro de 1992, tem causas e propósitos conhecidos e repetidos ao longo de seus 30 anos de existência, completados no último ano. A partir do episódio do massacre do Carandiru, em São Paulo, esforços foram unidos por cidadãos mais proximamente ligados ao funcionamento do sistema penal brasileiro e a cidadania deu um passo importante para que o futuro então avistado pudesse ser menos covarde, cruel e desumano. Reclamava-se, desde então, a observância dos direitos fundamentais, das garantias de existência e sobrevivência dignas, e, particularmente, o efetivo controle da atuação do aparato criminal estatal.

Nunca nos encastelamos nos bancos das academias e nem abraçamos interesses corporativos.

Além disso, vale a pena começar este novo ano com outra lembrança: o Instituto nasceu sob a égide do Estado Democrático de Direito, inaugurado em 5 de outubro de 1988. E isso, no primeiro editorial do Boletim de 2023, não é de pequena importância.

Ainda há organismos e pessoas que representam setores mais ou menos influentes, que olham para a realidade com olhos pré-1988. Há quem não valorize até hoje a seriedade da garantia da presunção de inocência. Há quem seja leniente com processos penais amparados em provas ilícitas e faça pouco caso de quem porventura se defronte com a cena de uma persecução penal. Há quem, ainda pior, desconsidere que quem está preso - que tem cor, gênero e história - jamais deixará de ser um semelhante e que a própria prisão, em si um mal, deve ser a todo custo evitada.

Sirva de exemplo do renitente espírito autoritário brasileiro o último quadriênio, quando se colocou em risco a noção de democracia como ideia fundante de exercício de Poder a partir da convivência harmônica e observadora dos direitos das pessoas pelo simples fato de que ninguém merece mais consideração do que seu semelhante, e de que todos e todas indistintamente têm o mesmo direito de felicidade. Isso, inclusive, a partir de políticas públicas de implemento de armamentismo e depreciação de pessoas nas mais diversas situações de vulnerabilidade, mal escamoteando práticas discriminatórias ou saudosistas do pior período recente com o verniz da liberdade de expressão.

Associar a longevidade do IBCCRIM ao advento da Constituição de 1988 vai, pois, além dos motivos fundantes de 1992, e tem a ver também com o ideal da construção do Estado Democrático de Direito. Há, por parte do IBCCRIM, e deve haver por parte da comunidade, o efetivo engajamento com os ideais de 1988, a partir do pilar da dignidade da pessoa humana.

No campo das ciências criminais, coube ao Instituto o protagonismo de ações e discussões, desde sua fundação, para contribuir com a redução da dramática situação de superencarceramento, de aplicação seletiva (em prejuízo de pessoas negras e pobres) dos mecanismos repressores de atuação estatal, e de proposição de leis mais bem orientadas nos mais variados aspectos do sistema de justiça penal. É para o chamamento de toda a sociedade que foram realizados 28 Seminários Internacionais, além dos regionais, inúmeras mesas e debates; e com esse viés de alerta e aprofundamento técnico e intelectual, que consagramos também as nossas publicações e cursos, reconhecidos nacional e internacionalmente. Não acreditamos em ciência neutra, muito menos a criminal.

Mas claro que não conseguimos atingir todos os objetivos. Não conseguimos frear o ímpeto irracional, muitas vezes percebido sem dificuldade, de mais e mais draconianas leis penais de um lado, e silenciosas - ou nem isso - tolerâncias com ações letais de agentes policiais, de outro. Não conseguimos, ainda, construir uma sociedade mais solidária, a partir da ideia de que, parafraseando Milton Nascimento, é cobrando o que fomos que nós iremos crescer.

Estamos aqui, como a mais legítima instituição a representar os ideais civilizatórios de um Estado mais humanista e menos segregacionista, esforçando-nos para que as políticas públicas, que vão desde as lavraturas da prisão em flagrante até o cumprimento de execuções penais, sejam realmente concretizadas como percursos nos quais os direitos das pessoas devem ser fielmente respeitados.

Atentamos a todos os debates da justiça criminal, desde temas como câmeras que possibilitem gravar as atividades de agentes policiais, revogação de leis antidemocráticas como a Lei de Segurança Nacional, e discussões sobre novos Códigos Penal e de Processo Penal, participações em audiências públicas e como amicus curiae em tribunais, até o encaminhamento de carta com propostas de segurança pública aos postulantes ao cargo de Presidente da República nas últimas eleições.

Hoje, em qualquer cenário que se imagine haver alguma ação que diga respeito a temas de justiça penal, o IBCCRIM está lá, com as melhores contribuições a partir de seus integrantes. Isso, inclusive com postura antirracista, que é a única admissível se é para se levar o Estado Democrático de Direito a sério, o que se nota na composição dos quadros da diretoria e demais departamentos do próprio instituto e o comprometimento firmado com o lançamento do manifesto contra o racismo de novembro de 2022.1

Começamos o ano de 2023 fortes na permanência das atividades para que se abandone, com a máxima e urgente velocidade, o viés seletivo e racista que tantas vezes caracterizam a atuação estatal na Justiça Criminal, por um lado empilhando vítimas que se avolumam de tal forma que há quem qualifique tal procedimento não como erro, mas como projeto; por outro perpetuando a desigualdade nos cargos representativos desse próprio estado de coisas. É preciso diagnosticar, refletir e atuar para que esse moto-contínuo deixe de existir.

Por isso, e por outras razões que extravasam este espaço, além da continuidade na perseguição dos fins dos ideais estatutários, foi firmado o convênio com o LAUT - Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, para que as reflexões dos pesquisadores daquele instituto sobre o Estado Democrático de Direito e a democracia, particularmente as da Justiça Criminal, passem a ser veiculadas no Boletim do IBCCRIM. A cada dois meses, serão publicados artigos de reflexão de pesquisadores e pesquisadoras comprometidos com esses ideais. A aproximação entre os institutos espraia para todos os leitores do Boletim reflexões distintas do conhecido vocabulário de juízes-promotores-defensores e oxigena as reflexões que têm, como ponto de partida, a incondicional defesa do Estado Democrático de Direito. Somando as perspectivas a partir da mesma raiz chegamos mais longe.

A convergência de ideias entre o IBCCRIM e o LAUT se nota, inclusive, pela seguinte passagem, constante de documento institucional do último, que não há quem possa imaginar equivocada: "situação de violações de direitos no país é crítica e complexa, uma vez que exige analisar tanto a atuação dos muitos órgãos e poderes diretamente envolvidos com a justiça criminal, como os órgãos do sistema de justiça, da gestão da segurança pública, as polícias e o legislativo na esfera penal, quanto os efeitos sociais policêntricos e profundos destas violações, em especial sobre grupos historicamente marginalizados no país, principais clientes do sistema criminal e suas práticas autoritárias."

Não nos orgulhamos do estado inconstitucional de coisas aonde chegamos, mas nos orgulhamos por continuarmos contribuindo, a partir das primeiras reflexões, com ações propositivas. Temos toda a esperança de que é possível, com nossos esforços e a continuidade de nossas atitudes, construir um país mais solidário e justo, no qual as instituições penais como um todo só tenham um propósito: fazer com que todos, sem distinção, vivam melhor e com mais liberdade.

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