domingo, 25 de agosto de 2024

  1. Home >
  2. Revisar a proteção da democracia

Revisar a proteção da democracia

Editorial do mês de outubro/2021.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Atualizado em 17 de outubro de 2022 15:26

Em agosto, o Congresso aprovou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, que revogou a Lei de Segurança Nacional (LSN) e estabeleceu, dentro do próprio Código Penal, os crimes contrários à ordem democrática. Foi um passo importante do Legislativo, seja porque a legislação de 1983 tinha uma matriz de defesa ideológica do Estado - o que colide frontalmente com o pluralismo e as liberdades inerentes ao Estado Democrático de Direito -, seja porque o governo atual estava usando a LSN para perseguir, de forma sistemática, opositores políticos.

Essa situação de flagrante desrespeito a direitos fundamentais levou o IBCCRIM a organizar, no mês de abril, em parceria com outras entidades, um seminário específico sobre a LSN. As diferentes perspectivas apresentadas nos dois dias de estudo e debate confirmaram a urgência de revogar a lei 7.170/83 e, ao mesmo tempo, de redefinir os tipos penais voltados a proteger a ordem democrática. Não bastava excluir a velha legislação, era preciso prover meios de defesa do Estado Democrático de Direito.

Como se disse, foi um passo importante do Legislativo, mas é preciso avançar ainda mais. A proteção da democracia envolve não apenas definir limites às condutas dos cidadãos em geral, mas também prever - de forma específica e precisa - ações e omissões das autoridades que podem colocar em risco o funcionamento do Estado e suas instituições. São os crimes de responsabilidade.

A Constituição de 1988 definiu os bens a serem protegidos por essa legislação específica.

São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (i) a existência da União; (ii) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; (iii) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; (iv) a segurança interna do País; (v) a probidade na administração; (vi) a lei orçamentária; (vii) o cumprimento das leis e das decisões judiciais. (art. 85).

Tendo em vista as graves implicações jurídicas e políticas dos crimes de responsabilidade, a Constituição previu que, em relação a essas condutas, compete ao Senado processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República, os ministros de Estado, os ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República, o advogado-geral da União e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

A Constituição de 1988 dispôs que "esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento". Na verdade, já existia um instrumento legal sobre o assunto, que continua vigente: a lei 1.079/50. E aqui o assunto ganha especial relevância.

A legislação especial sobre os crimes de responsabilidade precisa ser aperfeiçoada e atualizada. Depois de mais de sete décadas de vigência, é patente que as molduras legais previstas são demasiadamente amplas. Com isso, aumenta-se a discricionariedade e acentua-se exageradamente a dimensão política. Os riscos são evidentes: perseguição política com punições indevidas e, por sua vez, impunidade a condutas profundamente corrosivas. É interessante notar que esses perigos guardam, em alguma medida, relação com os defeitos da própria LSN.

Não há efetiva proteção ao Estado Democrático de Direito se condutas de autoridades acintosamente atentatórias ficam impunes, adquirindo a aparência de suposta constitucionalidade, de suposta legitimidade. Os parâmetros para a revisão dos crimes de responsabilidade foram dados pelo próprio constituinte, no art. 85. Não cabe desproteger nenhum daqueles bens.

Ressalta-se que as imperfeições da lei 1.079/50 não são motivo para desprezar a lei, que segue vigente. Ainda que imperfeitamente, ela contribui desde agora para a defesa do Estado Democrático de Direito. A proposta é aperfeiçoar a proteção existente, e não a desprezar.