Um novo Código de Processo Penal
Editorial do mês de janeiro/2022.
sábado, 1 de janeiro de 2022
Atualizado em 17 de outubro de 2022 14:31
Desde a criação de grupo de juristas incumbido de formular as bases do novo Código de Processo Penal, em 2009, anseia-se pela superação do ideário do agora octogenário sistema nascido em 1941.
Desde então, nos interstícios do processo legislativo, a sociedade assistiu aos debates havidos no Projeto de Lei do Senado Federal (PLS 156/09), depois remetido à Câmara dos Deputados (PL 8045/10), e agora acompanha os trabalhos conduzidos por Grupo de Trabalho recém-criado na Câmara dos Deputados.1
Não há dúvida de que, passados 80 anos do advento do Código gestado no Estado Novo, o Brasil merece um novo Código de Processo Penal. Prova disso são as reformas pontuais que se sucedem no tempo, em matérias centrais, como o regime de interrogatório (lei 10.792/03), o regime de provas no processo penal (lei 11.690/08), procedimentos (lei 11.719/08), sistema de videoconferências (lei 11.900/09) e outros.
As reformas pontuais, se servem como um sinal da superação das ideias originárias do Código, avisam também que é necessário se alterar, de uma vez por todas, todo o sistema processual penal. Hoje, vive-se um sistema que mais parece uma colcha de retalhos, imaginando-se por quanto tempo será possível conviver com anacrônicas previsões inquisitoriais ao lado de novidades salutares, como, por exemplo, a regra que estipula o fim do sistema presidencialista em audiências (art. 212, CPP).
Há matérias importantíssimas que serão objeto de debates no novo Código de Processo penal. Assim, por exemplo, o sistema de reconhecimento pessoal (PLS 676/21), a conformação uniforme das audiências de custódia (que teve início a partir de determinação do CNJ em 2003), a previsão de investigação defensiva (que abrange naturalmente a advocacia pública e a privada para fazer frente à investigação pública conduzida pelas polícias ou Ministério Público, agora colocada na berlinda por decisão liminar na ADIn 6852), o necessário full disclosure aos investigados, inclusive para fins de possibilitar pleno entendimento sobre viabilidade de aceitação de acordos na persecução penal, o respeito à magnitude do habeas corpus como o mais importante mecanismo jurídico usado contra o cometimento de ilegalidades no processo penal e, nesse particular, inclusive o direito de os advogados sustentarem oralmente as causas em agravos internos (objeto do PL 746/21).
Isso sem falar na não implementação da figura processual do juiz de garantias diante da liminar concedida em ADIn 6299, e da atenção que merecem os meios tecnológicos de produção de prova no processo penal (como, por exemplo, geolocalizadores e outros, tema da ordem do dia, como dá conta o STF no RE 1.301.250).
O parlamento brasileiro, com o processo legislativo que redundou na elaboração da lei 13.964/19, já deu provas de estar atento aos anseios atuais da sociedade brasileira. Há mais, contudo, a se fazer.
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que já havia atuado no início dos debates sobre as razões de necessidade de um novo Código de Processo Penal,2 permanece vigilante aos andamentos dados pelo Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados.
O referido Grupo de Trabalho mantém uma página para acesso aos andamentos dos debates e recebimento de contribuições da sociedade civil.3
Os esforços do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais continuam no sentido de, assumida a legitimidade da participação como ente da sociedade civil, caminhar-se decididamente para um modelo consentâneo ao sistema acusatório, tal como imaginado pelo Constituinte em 1988 e como aplaudido pelos mais modernos diplomas processuais, inclusive em países contíguos, como Chile e Uruguai.
Nesse cenário, o código de maiorias e minorias impositivo da arena política é respeitado, mas é essencial garantirmos a evolução pretendida. Não podemos correr riscos de retrocessos.
Um Código de Processo Penal, para que seja longevo, deve naturalmente contemplar interesses díspares, mas deve se constituir como um corpo harmônico. Um Código deve ser uma tábua de segurança, um piso para que sobre ele se construa a interpretação consentânea aos seus ideais. Se não for assim, o país continua a depender de erráticos posicionamentos jurisprudenciais.
O Brasil precisa de novo Código de Processo Penal. Mas o desafio que está colocado, como percebido há anos pelo IBCCRIM, é de qual Código o país precisa, e como se chegar lá, com a necessária participação da sociedade.
Um novo Código deve priorizar o controle efetivo da fiabilidade das informações no processo penal, reduzir ao invés de ampliar os poderes de atuação de ofício de juízes, privilegiar a oralidade em detrimento do cartorialismo, respeitar a esfera de liberdade de autodeterminação informacional dos investigados, respeitar o interrogatório como meio de defesa em sua inteireza, implementar a separação funcional entre investigação, fase intermediária e fase de juízo oral. Entre outras coisas. Estes são alguns dos assuntos que movem o IBCCRIM a participar como sociedade civil deste movimento por um novo Código de Processo Penal brasileiro. Que seja novo ao olhar o futuro, e que afaste de vez o conhecido passado autoritário ainda vigente.
1 O referido grupo de trabalho disponibilizou página na internet por meio do endereço: www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/56a-legislatura/gt-anteprojeto-do-novo-codigo-de-processo-penal/documentos/sugestoes-ao-substitutivo. Acesso em: 10 dez. 2021.
2 Sugestões apresentadas em 2017 podem ser conferidas em: https://arquivo.ibccrim.org.br/docs/2017/20170601_ReformaCPPIBCCRIM.pdf. Acesso em: 10 dez. 2021.
3 O conteúdo está disponível em: www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/56a-legislatura/gt-anteprojeto-do-novo-codigo-de-processo-penal/documentos/sugestoes-ao-substitutivo. Acesso em: 10 dez. 2021.