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As eleições e o debate sobre o sistema penal

Editorial do mês de fevereiro/2022.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Atualizado em 17 de outubro de 2022 14:13

Muito se critica, com razão, o populismo penal. A resposta simplista e de curto prazo, que se utiliza do anseio por justiça da população para implementar políticas públicas irracionais de endurecimento do sistema penal (como se esse fosse o único caminho para uma maior efetividade da Justiça), produz efeitos perversos sobre toda a população, especialmente sobre pretos e pobres. Além de reproduzir o conhecido círculo vicioso de ineficácia quanto à segurança pública e de desrespeito a direitos e garantias individuais, o populismo penal reforça a percepção de que vontade da maioria e racionalidade do sistema penal seriam elementos dissonantes ou, até mesmo, contrários.

Não há dúvida de que o sentimento majoritário de uma população não é critério de justiça. O papel do Direito Penal é precisamente evitar o linchamento popular e o justiçamento, em suas várias modalidades. No entanto, seria um equívoco entender que se pode melhorar o sistema de justiça penal sem incluir a população nessa discussão. Não há progresso efetivo - e muito menos progresso sustentável a longo prazo - sem uma mudança da percepção popular sobre as questões penais e processuais penais.

Nesse sentido, as eleições - esse momento do regime democrático em que se dá um especial diálogo entre a classe política e os eleitores - são uma excelente oportunidade para uma melhor compreensão da população sobre o sistema de justiça penal. Ao mesmo tempo, caso haja omissões e descuidos, a campanha eleitoral pode se converter em circunstância especialmente danosa, com reprodução e consolidação de preconceitos, ideias racistas, percepções enviesadas, etc.

Em sua missão de contribuir para um sistema de justiça penal menos racista e menos seletivo, mais racional e mais humano, o IBCCRIM faz um alerta especial a todos os associados sobre a importância de que cada uma, cada um, de acordo com suas possibilidades, contribua para um debate mais qualificado sobre as questões penais e processuais penais. Em vez de reforçar o populismo penal, a campanha eleitoral deve ser ocasião para difundir consensos mínimos civilizatórios sobre a Justiça Penal, seus métodos e seus fins.

Não é possível que este grande momento da democracia - a campanha eleitoral - se converta em um show de horrores, como infelizmente ocorreu tantas vezes, com a difusão massiva de desinformação sobre segurança pública, direitos e garantias fundamentais, moralidade pública, etc. As eleições devem ser ocasião de fortalecimento da cidadania, e não de manipulação, embrutecimento, barbárie ou retrocesso civilizatório.

Depois de três anos especialmente adversos para os Direitos Humanos no País, com um nítido rebaixamento da sensibilidade cívica, o IBCCRIM considera fundamental estabelecer um diálogo, tão amplo quanto possível, com partidos e candidatos sobre questões sensíveis do sistema de justiça penal.

Todo o trabalho realizado pelo IBCCRIM e seus associados - a produção científica, as pesquisas, os seminários, debates, sua atuação no processo legislativo, etc. - pode e deve contribuir para que os programas de governo sejam minimamente consistentes em relação à política penal e à segurança pública. Não haverá avanço no sistema carcerário ou no controle das polícias - assim como em qualquer outro tema - se o eleitor é instado apenas a oferecer respostas punitivistas, racistas, demagógicas.

É dever do IBCCRIM, como organização da sociedade civil, contribuir para um debate público qualificado. Se essa dimensão da atuação do instituto está sempre presente, ela é especialmente importante em um ano eleitoral, quando se discutem as grandes propostas para o País. Não se trata de se envolver em política partidária. Por força de seu estatuto e para cumprir adequadamente sua missão, o IBCCRIM é necessariamente apartidário. O objetivo é justamente trabalhar para que a melhoria efetiva do sistema de justiça penal seja uma preocupação - verdadeira prioridade - a mais transversal possível entre partidos, candidatos e opções políticas.

O respeito aos direitos e garantias fundamentais não é uma espécie de opção política, passível de ser combatida em campanha eleitoral ou rejeitada nas urnas. É uma obrigação constitucional, um compromisso cívico, um imperativo de humanidade. Avançar nessa compreensão é elemento essencial para a consolidação do regime democrático.