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Ir além das fronteiras do mundo criminal

Editorial do mês de março/2022.

terça-feira, 1 de março de 2022

Atualizado em 11 de outubro de 2022 13:46

O Direito Penal é ensinado nas faculdades de Direito, aplicado nos tribunais, sentido nos presídios, pensado e discutido no mundo acadêmico. Igual fenômeno pode ser observado com o Direito Processual Penal e a Criminologia. As Ciências Criminais, assim como ocorre em qualquer área científica ou técnica, têm um âmbito específico de produção, discussão e aplicação.

Mas o debate sobre as Ciências Criminais ultrapassa as fronteiras do mundo criminal. Ele se dá em toda a sociedade: na televisão, na imprensa, na internet, nas redes sociais, nas famílias, no trabalho, na política, nas outras áreas do conhecimento humano. É um assunto que interessa a todos. Por vários motivos e de diferentes maneiras, as Ciências Criminais afetam a vida de toda a população. O crime é parte da vida cotidiana.

Essa relação entre Ciências Criminais e sociedade não é uma via de mão única, como se fosse apenas o Direito Penal a interferir nas relações sociais. A percepção da sociedade em relação às Ciências Criminais afeta de forma significativa esse campo do conhecimento, bem como a própria produção legislativa e a aplicação judicial do Direito Penal e Processual Penal. Por exemplo, o tratamento dado pelos meios de comunicação modifica, condiciona, amplia ou mesmo subverte os conceitos e os princípios das Ciências Criminais.

Entre outras consequências, essa complexa e multidisciplinar interação do Direito Penal com a sociedade - relação essa insubmissa a cânones dogmáticos e continuamente modificada pela atuação dos atores sociais - conduz a uma conclusão. Se a missão do IBCCRIM é aperfeiçoar e transformar o sistema penal brasileiro, por meio da produção e do debate científicos - se esse é o objetivo fundamental que reúne todas as associadas e associados -, é indispensável que o conhecimento e o diálogo produzidos no âmbito do instituto extrapolem as fronteiras do mundo criminal.

A disjuntiva é evidente. Ou o IBCCRIM dialoga com a sociedade ou falhará em sua missão de melhorar o sistema penal brasileiro. Não há avanço possível se a percepção dos temas penais pela população - o que naturalmente inclui os operadores do Direito, bem como seus familiares e amigos - é moldada por simplismos, preconceitos, enviesamentos e sofismas.

O IBCCRIM precisa falar com o grande público, tanto para recordar os princípios e garantias do Estado Democrático de Direito, como para desvelar a injustiça, o racismo, a seletividade e o desequilíbrio presentes em muitos enquadramentos relativos às Ciências Criminais que vão se perpetuando na sociedade. Também aqui a relação não é uma via de mão única. A interação com a sociedade é fundamental para que a produção científica e as atividades desenvolvidas pelo IBCCRIM não sejam teóricas, sem aderência com a realidade.

A proposta é estabelecer um verdadeiro diálogo. O instituto não vai "ensinar" Ciências Criminais à população, numa espécie de relação entre professor e aluno. Em sua interação com a sociedade, o IBCCRIM tem também muito a aprender sobre outras perspectivas, novos olhares e diferentes experiências.

Essa abertura à sociedade, sem se encerrar nas fronteiras do mundo criminal, não significa descuidar da técnica, da profundidade ou do rigor acadêmico. Ao contrário. A principal contribuição que o IBCCRIM pode oferecer ao debate público provém precisamente da excelência de sua produção científica - excelência, que é também fruto da pluralidade, diversidade e multidisciplinaridade.

Junto ao rigor científico, é necessário cuidar para que essa perspectiva de comunicação - a incessante busca pelo diálogo além das fronteiras do mundo criminal - esteja presente em toda  atividade do IBCCRIM e nas atividades de suas associadas e associados. Mais do que almejar uma maior presença nos meios de comunicação ou maior número de seguidores nas redes sociais, trata-se de estabelecer um diálogo sincero, aberto e transparente com todas e todos.

Nessa comunicação, não basta a boa vontade. Não é mera questão de disposição. É preciso tornar o conteúdo técnico compreensível para o maior número possível de pessoas. As Ciências Criminais não podem ter uma linguagem hermética, inacessível para o grande público. Da mesma forma, o Estado Democrático de Direito, com suas consequências e requisitos, também deve ser compreensível para a população. Não é tarefa fácil, mas também não é impossível. O desafio da comunicação e do diálogo aberto é uma jornada de aprendizado contínuo.

Essa maior abertura do IBCCRIM suscitará reações, tanto positivas como negativas. Não há como escapar disso, não há porque temê-las. Muitas vezes, as críticas são ocasião de ajuste e de correção, seja do tom usado, seja do próprio conteúdo transmitido. Mas sempre são novas oportunidades de diálogo: de ouvir, de explicar o que foi dito, de reduzir ruídos, de pedir desculpas por eventuais excessos ou equívocos, como também de reafirmar corajosamente pontos e aspectos fundamentais das Ciências Criminais - sem ferir, mas também sem a pretensão ingênua de agradar a todos.

É necessário, é urgente, é imprescindível difundir uma melhor compreensão das Ciências Criminais para além das fronteiras do mundo criminal. E é tarefa nossa: do instituto e de todas as associadas e associados.