Desigualdade e violência contra a mulher
Editorial do mês de abril/2022.
sexta-feira, 1 de abril de 2022
Atualizado em 11 de outubro de 2022 13:50
Não há sociedade democrática sem igualdade real. A Constituição reconhece direitos iguais a mulheres e homens, mas ainda vigora uma profunda desigualdade de gênero. Desigualdade que se reflete na invisibilidade e coisificação da condição feminina e em alarmantes índices de violência contra a mulher. Embora a percepção sobre essa realidade tenha sido ampliada nos últimos anos em vários setores da sociedade, ainda falta muito a avançar, e em muitas frentes.
Há uma estrutura social que reproduz a desigualdade, em especial funções sociais e modelos de trabalho doméstico que responsabilizam a mulher por todo o cuidado da casa e dos filhos, limitando sua liberdade e suas aspirações. Sob esta estrutura, a mulher brasileira enfrenta dificuldades nas esferas pessoal e profissional, o que reflete também em sua invisibilidade. É alarmante a disparidade dos índices de mulheres em posição de liderança.
Há 90 anos, foi reconhecido no Brasil o voto feminino. Mas as mulheres, maioria na população, continuam sendo minoria nos cargos políticos e nos âmbitos de liderança. É contrário às noções de liberdade e autonomia, próprias da condição de pessoa, o fato de a maioria da população, as mulheres, ter de viver sob regras criadas por homens, em ambientes acentuadamente masculinos.
A mulher não tem direitos iguais se ela é tratada (e muitas vezes em sua própria casa), como objeto. Ainda vigora uma cultura que coloca o feminino como objeto de satisfação sexual dos homens, o que alimenta os índices de violência doméstica. As agressões são cotidianas, praticadas através de violência física, moral, patrimonial, sexual, ou até mesmo através de discursos misóginos.
Também não se pode esconder a situação das mulheres negras no Brasil. A condição feminina e o preconceito racial fazem com que estas mulheres estejam na base da pirâmide social, com os menores salários, com escassas possibilidades de ascensão social e sob cotidiana discriminação e marginalização. Em sua transversalidade, o machismo e o racismo enclausuram estas mulheres em condição sub-humana, como corpos disponíveis para o trabalho e para a satisfação sexual.
A lista de imperativos da igualdade é longa - e está longe de ser exaustiva. É preciso desvelar os mecanismos que reproduzem essas desigualdades, amplificar as vozes femininas, aumentar a participação das mulheres nas diversas esferas sociais, proteger e intensificar o seu protagonismo na sociedade, reconhecer e preservar a sua autonomia, combater as inúmeras modalidades de discriminação e violência contra as mulheres, assegurar efetiva liberdade, respeitar os seus direitos e sua dignidade, fortalecer a cultura de respeito e reconhecimento. São muitas as batalhas que precisam ser enfrentadas.
O mundo, e especialmente o Brasil, é ainda um lugar de afronta às mulheres, que diminui e menospreza o feminino. Os exemplos são notórios e muitas vezes partem da própria classe política, dos representantes do povo que deveriam zelar pela igualdade de gênero.
Atos de menosprezo e discriminação devem ser respondidos com resistência. É preciso desmascarar e denunciar a agressão, promovendo um novo patamar civilizatório. Por outro lado, é inadmissível o uso de cargos públicos para agredir o Estado Democrático de Direito, que tem, entre seus princípios fundamentais, "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3o, I e IV da Constituição).
Fiel à sua missão, o IBCCRIM reitera seu compromisso em defesa da mulher, de sua liberdade e de seus direitos. Nesta seara, o Instituto tem três objetivos centrais: (i) vigilância e denúncia das situações de violência contra a mulher, em especial, o tratamento desumano e desigual no sistema de justiça e prisional; (ii) estruturação e ampliação de projetos que promovam a perspectiva de gênero na justiça penal; e (iii) participação em rede de iniciativas para ampliar a participação política e cívica das mulheres.
Lutar pela igualdade da mulher não é uma bandeira acessória do IBCCRIM. Não há cidadania se mais da metade da população vê diariamente violada sua condição de sujeito de direitos, sua condição de pessoa. Não há cidadania com a normalização de um sistema de poder que agride as mulheres. A liberdade e a igualdade da mulher não é uma luta opcional, é uma necessidade.