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Defesa e crítica do Supremo Tribunal Federal

Editorial do mês de agosto/2022.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Atualizado em 14 de outubro de 2022 11:01

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem papel fundamental no funcionamento do Estado Democrático de Direito, o que exige uma qualificada autoridade e traz imensa responsabilidade. Só uma Corte Constitucional respeitada está apta a defender os direitos e garantias fundamentais e, ao mesmo tempo, transformar os conflitos sociais. Eis o grande desafio do STF: prover uma defesa efetiva da Constituição, com decisões corajosas - sem permitir que pressões da política e da opinião pública interfiram no seu exercício jurisdicional, fundamentadas em profunda técnica -, aptas a serem acolhidas e respeitadas mesmo por quem não concorde com elas.

Própria da dimensão contramajoritária do Judiciário, essa tensão está especialmente presente nas questões penais e processuais penais. O devido processo legal, o direito de defesa e efetivo contraditório, a garantia da presunção de inocência e tantas outras disposições constitucionais sofrem significativa resistência. As tentativas de impedir seu pleno rendimento, como se fossem obstáculos à paz social e à moralidade pública, são constantes. Esse cenário de incompreensão revela a importância de uma Constituição cidadã - fundada na dignidade humana, que não transija com a violência, a discriminação e o preconceito -, bem como de uma Corte constitucional capaz de garantir esses direitos.

Na atualidade, tudo isso ganhou uma nova relevância. O Poder Judiciário - em especial, o STF - é atacado em sua independência e autonomia. Seguidas e insistentes ações concatenadas tentam deslegitimar sua função racional. É preciso defender o Supremo e suas competências constitucionais, sem transigir com ataques e discursos antidemocráticos. Ao mesmo tempo, é essencial preservar o espaço de crítica a respeito das decisões do Judiciário. Respeitar e defender a independência da Justiça não significa aplaudir tudo o que ela produz em seu exercício jurisdicional. A recepção acrítica do trabalho do Supremo e dos tribunais seria prejudicial ao próprio Judiciário e ao Estado Democrático de Direito. Não existe bom funcionamento da Justiça sem crítica.

O STF tem muito a melhorar em seus procedimentos; por exemplo, a quantidade excessiva de decisões monocráticas e o prazo irrazoável para apreciação pelo plenário e pelas turmas dessas decisões. Algumas vezes, decisões judiciais refletem incompreensões a respeito da própria Constituição e representam interferências indevidas sobre competências de outros Poderes; por exemplo, a liminar suspendendo a figura do juiz de garantias. Tudo isso tem reflexo direto no respeito a garantias e direitos fundamentais.

No entanto, essa reflexão crítica deve buscar o aperfeiçoamento da Corte e seu livre funcionamento. Nunca deve ser coação sobre ministros ou atropelamento de suas competências. É controle institucional, dentro do devido processo legal, pelos caminhos previstos na Constituição e na legislação. A garantia do duplo grau de jurisdição é parte essencial do regime democrático.

Por mais equivocada que possa ser, nenhuma decisão judicial é motivo para pedir o fechamento do Supremo ou a redução da autonomia do Judiciário. A crítica deve fortalecer a institucionalidade, e não atacá-la. Em vez de afronta à Justiça, é preciso promover maior rigor técnico e jurídico no trabalho de todos os envolvidos no sistema de Justiça. O aprimoramento da atividade jurisdicional - o que significa, entre outros aspectos, uma mais efetiva defesa da Constituição e dos direitos e garantias fundamentais - demanda um tratamento mais científico dos casos analisados. A profundidade na análise dos temas, o respeito à racionalidade, a abertura à interdisciplinaridade e tantas outras exigências de um trabalho efetivamente científico, tudo isso propicia decisões mais adequadas e equilibradas, mais acessíveis à compreensão, mais capazes de suscitar adesão e respeito. Nessa seara, junto a outras instituições e pessoas, o IBCCRIM tem a missão de contribuir para o aprimoramento técnico-científico das decisões judiciais, por meio do estudo, pesquisa e reflexão sobre as Ciências Criminais.

Poucas vezes na história o STF foi tão atacado, o que traz tensões não apenas sobre a independência da Justiça, mas sobre o próprio funcionamento do Estado Democrático de Direito. É preciso defender, sem cansaço, o Judiciário. Mas essa defesa institucional é também atividade crítica. Uma crítica que é, às vezes, contundente e dura, mas sempre é diálogo, sempre é respeito ao interlocutor, sempre é compromisso com o livre exercício jurisdicional.