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Prender mais, prender sempre, esquecer para sempre

Este texto é o quarto do "Especial IBCCRIM Julho das Pretas".

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Atualizado às 08:15

A discussão acerca do encarceramento em massa não é nova, recente ou próxima de resolução. Quando se analisam os dados disponibilizados em órgãos oficiais ou pesquisas com espectro nacional, como o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente, é possível verificar que em 2023 o Brasil possuía 852.010 pessoas privadas de liberdade no Sistema Penitenciário e/ou sob custódia das polícias.

Quando a análise é sobre as vagas disponibilizadas para essas pessoas, há um déficit declarado de vagas no sistema prisional, ou seja, 214.819 espaços inexistentes para acomodar aqueles que já estão encarcerados. Isso significa, de maneira numérica e objetiva, que o sistema prisional não possui estrutura física para custodiar mais pessoas, tendo em vista a já tão vasta incapacidade.

Assim, apesar de dados apresentados e estruturados em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública, ou seja, estruturas oficiais do governo, é necessário que a discussão venha para o nível geral da sociedade.

Se o assunto é encarceramento em massa, qualquer proposta que diminua a lotação das unidades é, por vezes, associada a uma possível impunidade. Quando há o cometimento do crime, existe um clamor público e uma espera no cerceamento da liberdade e, mesmo com medidas alternativas previstas em lei, que também exercem poder punitivo, o presídio é o único lugar que reverbera um aspecto de "a justiça foi feita" no discurso popular. Infelizmente.

Sem precisar adentrar na história da construção das penas, com a perspectiva atual de que a mesma existe associando a função preventiva, como exemplo inibitório sobre os cidadãos, e a função retributiva, que abarca o restabelecimento da ordem violada pelo delito, ou seja, o status quo ante, na medida em que é proporcional ao crime cometido e a culpabilidade do acusado, estruturalmente não é possível estabelecer resultados neste liame.

Se há o desencorajamento da prática criminal, não decorre das penas apresentadas ou das estruturas falidas e mal-ajambradas do cárcere, que além de sua ampla notoriedade, são consideradas como "escolas do crime", já que pela sobrevivência enquanto no cumprimento da pena, o condenado - por vezes primário - por sobrevivência, passaria a se determinar dentro de um grupo e até mesmo de uma facção criminosa de repercussão nacional.

A legislação pátria, seja a Constituição Federal, os códigos penais e até mesmo a legislação extravagante, ou os tratados e regras internacionais de direitos humanos em que o Brasil é signatário, oferece alternativas à prisão na estrutura vigente, e até mesmo determinações acerca do conceito de "estado de coisas inconstitucional", em prol de preservar direitos mínimos de existência em situações de possível violação extrema.

Sobre tais perspectivas, a segregação cautelar é medida excepcional e somente se justifica quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, desde que fundados em elementos concretos que evidenciem a real necessidade da prisão. Esses requisitos, quais sejam: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, têm um viés em prol da sociedade que não se justificam legalmente, nem são cabíveis de comprovação concreta e objetiva, vez que seus argumentos justificantes são amplos, vagos e repousam em uma futurologia ineficaz.

Manter alguém preso sob a ótica de que essa pessoa vai voltar a delinquir pelo comportamento anterior é entender que comportamentos humanos se repetem de maneira contumaz e sem levar em conta o livre arbítrio humano que, inicialmente, permitiu que o crime em questão fosse cometido.

As discussões do encarceramento em massa que justificam a prisão pelo perigo abstrato ou pelo tipo penal que sentencia, caem facilmente em discursos políticos ou segregadores sustentados em mero clamor público, como uma resposta sobre a criminalidade que, em dados objetivos, não se reduz proporcionalmente às prisões.

Nesse ponto, o olhar sobre a execução penal e as propostas de resolução tomam um viés ainda mais perigoso, como em propostas de lei que versam sobre direitos adquiridos ou benefícios, assim como nas saídas temporárias.

Em maio de 2024, o Congresso derrubou o veto do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sobre o Projeto de Lei nº 2.253/2022, em trecho que versava sobre saídas temporárias da pessoa presa em situações de visita à família e participação em atividades que auxiliassem no retorno social, mantendo o benefício apenas para fins de estudo no ensino médio, supletivo ou cursos profissionalizantes.

A alteração da Lei de Execução Penal para remover um instituto criado para agregar no processo de ressocialização da pessoa presa é mais uma forma de prever que enquanto a discussão da superlotação carcerária repousar numa expectativa punitivista da sociedade, a ausência de vagas não é o problema mais imediatista. Criar mais vagas para conseguir prender mais pessoas não só não diminui a criminalidade que assusta a população, como transforma penitenciárias em locais de descarte humano. Presídios são construídos afastados dos centros urbanos não para preservar a segurança dos moradores próximos, mas para garantir a máxima de "quem não é visto, não é lembrado".

Em ano eleitoral, independente da esfera política que será decidida, a segurança pública deve ser pauta de análise, porém numa perspectiva real e palpável, com a clareza que os métodos atuais, seletivos e cruéis, não resolvem nenhuma perspectiva do assunto em questão. Só nos resta sonhar. Será?

Rebecca Santos

Rebecca Santos

Advogada. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania com ênfase em Sistema Prisional. Coordenadora adjunta do IBCCRIM/BA.