A estrada e o sonho do IBCCRIM
Marina Coelho Araújo faz um resumo da sua gestão na presidência do Instituto e renova a esperança de que novas gerações também entrem no mesmo sonho que originou a instituição.
terça-feira, 27 de dezembro de 2022
Atualizado em 27 de janeiro de 2023 19:08
Após dois anos à frente do IBCCRIM, gostaria de compartilhar, em primeiro lugar, três convicções que se fortaleceram ao longo desse período, ao acompanhar de perto tantos projetos do Instituto.
O IBCCRIM é muito potente: tem muito a contribuir para a construção de uma sociedade menos desigual e mais justa. Os objetivos do IBCCRIM só são alcançados por meio da realização de projetos coletivos e plurais: o individual tem perspectiva e alcance muito limitados. Na construção do IBCCRIM, o sonho, o entusiasmo e a paixão de todos nós são indispensáveis: não é tarefa burocrática, não é mera questão de técnica ou de racionalidade.
Assim como tantas outras pessoas ligadas às Ciências Criminais, sou filha do IBCCRIM. O Direito Penal é apaixonante em sua capacidade de transformação da sociedade. E o Instituto foi parte essencial na concretização desse ideal em minha trajetória humana e profissional. O País tem um sistema de justiça cruel, seletivo e absolutamente desproporcional. Ao longo dos últimos 30 anos, o IBCCRIM tem despertado a nossa responsabilidade de transformar esse sistema.
Agradecendo o trabalho de tantas pessoas, comento abaixo três aspectos da gestão 2021-2022 do IBCCRIM, que teve como base os cinco eixos do Plano Bienal: i. o desencarceramento e enfrentamento de ações letais seletivas; ii. violência de gênero; iii. ciências penais e as novas tecnologias; iv. processo penal: a construção do sistema acusatório e a tensão entre liberdade e coerção; v. autoritarismo estrutural: reflexos na política criminal e no sistema de justiça.
No início da gestão, em janeiro de 2021, consolidamos políticas estatutárias que possibilitaram a eleição dos primeiros diretores negros da história do IBCCRIM e a criação do Conselho de Diversidade. A ampliação da diversidade nos espaços de decisão tornou o Instituto mais apto a exercer suas funções. Só a construção coletiva dos projetos, com olhares plurais, possibilita avançar de forma efetiva.
Cumprindo sua missão institucional, o IBCCRIM manteve diálogo permanente com o STF, o STJ e o Congresso, especialmente na revogação da Lei de Segurança Nacional (e tramitação da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito) e no projeto de Novo Código de Processo Penal. Elaborou-se um documento com as prioridades e propostas do Instituto a respeito da segurança pública e sistema penitenciário, que foi apresentado aos candidatos à Presidência da República. O IBCCRIM participou da mobilização da sociedade civil após a Chacina do Jacarezinho e esteve em todas as audiências públicas realizadas no STF para discutir o estado inconstitucional de coisas do sistema criminal pátrio.
Ao longo desses dois anos, foi feito um intenso movimento de expansão do IBCCRIM. Havia coordenação em todas as unidades federativas, mas era preciso ir além. A realização do seminário "Desafios do sistema Criminal" na Bahia foi o início de uma experiência muito marcante. Dogmática penal, história do Brasil e a necessidade de construção de uma nova racionalidade jurídica estiveram muito unidas nos quatro dias de seminário, transformando nossa percepção e vivência. Depois, seminários semelhantes foram realizados no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis e Recife.
O IBCCRIM caminhou a passos largos, mas ainda há muito a avançar, interna e externamente. Combater a violência estatal exige reconhecer a centralidade da questão racial. O racismo estrutura as relações na sociedade brasileira. Nessa seara, é preciso compreender o papel de cada um de nós, individual e coletivamente. A transformação da racionalidade opressora, que trata desigualmente os cidadãos, passa por instaurar, nos espaços públicos, essa discussão, essa reflexão, essa inquietação pela transformação. O IBCCRIM pode e deve ser protagonista nessa luta.
Pluralidade de ideias, diversidade de pessoas e o sonho coletivo de um sistema penal mais humano, menos racista e menos desigual no país: isso é o que move o IBCCRIM.
Na cerimônia de descerramento da placa da Biblioteca do IBCCRIM em seu nome, Alberto Silva Franco, citando Mia Couto, afirmou: "O que faz a estrada andar? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isto que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro". Que o entusiasmo por esta potência de estrutura criada nos últimos 30 anos possa contagiar cada vez mais braços, mais vozes, mais trajetórias profissionais.
Vida longa ao IBCCRIM.