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O IBCCRIM e sua função de amicus curiae: uma voz firme na defesa dos direitos fundamentais e humanos

Sempre orientado por sua missão institucional de defender a democracia, as garantias fundamentais e os direitos humanos, o IBCCRIM participa das discussões penais travadas no STF por meio da intervenção, como amicus curiae, nas ações que chegam à Corte, apresentando memoriais e pareceres, realizando sustentação oral, e participando de audiências públicas.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Atualizado em 16 de novembro de 2022 14:16

INTRODUÇÃO

Cada vez mais, a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria penal vem ganhando a atenção dos noticiários e da comunidade jurídica. Seja nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, seja nos recursos com repercussão geral reconhecida, ou mesmo em impetrações de Habeas Corpus que, pela relevância da matéria discutida, são afetadas ao Plenário, o Tribunal se mostra um ator central na definição da política criminal implementada no Brasil.

Sempre orientado por sua missão institucional de defender a democracia, as garantias fundamentais e os direitos humanos, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) participa das discussões penais travadas no STF por meio da intervenção, como amicus curiae, nas ações que chegam à Corte, apresentando memoriais e pareceres, realizando sustentação oral, e participando de audiências públicas.

Nas linhas que seguem, abordaremos alguns casos emblemáticos que contam com a atuação do IBCCRIM, ainda em trâmite perante o STF. Veremos, nos exemplos destacados, ações que marcaram os últimos dois anos da Corte Suprema em matéria criminal (itens I e II a seguir). Outras (itens III e IV), que chegaram recentemente ao Tribunal e trazem necessárias reflexões e inovações ao sistema de justiça criminal. Por fim, trataremos de alguns casos que, embora já antigos, seguem sem um necessário e importante desfecho (itens V e VI).

I. PANDEMIA E OPERAÇÕES POLICIAIS - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 635

A chamada "ADPF das Favelas" trata da (in)constitucionalidade da política de segurança pública implementada, especialmente, no Rio de Janeiro, questionando a alta letalidade das operações policiais, o uso de helicópteros para disparar saraivadas sobre favelas, as incursões a tiros perto de escolas públicas, e as declarações de autoridades públicas conclamando à polícia a "dar tiros na cabecinha" de criminosos.

A questão retratada, porém, mostrou-se ainda mais grave com durante a pandemia de COVID-19, quando se exigiu de todos nós - e especialmente da parcela mais vulnerável da população - certos sacrifícios, como o distanciamento social, para se evitar a disseminação do coronavírus. Nesse contexto, as incursões e operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro mostraram-se ainda mais violentas - real e simbolicamente.

Diante desse cenário, a ADPF 635 foi aditada com pedido de concessão de medida cautelar para impedir ou limitar as operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante da pandemia de COVID-19, medida que veio a ser deferida pelo STF. Até o momento, é a grande ação referência no tema segurança pública.

II. GOVERNO BOLSONARO E POLÍTICA ARMAMENTISTA - AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 6675, 6676, 6677, 6678, 6680

As cinco ADIs em questão arguem a inconstitucionalidade dos decretos 10.627, 10.628, 10.629 e 10.630, todos de 12 de fevereiro de 2021, editados pelo Presidente da República para regulamentar o Estatuto do Desarmamento.

Na prática, os decretos questionados afrouxam desproporcionalmente as políticas de controle de comercialização, distribuição e transporte de armas de fogo no país, extrapolando a competência legislativa e violando preceitos constitucionais. Por essa razão, a Ministra Rosa Weber, relatora das ações, concedeu, monocraticamente e em parte, as medidas cautelares pleiteadas nas ADIs para suspender a vigência de dispositivos dos decretos.

A ação trata de tema central na política de segurança pública - e de controle de armas - praticada pelo Governo Federal no último período.

III. PROTEÇÃO DE DADOS, SEGURANÇA PÚBLICA E PROCESSO PENAL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.301.250

O RE 1.301.250 discute os "limites para a decretação judicial da quebra de sigilo de dados telemáticos, no âmbito de procedimentos penais, em relação a pessoas indeterminadas".

O caso tem origem em investigação policial na qual a Justiça intimou a Google para (1) a identificar, por meio de número de IP, todas as pessoas que, dentro de determinado período, realizaram buscas na internet por termos definidos pelos investigadores; e (2) apontar as localizações geográficas onde essas pesquisas foram efetuadas.

Naturalmente, essa determinação recai sobre pessoas diversas e indeterminadas que, de um lado, podem ou não ter relação com o crime investigado e, de outro, não figuram sequer como suspeitas no procedimento penal. Em outras palavras, adentra-se à esfera de privacidade de uma pluralidade de pessoas inocentes na esperança de se identificar eventuais culpados.

Dessa forma, a discussão jurídica travada no recurso reintroduz o dilema ético sobre o equilíbrio entre segurança e privacidade; agora, galvanizado pelas possibilidades e inovações proporcionadas pelo uso da tecnologia. Nesse contexto, o STF balizará o uso de tecnologias de vigilância no processo penal, tarefa ainda mais relevante quando se discute a elaboração de uma Lei Geral de Proteção de Dados para questões de Segurança Pública e de Persecução Penal, a LGPD-Penal.

IV. RETROATIVIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS 185.913

A introdução do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ao ordenamento jurídico trouxe grande debate na doutrina e na jurisprudência sobre a ampliação dos espaços de negociação no processo penal. Dentre as questões controvertidas, uma mereceu destaque: aplica-se o ANPP a processos iniciados antes da vigência da lei que o instituiu?

A questão chegou ao STF, justamente, por meio do Habeas Corpus185.913, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, e que, por sua relevância, teve seu julgamento afetado ao Plenário do Tribunal, cuja decisão orientará a jurisprudência a ser aplicada nos demais casos do país.

V. POLÍTICA-CRIMINAL DE DROGAS E PORTE PARA CONSUMO - RECURSO EXTRAORDINÁRIO 635.659

O Recurso Extraordinário 635.659 argui a inconstitucionalidade do crime de porte de droga para uso pessoal, previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006.

Relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o recurso teve seu julgamento iniciado em 19 de agosto de 2015, com profícua discussão jurídica realizada pelas sustentações orais e nos três bem fundamentados votos já proferidos ao longo de diversas sessões: os dos Ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, declarando inconstitucional o art. 28 da Lei de Drogas, e o do Ministro Luiz Edson Fachin, fazendo-o exclusivamente em relação ao porte de maconha. Há quatro anos, contudo, o recurso aguarda reinclusão na pauta de julgamento do Plenário.

Urge que o STF retome e finalize o julgamento do RE 635.659. A matéria ali versada se relaciona com aspecto central de toda a política criminal e de segurança pública praticada no Brasil: a guerra às drogas.

VI. - JUIZ DE GARANTIAS E PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6298

Outra inovação legislativa introduzida pela Lei 13.964/2019, que ficou conhecida como "Pacote Anticrime", foi a instituição do Juiz de Garantias. À luz do direito comparado, pode-se dizer que esse é necessário ao perfazimento de um modelo processual penal acusatório, como o que foi adotado pela Constituição de 1988.

Datado de 1941 e fruto do Estado Novo, nosso Código de Processo Penal, espelhado na ideologia política do regime, adotou estrutura processual inquisitória, incompatível com o modelo constitucional vigente. Portanto, a implementação do instituto do Juiz de Garantias, em seu aspecto histórico, nada mais é do que o um instrumento de adequação do ultrapassado modelo processual penal brasileiro ao sistema adotado pelo constituindo originário.

Não obstante, tal instituto teve sua inconstitucionalidade arguida por meio da ADI 6298 e, em 15 de janeiro de 2020, o Ministro Luiz Fux, em decisão monocrática, suspendeu cautelarmente a entrada em vigor da norma que institui o Juiz de Garantias. Passados quase três anos da decisão, esta ainda não foi submetida ao referendo do colegiado.

CONCLUSÕES

Como vimos, o STF ganhou ainda mais protagonismo em matéria penal e processual penal nos últimos anos, exercendo um relevante papel de proteção de direitos e garantias fundamentais no controle de constitucionalidade de leis e de políticas públicas. Algumas das manifestações do Tribunal, ainda quando em medida cautelar, se mostraram praticamente satisfativas, sendo despiciente uma rápida manifestação no mérito.

De outro lado, há casos relevantes que aguardam julgamento há demasiado tempo, obstaculizando a definição de questões-chave para a conformação de nosso sistema penal. Não há dúvida de que o Supremo pode agir estrategicamente e "decidir não decidir" quando há um desfavorável momento político e social. Contudo, em alguns casos o passar do tempo somente aumentará o custo político de se decidir conforme a Constituição. O IBCCRIM seguirá, em cada uma dessas importantes ações, sendo uma voz, na Suprema Corte, na defesa dos direitos humanos e das garantias fundamentais.

Alberto Zacharias Toron

Alberto Zacharias Toron

Advogado criminalista no escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados.

Maíra Fernandes

Maíra Fernandes

Advogada criminalista.

Raquel Lima Scalcon

Raquel Lima Scalcon

Advogada criminalista em Cavalcanti Sion Advogados, Professora da FGV Direito SP. Doutora pela UFRGS, com estágio pós-doutoral na Universidade Humboldt de Berlim/Alemanha.

João Vicente Tinoco

João Vicente Tinoco

Advogado criminalista, sócio de Maíra Fernandes Advocacia; Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio; Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.