Declarações polêmicas de Bolsonaro
Presidente disse saber como morreu o pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, que desapareceu na ditadura.
terça-feira, 30 de julho de 2019
Atualizado às 10:42
Aos fatos de ontem
- Presidente Bolsonaro disse ontem saber como o pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da OAB, desapareceu, na ditadura militar. Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, estudante de Direito e militante do movimento estudantil, saiu de casa em um sábado de Carnaval no ano de 1974 e nunca mais foi visto. A nefasta declaração foi proferida ao criticar a atuação da Ordem no processo de Adélio Bispo, autor da facada durante a campanha presidencial.
- "Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro - e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos." Felipe Santa Cruz
- OAB, IAB e outras entidades criticaram as declarações.
- Diante da repercussão negativa, enquanto cortava o cabelo, Bolsonaro deu sua versão: Fernando teria desaparecido pelas mãos do próprio movimento do qual participava. "Como eu obtive as informações? Com quem eu conversei na época, oras bolas."
A propósito
O professor da USP Pedro Dallari - relator da Comissão Nacional da Verdade, extinta quando da entrega do relatório final, e seu último coordenador - observou acerca das declarações presidenciais:
"Independente de diferenças políticas, ideológicas ou mesmo religiosas, toda família tem o direito sagrado de velar e sepultar seus entes queridos. O que se espera do presidente da República é que use suas prerrogativas para auxiliar na localização dos restos mortais de Fernando Santa Cruz, desaparecido em fevereiro de 1974 quando se encontrava sob custódia das Forças Armadas. Seu filho Felipe, sua família e as famílias dos desaparecidos políticos são credores dessa ação humanitária do Estado brasileiro. Essa é justamente a recomendação nº 27 do relatório da Comissão Nacional da Verdade, de dezembro de 2014: Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos."
Aos fatos de hoje
Hoje, ao sair de casa, Bolsonaro foi perguntado sobre a comissão da verdade. E respondeu com a seguinte retórica: "Você acredita em Comissão da Verdade? Qual foi a composição da Comissão da Verdade? Foram sete pessoas indicadas por quem? Pela Dilma". A seguir, emendou: "nós queremos desvendar crimes. A questão de 64, existem documentos de matou, não matou, isso aí é balela".
Banana's Republic?
Quando um conterrâneo volta de uma viagem ao exterior, não raro se ouve que o povo do país visitado é arrogante. Isso se dá porque o brasileiro não encontra no alienígena o mesmo tom camarada, cordial, gentil. No entanto, ao revés, quando se pergunta do Brasil a um estrangeiro, é comum ouvir que há ali um povo alegre, amigo. É, pois, essa a característica inata dos brasileiros. É óbvio que isso representa uma média nacional. Média que, pelo visto, revolta o atual mandatário da nação, que parece carregar um sentimento de vingança.
E por que esse travo de amargura?
Queremos crer que a infância do presidente não deve ter sido muito fácil. A vida no Vale no do Ribeira, nos anos 70, tinha os piores índices de qualidade do Brasil. Quem diz isso é o autor desta nota, que viveu por lá nos anos 80, portanto com conhecimento de causa. A pobreza e a miséria destoavam da qualidade de vida do resto do Estado. Era uma verdadeira "caverna do diabo". E a velha Xiririca, hoje Eldorado, era um exemplo disso.
Talvez esse cenário ingrato tenha moldado a cabeça do jovem aspirante a militar, que se sentiu injustiçado com o destino. Mas talvez seja essa revolta permanente também que fez com que ele vencesse na vida, torna-se um deputado afamado e fosse alçado à presidência da República.
Mas se é assim que chegou, não é assim que vai se manter.
Não se pode ser escravo dos métodos que deram certo. E é querendo inverter a lógica pátria da gentileza, destilando revanchismo e revolta, que o presidente acaba afastando de si até as pessoas que lhe querem bem. É a lei natural das coisas. Os iguais se reúnem: o mal com o mal, o bem com o bem.
Ontem, ao falar do pai do presidente da OAB nacional, o magistrado-maior, mais uma vez, escancarou esse recalque. Tais atitudes são merecedoras de diversos adjetivos, mas ficamos com apenas um: "contraproducentes". Não servem para nada. Ou melhor, servem para causar repulsa.
Minutos depois do despautério, o presidente viu-se compelido pela repercussão a fazer um pedido de desculpas. Ou, na nova política, "escusas". Ao invés de reconhecer o erro, preferiu criar um subterfúgio, inventando uma história rocambolesca. E em raro momento de humildade, diz que "não quer polemizar com ninguém, não quer mexer com sentimento do senhor Santa Cruz". Afirmou ainda que não tem "nada de pessoal contra ele". Mas logo depois volta à carga: "eu acho que ele está equivocado em acreditar em uma versão apenas".
O pior de tudo, no entanto, foi o modo como isso se deu. Com efeito, fez-se com desdém, como se estivesse numa barbearia de Eldorado, falando com os frequentadores do estabelecimento, entre uma banana e outra, que é o ouro amarelo que se garimpa nos morros daquelas plagas.
Nunca é demais lembrar, todavia, que não somos e nem queremos ser uma república das bananas.