Modulação - Precatórios
quinta-feira, 26 de março de 2015
Atualizado às 11:29
O STF concluiu a modulação dos efeitos da decisão que declarou parcialmente inconstitucional o regime especial de pagamento de precatórios estabelecido pela EC 62/09. De acordo com a modulação, o regime especial criado pela emenda fica mantido por cinco anos, com início em janeiro de 2016 ; e, a partir de hoje, os créditos em precatórios devem ser corrigidos pelo IPCA-E. Confira.
Infra petita
Se, como diz a expressão, a emenda é pior que o soneto, no caso a modulação ficou pior que o pedido. Depois de finalizado o julgamento, sem maiores explicações, o ministro Marco Aurélio disse : "Concluo que a esta hora o requerente, o Conselho Federal da OAB, deu um tiro no pé". Vamos entender o porquê, nas próximas notas.
Memória da dívida
Em 1988, o constituinte, preocupado com as dívidas dos Estados e municípios, mas sem esquecer dos legítimos credores, deu prazo de oito anos para pagamentos dos precatórios, de forma parcelada. Tal prazo não foi cumprido, ninguém foi punido, e sobreveio reforma na CF para determinar que no prazo máximo de 10 anos fossem quitados os precatórios (EC 30). Tal reforma foi questionada judicialmente em 2000 (ADIn 2.356), e considerada inconstitucional pelo Supremo apenas dez anos depois (!), em novembro de 2010. Na referida ação, houve embargos de declaração que até hoje sopitam numa gaveta do gabinete do relator, ministro Celso de Mello. Nesse ínterim, tanto porque não foram pagos os precatórios, tanto porque foi julgada inconstitucional a EC 30, o constituinte reformador agiu novamente, e em 2009 surgiu a EC 62. Esta, por seu turno, impunha um limite de gastos no orçamento com precatórios, e criava o mefistofélico leilão inverso, pelo qual quem dava mais desconto levava o dinheiro. No mesmo ano ela foi questionada judicialmente (ADIn 4.357), porque novamente o que se queria era protelar o pagamento e agora com o instrumento da faca no pescoço, pois outra coisa não é o leilão inverso ("se quiser receber, dê desconto"). Em 2013, o STF considerou inconstitucional a norma, o que criou um imbróglio jurídico, porque a rigor os pagamentos deveriam ser feitos imediatamente, pois na sucessão de repristinações voltaria a valer a regra do constituinte originário, que determinou que o pagamento deveria se dar até 1996. O que fez então o STF ? Determinou que, até que a questão fosse modulada, continuassem a valer as regras da EC 62, a mesma que ele próprio disse ser inconstitucional. Ontem, ao final, modulou-se a questão. E o STF, agindo como se legislador fosse, criou nova regra para pagamento. Além de validar os acordos celebrados na vigência da inconstitucional EC 62, prorrogou para 2020 a quitação das dívidas. A pergunta que não quer calar é : qual será a punição para quem não cumprir ? E se vier nova EC disciplinando a matéria ?
Boomerang
Na assentada de ontem, o ministro Marco Aurélio, como não raro acontece, ficou vencido. S. Exa. entende que a Corte não deveria avançar na modulação da forma como fez. Citou, como já o fez outrora, a metáfora do bumerangue : um instrumento que o STF lança no meio jurídico, mas que pode voltar-se contra ele próprio.
Transferência de atribuições
O Supremo, e os juízes Brasil afora, estão, não se nega, participando das políticas públicas como nunca se viu na história brasileira. Decisões obrigam o fornecimento de remédios, mandam hospitais particulares atenderem pelo SUS, obrigam escolas a receber alunos. Pelo lado do Supremo, determinou-se o regramento para o direito de greve dos servidores, disciplinou-se como se daria o aviso prévio proporcional, entre outras coisas. A questão do precatório, portanto, enquadra-se nesse rol de decisões, que de certo modo fazem do magistrado um gestor público, interferindo até nas questões que podem ser consideradas discricionárias. Seria isso uma coisa correta ? O tempo vai dizer.
Causas
Aproveitando o gancho da pergunta que finaliza a migalha anterior, vê-se que o protagonismo do Judiciário se deu, em certa medida, pelo enfraquecimento do Legislativo. E esse por sua vez se deu porque ele abdicou de sua primordial função, a legiferante. Com efeito, é o Executivo, por meio das Medidas Provisórias, que faz essa função. E o Legislativo, no máximo, enfia nas MPs coisas que, por preguiça de vê-las transpor as trabalhosas comissões, quer aprovar. Mas e as coisas que são necessárias e que o Executivo não quer bulir, porque mordem seu Orçamento ou são impopulares ? Estas, empurram para o Judiciário. Está aí a raiz do problema.
Tempus fugit
Há 238 dias o STF e a sociedade aguardam que a presidente da República se digne a indicar um ministro do Supremo.
Na onda
O Supremo deveria modular o artigo constitucional que atribui à presidência da República o poder de indicar ministros para a Corte e definir que, ultrapassado tantos dias sem que o nome seja apresentado, tal atribuição seja transferida para a própria Corte.