O fim dos advogados

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O advogado tornou-se uma ferramenta essencial da justiça a serviço do cidadão. A tecnologia pode ser a grande inimiga dos defensores da lei no futuro.


Será o fim?

Tecnologia pode ameaçar carreira de advogados no futuro

Adão comeu o fruto proibido e mesmo assim Deus lhe deu o direito de defesa, segundo o Velho Testamento. Direito este que se tornou originário, fundamental e inalienável.

Há 20 anos foi promulgada a Carta Constitucional determinando no artigo 133 que o advogado é indispensável à administração da justiça. Portanto, numa sociedade baseada no respeito pela excelência da lei, o advogado desempenha um papel especial para resolver as infindáveis questões judiciais.

As funções do advogado não se esgotam no cumprimento rigoroso da sua incumbência dentro dos limites da lei. O advogado deve servir o propósito de uma boa administração da justiça ao mesmo tempo que serve os interesses daqueles que lhe confiaram a defesa dos seus direitos e liberdades. Um advogado não deve ser apenas um defensor de causas, mas também um conselheiro do cliente.

Apesar da importância do profissional advogado, a tecnolgia de informação no futuro promete ameaçar a carreira dos defensores das leis segundo o advogado Richard Susskind, que lança o livro "O Fim dos Advogados?" em junho deste ano.

Confira na íntegra a entrevista do advogado publicada na Revista Época (Edição 507, 4 de fevereiro de 2008).

"Não precisaremos mais de advogados"

Para o professor de Direito, os escritórios de advocacia perderão espaço para a tecnologia

Quando o escocês Richard Susskind, de 46 anos, publicou O Futuro do Direito, há mais de uma década, o meio jurídico europeu reagiu com descrença. O livro mostra como e por que a tecnologia da informação mudará radicalmente a prática do Direito e logo se tornou um best-seller. Em junho deste ano, o autor lançará a continuação da obra. Mesmo antes de chegar ao mercado, O Fim dos Advogados? já causa polêmica. Para o autor, os advogados podem estar com os dias, ou pelo menos com os anos, contados. Susskind deu a seguinte entrevista a ÉPOCA.

Solange Azevedo

Entrevista - Richard Susskind

Quem é

Escocês, mora no norte de Londres com a mulher e três filhos. Tem 46 anos. É doutor em Direito pelo Balliol College, de Oxford

O que faz

É professor de Direito do Gresham College, em Londres, e da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, e colunista do jornal The Times

O que publicou

The Future of Law (O Futuro do Direito) e Transforming the Law (Transformando o Direito). Em junho, lançará The End of Lawyers? (O Fim dos Advogados?)

ÉPOCA – Os advogados estão ameaçados de extinção?

Richard Susskind – Dei o primeiro capítulo de O Fim dos Advogados? para 30 pessoas lerem. Alguns advogados e outros não. Nada menos que 27 deles responderam “sim” à pergunta feita no título do livro. No futuro, a maioria dos advogados terá de se esforçar para sobreviver. Mas nem todos serão extintos. Meu papel ao escrever um livro é provocar as pessoas e encorajá-las ao debate. E não deixar os advogados felizes. Meu interesse maior é que o acesso à Justiça e aos serviços jurídicos cresça.

ÉPOCA – Em quanto tempo a profissão estará ameaçada?

Susskind – Em cem anos, a sociedade e a economia serão transformadas radicalmente. Como já vêm sendo. Seremos tão afetados e modificados pela tecnologia que nenhuma das regras atuais serão válidas. Em dez anos, o mundo do Direito já estará em transição. E muitos advogados já estarão ameaçados. É por isso que eles precisam se modernizar.

ÉPOCA – O desafio, então, deve ser a modernização da profissão?

Susskind – Sim. O mercado jurídico será guiado por duas forças. A primeira irá em direção ao que chamo de “commoditização” (o fornecimento cada vez mais barato de serviços padronizados). E a segunda força será a da tecnologia.

ÉPOCA – Como os advogados podem se adaptar?

Susskind – Para entender essas mudanças e adaptar-se a elas, é preciso dar um passo atrás e pensar nas necessidades dos clientes. Trabalho com tecnologia legal há 25 anos e tenho feito muitas pesquisas sobre isso. Os departamentos jurídicos de grandes empresas vivem sob intensa pressão. Seus quadros de pessoal são reduzidos, e eles têm cada vez menos dinheiro para gastar com advogados externos. Ao mesmo tempo, têm muito mais trabalho que antes e precisam cada vez mais de auxílio legal. A solução desse impasse está relacionada às duas forças que falei antes, a commoditização e a tecnologia.

ÉPOCA – Como assim?

Susskind – É preciso criar estratégias para aumentar a eficiência e a colaboração. Muito do trabalho feito no meio jurídico é executado com ineficiência. Há muitas tarefas rotineiras que poderiam ser feitas de maneira diferente. Vislumbro todas as possibilidades, inclusive a terceirização. Isso baratearia os custos, e a satisfação dos clientes seria a mesma. Cada vez mais os clientes demandarão alternativas mais eficientes. Em meu novo livro, digo que o trabalho legal vai ser dividido em algumas vertentes. O método tradicional, em que o advogado lida com cada desafio oferecendo um serviço altamente customizado, é um luxo que muita gente já não tem condições de pagar. E isso não acontece só com as empresas. Cidadãos comuns, tanto na Inglaterra como em muitos outros países do mundo, não têm acesso à Justiça porque os advogados não costumam cobrar preços razoáveis.

ÉPOCA – A pressão virá do mercado?

Susskind – Exatamente. Advogados que não recorrerem a soluções mais criativas e eficientes, como a terceirização, se tornarão muito mais caros. E podem ser extintos devido à competição. Outro ponto é o que chamo de estratégia de colaboração. Um cliente pode dividir custos com outros que precisam dos mesmos tipos de serviços jurídicos. Isso se aplica às maiores empresas do mundo e também aos cidadãos individualmente. É nesse ponto que relaciono o Direito à web 2.0 (tecnologias que permitem a construção colaborativa de trabalhos pela internet). A internet encoraja a comunicação e a colaboração. No futuro, teremos comunidades de clientes dividindo os custos de serviços jurídicos similares. Também haverá na rede roteiros gratuitos sobre as leis. Esses roteiros devem ser construídos da mesma maneira como foi a Wikipédia (a maior enciclopédia on-line). Se refletirmos sobre o desenvolvimento da internet, veremos que os usuários já contribuem em blogs, wikis e redes de relacionamento. A maneira como as pessoas se comunicam já mudou e continua em modificação. Isso também afetará clientes e advogados. A conseqüência será a difusão dos conhecimentos jurídicos. Advogados que não quiserem dividir conhecimento serão postos de lado.

ÉPOCA – O impacto da tecnologia nos países em desenvolvimento será o mesmo que nos desenvolvidos?

Susskind – Se pensarmos em países pobres, o impacto será menor que em sociedades avançadas. Mas o impacto da tecnologia em países como o Brasil será grande, sim. Em muitos países em desenvolvimento, o acesso à tecnologia está aumentando e continuará crescendo nos próximos anos. Isso pode aumentar também o acesso à Justiça. Na Inglaterra, apenas as pessoas muito ricas, que podem pagar advogados particulares, ou as muito pobres, que conseguem assistência jurídica do Estado, conseguem recorrer à Justiça. Embora hoje os ingleses tenham muito mais acesso à internet que populações de países menos avançados, eles também têm problemas de acesso à Justiça.

ÉPOCA – Os advogados devem aprender com o mundo corporativo?

Susskind – Devem, sim. A indústria petrolífera olha o mercado 50 anos à frente. Claro que esse espaço de tempo é muito distante para o mundo jurídico. Assim como, nos últimos 20 anos, a tecnologia provocou a substituição de grandes empresas por companhias mais ágeis, ocorrerá o mesmo com os advogados. Os escritórios de advocacia não podem achar que não têm competidores. Cada vez mais haverá publicações jurídicas, websites abertos. Advogados têm de pensar menos em si e mais nas necessidades dos clientes.

ÉPOCA – No Brasil, os advogados costumam se dizer necessários para preservar os direitos da população. O senhor concorda com isso?

Susskind – Respeito esse ponto de vista. Mas os advogados sempre encontrarão razões para justificar por que são necessários. Há outras maneiras de preservar os direitos da população. O Direito não existe para garantir um meio de subsistência aos advogados. A função dos advogados deve ser ajudar cidadãos e empresas a entender e aplicar a lei. Mas, se encontrarmos maneiras diferentes de fazer isso, não precisaremos de advogados por muito tempo.

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