Revolução Constitucionalista de 32

14/8/2007
Marcelo Guedes Nunes – escritório Carmelo Nunes, Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Advogados

"À Redação: No Salão dos Passos Perdidos do Tribunal de Justiça de São Paulo está aberta à visitação pública a exposição '75 anos da Revolução Constitucionalista de 32', composta basicamente de fotos, textos e alguns artefatos da época, em homenagem aos combatentes da Guerra Paulista iniciada em 9 julho daquele ano. A homenagem é mais do que merecida porque essa Revolução expressa os ideais democráticos de um Estado da Federação que, não à toa, lidera o desenvolvimento econômico e humano deste país, tanto quanto Getúlio Vargas, o inimigo da Revolução, representa o lado populista e autoritário de governos que, sob discursos de apelo social, contribuem para manter o país na vanguarda do atraso. Logo na entrada da exposição há uma placa com o que seria uma explicação das supostas causas da Revolução e os principais eventos que a antecederam. Ali, para a minha surpresa, a Revolução de 32 é descrita como uma reação das classes produtoras de São Paulo ao fato de Getúlio Vargas ter legalizado o sindicato dos operários, o Partido Comunista e aumentado os salários dos trabalhadores. Uma explicação típica da ditadura vitoriosa, que via o movimento como conservador, elitista e oligárquico. Nas palavras do texto (os negritos são do original):

'Em 1930 uma revolta derrubava o governo dos grandes latifundiários de Minas Gerais e São Paulo. Getúlio Vargas assumia a presidência do Brasil em caráter provisório, mas com amplos poderes. Todas as instituições legislativas foram abolidas, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais. Os governadores dos Estados foram depostos. Para suas funções, Vargas nomeou interventores.

 

O Interventor federal em São Paulo, Cel. João Alberto Lins de Barros, reconhece oficialmente os sindicatos dos operários, legaliza o Partido Comunista e apóia um aumento no salário dos trabalhadores. Essas medidas irritam ainda mais as classes produtoras.

 

Em 1932, uma greve mobiliza 200 mil trabalhadores no Estado. Preocupados, empresários e estudantes de São Paulo unem-se contra o governo Vargas.'

Não sou de manifestar publicamente opiniões, ainda mais as de cunho crítico, mas não me contive. O texto distorce os fatos e apresenta uma explicação quase que ofensiva à memória dos combatentes, colocados como conservadores resistentes ao progresso social de um governo popular. É sintomático o destaque à suposta 'provisoriedade' do Governo Vargas, para distingui-lo de um ditador vulgar, título que mais tarde o Estado Novo comprovou ser adequado. Mais indicativa ainda é a referência aos 'revoltosos' como representantes de latifundiários, empresários e membros das classes educadas paulistas, uma suposta minoria contrária às organizações sindicais, ao direito de greve, à legalização de partidos de esquerda e à melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Na verdade, como explica Miguel Reale no artigo 'O espírito da Revolução Constitucionalista', a Guerra Paulista pedia o retorno da democracia e do Estado de Direito em uma federação então regida por um ditador e por interventores estaduais, sem bandeiras ideológicas. Ponto. A Revolução foi um levante do Estado mais progressista do país, que, abandonado pelos demais, lutou sozinho contra a ditadura de Vargas em favor de uma Constituição democrática, apoiado pelo seu povo, inclusive operários, com um contingente de maioria voluntária e sustentado por doações. A idéia de uma revolução oligárquica, contrária à legalização de um partido e à melhora das condições de vida dos trabalhadores é a versão dos fatos espalhada pela ditadura contra a qual os combatentes lutaram e morreram e que, até hoje, reverbera nos livros de história dos colégios. Essa versão é repetida principalmente por conta de um almanaque da editora Abril chamado 'Nosso Século', publicado em 1981, que no seu terceiro volume (séc. XX, 1930-1945) explica a Revolução de 32 como uma revolta burguesa. O texto da placa parece ser o mesmo do almanaque, um pouco abrandado, é verdade. Foram retiradas menções ao desagrado das 'oligarquias paulistas' e das 'elites políticas do Estado economicamente mais importante'. Mas nem por isso o texto, viciado na raiz, se tornou digno de abrir a exposição. 'Sine ira et studio', adotar esse texto não me parece ser a forma mais adequada de relembrar a memória dos mortos em combate e acredito que Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo não se sentiriam nada prestigiados com a explicação da placa inaugural. Há uma segunda placa elogiosa, que usa as palavras corretas (ditadura do Governo Provisório de Vargas, luta por uma verdadeira democracia etc.), mas que não corrige as distorções da primeira. Para fazer justiça a mais do que elogiável iniciativa do Tribunal de Justiça de São Paulo, a maior preocupação dos organizadores deveria ter sido a de colocar a Revolução de 32 no seu correto lugar histórico, usurpado sistematicamente por um discurso vicioso e distorcido de uma parcela ideológica dos historiadores. Um abraço cordial a todos do Migalhas."

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